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A mostrar mensagens de 2018

Até onde gostas de mim?

                 - Adoro-te!                 E fechava os olhos para sentir melhor o abraço embalado. O beijo vinha depois. Com ele marcava o amor maternal que as palavras timidamente diziam. O abraço e o beijo vão sempre mais longe.                 - Até onde gostas de mim? – quis saber o Mateus, trazendo ao presente aquela música que tantas vezes ouvira.                 - Diz-me tu: até onde vai o meu amor? – contornou a mãe.                 - Eu gosto de ti até ao meu coração!                 - Essa medida já conheço! – protestou enquanto lhe fazia cócegas.                 - Até à lua!                 O olhar carinhosamente ameaçador da mãe fê-lo reconsiderar:                 - Até ao Sol!                 - Melhorou ligeiramente!                 - E tu, mãe? – desafiou.                 - Os meus olhos não alcançam a medida do que sinto por ti.                 - Poderás usar uns óculos ou um telescópio! – gracejou.                 Nesse momento, a Ter

Um piano que nos toca!

Ela levantou-se e fixou o longe pela janela por onde o Sol tinha invadido o quarto. O olhar encontrou-se por momentos com a luz – o brilho e a profundidade líquida uniram-se num abraço ímpar. Lá fora, a manhã ensaiava o vestido verde que tinha escolhido para aquele dia e o vento brincava com as folhas das videiras alinhadas. Ela sorriu e fechou os olhos para inspirar todas as cores. Paulatinamente uma melodia ganhou espaço e com ela viu-se menina sentada no tapete da sala com janelas enormes por onde se via o mar. Viu-se no tempo em que descobriu que o mar cercara de espanto a terra. O mar cercava a sua terra! Nunca deixou de a abraçar! Ao final da tarde, beijava-a com ondas suaves. Depois preparava-se para ouvir. Ao seu lado, outros meninos sentados, abraçavam os joelhos e a eles encostavam o rosto, espreitando apenas os olhitos para ouvir melhor. Silêncio! O Professor ia começar! O Professor sorria-lhes, enquanto preparava o banco. Inspirava depois como quem

Pai, com quem vou ficar?

O menino tinha a pergunta suspensa nos olhos que naquele momento mantinha escondidos com as mãos. As palavras alinhadas no pensamento formavam uma onda que daria lugar a um silêncio assustador. Arriscaria? Tocou no ombro do pai que se encontrava no banco da frente. Parecia uma ilha. Olhava fixamente sem ver absolutamente nada. - Com quem fico este fim de semana? O silêncio confirmou-se. De um lado, a insegurança, a incerteza que, como a sombra, pode impedir o crescimento. Do outro, a divisão, a bifurcação: onde antes era um, agora eram dois os caminhos. A dividi-los um fosso de segurança. O menino percorreria ora um, ora outro. O silêncio continuava. Será que devia ter feito aquela pergunta? Reparou pela janela do carro nas aves alinhadas num fio elétrico ali perto. Eram centenas, imóveis, à espera. Em breve partiriam rumo a zonas mais quentes, fugindo do longo inverno prestes a começar. Lá longe encontrariam as cores da segurança. Depois voltariam de novo ali para pa

Pai, senta-te aqui!

                O Mateus chegou calado. Trazia a mochila às costas, a lancheira a tiracolo, o casaco perdido no braço e o saco da natação suspenso no ombro. Os sonhos ocupavam o espaço disponível, onde, por vezes, ficavam muito apertadinhos.                 Um dos livros espreitava por uma pequena abertura da mochila, estava preocupado com a lentidão desanimada do rapaz e com a pergunta que ele trazia suspensa no olhar - queria saber quanto era cem por cento. - Depende – respondeu o pai, enquanto abria a porta de casa. - Se conseguires responder corretamente a todas as perguntas de um teste, poderás alcançar cem por cento. Imagina um jogo onde, para chegares à meta, tens de ultrapassar cem obstáculos. Quando conseguires chegar ao fim, tens cem por cento; porque ultrapassaste todos os obstáculos, conquistaste todos os pontos. - Sim, pai, mas posso não ser o primeiro... Com esta não contava! O pai percebeu que o problema era bem mais difícil de resolver. Encontrar a justa me

Mãe, quando for crescido, posso ir à Lua?

