Entre o móvel e a parede havia um espaço
apertado. Parecia que o mundo todo cabia naquele lugar onde ela se refugiava. Daí
lançava o seu protesto, como uma tartaruga recolhida na sua carapaça.
- Não quero este vestido!
- …
- Não quero estas sandálias!
- …
- Não quero este gancho!
- …
- Este vestido não roda!
- …
- Não quero os botões apertados!
A princesa permanecia sentada de
braços cruzados sobre o peito, de rosto em banda, lábio inferir sobreposto e
exageradamente voltado para o exterior. Olhava de soslaio.
- …
- Não quero ver um filme!
- …
- Não quero brincar!
- …
- Não sou linda!
O olhar começava a ceder, mas o
sorriso permanecia escondido.
- Queres fazer uma roda?
- Não quero fazer rodas!
Nesse momento, já me olhava, mas ainda
cabisbaixa, queixo encostado ao peito.
- Queres um beijinho?
- Não quero beijos!
Não queria mas estendia os braços
em forma de súplica. As portas da fortaleza abriam-se finalmente.
- Um abraço no meu colo?
Acenou afirmativamente e deixou-se
envolver como quem se refugia num abraço seguro. Uns minutos ficamos assim.
Repentinamente:
- Posso fazer uma roda?
- …?
- Queres ver?
Caminhou até ao meio da sala.
Certificou-se várias vezes se ainda a olhava. Assim fiz.
Sorriu, abriu os braços em forma de
tê, flexionou uma das pernas em forma de quatro, manteve por segundos o
equilíbrio e rodou três vezes, elegante e segura. Olhou-me no fim
vitoriosa e afastou-se sorridente.
Daí a pouco brincava no quarto. Falava
com as bonecas devidamente alinhadas e atentas.
- Tu és a princesa amuada. Tu a
princesa sorridente.
Satisfeito, fui preparar o jantar.
Daí a pouco, ao meu lado:
- O que é o jantar?
- …
- Não gosto de batatas!
- …
- Não gosto de peixinho!
Desta vez era a princesa mais nova que
não desistia:
- Arroz e carne! Arroz e carne!
- Queres brincar com a mana!
- Arroz e carne!
Precisava urgentemente de subir
àquele castelo e salvar mais uma princesa amuada.