O Gabriel estava sentado sofá. Sentado não, pois parecia um acrobata: uma perna na China, outra em Portugal. Tinha numa das mãos o comando que disparava ordens em busca do canal desejado. E a pobre televisão lá soluçava um de cada vez espantada com a indecisão do rapaz. Mesmo ao lado, a Mariana deslizava pelas publicações de uma rede qualquer sem saber ao certo o que procurava. Fixava de quando em vez uma foto que esticava e encolhia para logo voltar à patinagem com o polegar no rinque colorido e brilhante. A mãe estava ali perto cercada de equações que às vezes não cabem nos números. Nesses casos, a solução foge por entre os sinais quase sempre limitadores para se fixar na beleza do Sol que beija o mar ao fim da tarde. E tudo acontecia ali ao lado. Cansada de alinhar números, levantou-se e caminhou pela sala, bebendo lentamente o café ainda morno. A dada altura, o Gabriel seguiu-a com o olhar. Aqueles olhos enormes, sedentos de respostas, questionaram em silêncio a inquietud

Diálogos (im)possíveis a caminho de casa

O Mateus tinha finalmente conquistado o lugar da frente ao lado do condutor. Olhava fixamente um ponto no horizonte e mantinha um sorriso discreto de vitória. Endireitava também as costas para que ninguém tivesse dúvidas da sua altura. A Clara resolveu então interromper aquele momento de glória: - Pai, já sei as minhas notas, tirei satisfaz ple… - Clara, por favor, o pai está cansado. Não vais falar agora dessas coisas. A tua geração é mesmo chata! – cortou o Mateus. A Clara não se deu por vencida. - O que é uma geração? - Nem sequer sabes o que é uma geração?! - É, até parece. Diz-me lá então o que é uma geração! - Pai, diz à Clara o que é uma geração. Já estou cansado de a ouvir! O pai conduzia em direção a casa. Estava realmente cansado, mas aquela conversa provocou-lhe uma gargalhada que ele tentou suster sem sucesso. De repente, ela explodiu-lhe nos lábios e nos olhos. Foi risota geral, imparável e contagiosa. Só parou quando uma voz meiga e frágil rompeu, im

A princesa que não queria ler

Inesquecível o momento em que sentiu o indicador a percorrer a sua lombada: era ela a escolhida. Quando percebeu que a puxavam, arrepiou-se, susteve a respiração e fechou os olhos. Nem teve tempo de se despedir das histórias amigas. Mas a ideia de que iria viajar nos olhos de uma criança imediatamente apagou essa mágoa. Porém, quando reabriu os olhos, sentiu algum receio. Tudo tinha ficado escuro e sentia-se muito apertada entre as folhas. As amigas já a tinha prevenido para essa possibilidade. Seria só por umas horas. Aguentou firme até ao momento em que ouviu um ruído arrepiante. Nesse instante, apodereou-se dela um medo terrrível, pensava que cada palavra podia dividir-se para sempre, sílaba por sílaba… Ficou lívida, a cor das letras confundia-se naquele momento com a cor das folhas: “Será que rasgam as minhas páginas, espaço onde habito e faço sentido?” Depressa percebeu que alguém desfazia o papel que a embrulhava, sentindo, de novo, confiança. Em breve, daria de caras c

Mãe, emprestas-me um beijinho?

A Teresa rodava no centro da sala com os braços esticados sobre a cabeça. Era uma bailarina encantada pela música, rodopiava nos braços da melodia. - Mãe, olha para mim! Vês, já sei dançar! - Linda! Que princesa tão linda! E logo a envolveu num abraço, emprestando-lhe um beijo no rosto. A menina olhou-a de uma forma inesquecível. Nos olhos, um tempo indistinto, um tempo sem tempo que reunia ali todos os tempos. O beijo provocou-lhe uma explosão interior sentida no olhar, uma alegria que se alargava no sorriso e se apertava no abraço que reafirmou à volta do pescoço da mãe. Depois afastou-se para reencontrar-se com os amigos de peluche que aguardavam pela sua imaginação. - Vem cá, pequenino, estás com frio? Agarrou-o, envolveu-o num pequeno cobertor e ofereceu-lhe um beijo demorado. O Mateus também estava na sala. Tinha reparado com curiosidade na irmã e na mãe. - Também me davas beijos assim? Como não obteve resposta, aproximou-se e encostou a cabeça no ombro da m

Pai, quantas ondas tem o mar?

A Clara continuava na água. Abraçava as ondas e deixava-se levar qual capitão à proa do barco da imaginação. Atracava feliz e logo se voltava para sulcar a seguinte. O pai permanecia sentado, observava aquele vaivém e também ele navegava em cada onda que beijava inocentemente a areia. - Pai, viste o meu mergulho? – perguntou, enquanto se aproximava. O pai acenou afirmativamente, evitando as palavras e o olhar. Não queria regressar daquela viagem que a imensidão sempre proporciona. A menina, curiosa, perspicaz, feita de perguntas e saberes nunca satisfeitos, sentou-se e ficou também a olhar. - Estás a ver ou estás a pensar? - As duas coisas… – respondeu o pai, inseguro. - Posso fazer-te uma pergunta? – continuou, procurando melhor posição na areia. - Sim. - Quantas ondas tem o mar? O pai levantou os óculos escuros para ver melhor o rosto da criança e não encontrou sinais de brincadeira. Reparou, sim, na dúvida que permanecia no olhar concentrado e insatisfeito.

O rapaz que fazia perguntas difíceis

O Mateus aproximou-se do pai. Levava nos olhos uma pergunta ensaiada e as mãos ajudavam a transportá-la na concha que faziam. Como era seu hábito, nunca libertava a dúvida sem ter a certeza de que o ouvinte o escutava: - Pai, tenho uma pergunta para te fazer. - Faz a pergunta, filho. - Podes olhar para mim? O pai suspirou, enquanto se desligava do pequeno monitor. - Diz então. Já estou a olhar para ti. - Estás sempre a ler notícias! - Faz a pergunta, Mateus! - Eu acho que não vais saber a resposta… Nesse momento, obteve do rosto do pai um sinal claro de que a sua paciência estava a esgotar-se, por isso, não perdeu tempo: - O que aconteceria ao mundo, se as moscas morressem todas? E nada mais acrescentou. O pai apoiou-se na cadeira, libertando o ar que esperava pronto para acompanhar as palavras que dariam forma a uma resposta. Mas não, nem uma palavra, o ar saiu mudo, perplexo, assustado com aquela dúvida inesperada. Teria ela pés a cabeça? Que mosca o teria

A Loirinha vai mudar de casa

A Loirinha era uma rafeira de porte médio. O pelo castanho-claro no dorso dava lugar ao branco nas patas e no ventre. Vivia em casa dos avós do Mateus desde os três meses e tinha acabado de completar seis anos. Ao final do dia, corria pelo jardim, qual corrida de obstáculos, por entre as árvores e os arbustos. Ninguém a conseguia apanhar, tais as fintas que conseguia inventar. Percorria depois os lugares preferidos que farejava com todo o cuidado, para confirmar se ainda lá se encontrava o seu osso favorito. Às vezes, encontrava o Soneca esticado ao Sol, em cima da mesa de pedra. Aproximava-se, silenciosamente, focinho junto à calçada, agarrado à pista como se fosse um detetive. Mas, quando chegava perto, não resistia às assustadoras garras do gato. Recuava, então, dois passos e voltava às corridas, regressando, por fim, à casota. O Mateus adorava adestrá-la. Caminhava lado a lado com a Loirinha, dando pequenos esticões à trela, acompanhados por ordens a que ela raramente o

A princesa que queria um abraço

Entre o móvel e a parede havia um espaço apertado. Parecia que o mundo todo cabia naquele lugar onde ela se refugiava. Daí lançava o seu protesto, como uma tartaruga recolhida na sua carapaça. - Não quero este vestido! - … - Não quero estas sandálias! - … - Não quero este gancho! - … - Este vestido não roda! - … - Não quero os botões apertados! A princesa permanecia sentada de braços cruzados sobre o peito, de rosto em banda, lábio inferir sobreposto e exageradamente voltado para o exterior. Olhava de soslaio. - … - Não quero ver um filme! - … - Não quero brincar! - … - Não sou linda! O olhar começava a ceder, mas o sorriso permanecia escondido. - Queres fazer uma roda? - Não quero fazer rodas! Nesse momento, já me olhava, mas ainda cabisbaixa, queixo encostado ao peito. - Queres um beijinho? - Não quero beijos! Não queria mas estendia os braços em forma de súplica. As portas da fortaleza abriam-se finalmente. - Um abraço no meu col