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As Aventuras do Sapo Toquinhas (compilação)


1. A primeira aventura do Sapo Toquinhas


O Sapo Toquinhas acordou e ficou muito contente. Estava um dia lindo. O Sol estendia os seus dedos quentinhos até ao rododendro. Era aí que o Toquinhas vivia com os seus pais e a sua irmã Matocas.
Avançou então por entre as folhas aos saltinhos com muito cuidado para não ser visto. À sua frente começava a calçada que conduzia até à porta principal da casa.
- O que haverá lá dentro? - matutava o Toquinhas. E logo recordou o conselho do Paitocas: "Nunca te aproximes daquela porta!".
Mas o Toquinhas olhava a porta grande e castanha e ficava triste porque via que outros animais lá entravam todos os dias. Entrava a mosca, o mosquito, a melga, a lagartixa. Até a formiga lá entrava!
Um dia, ficou à espera, quieto como uma pedra. O coração batia apressadamente!
Tum! Tum!
Tumtum! Tumtum!
Tum! Tum!
Tumtum! Tumtum!
Dali até à porta eram três saltos altos e longos...
De repente, viu passar o pai de Mateus com sacos de compras. O homem abriu a porta grande e castanha e entrou. Nesse preciso momento, o Toquinhas nem pensou duas vezes...
Um… Dois… Três!
Três saltos e lá estava ele. Eram paredes altas, o chão seco e macio! Nem uma folha, nem uma erva, nem uma árvore! Admirado, não reparou que a Inês, a filha mais velha, também estava a chegar. Ela viu-o e sentiu muiiiiiiiiito medo...
- Aaaaaaahhhhh! Um saaaaaapo!
Logo atrás vinha outra menina que, assustada e curiosa, perguntou:
- Mãe, onde está o sapo? Quero vê-lo!!!
- Não sei, Teresa. Não vejo aqui nada! Qual sapo? Pergunta antes ao mano.
Nesse momento, já o Mateus e a Clara estavam ajoelhados a um canto. A Teresa juntou-se aos irmãos. À frente deles o Toquinhas assustado. O coração batia agora ainda mais forte,
Tumtumtum!
Tumtumtum!
Tumtumtum!
De nada lhe valia saltar, pois eram tantos os olhos e tantas as mãos, que logo o apanhariam.
Então o Mateus agarrou-o com cuidado, com as mãos em concha, como quem guarda o mais precioso dos tesouros. Depois, seguido pelas irmãs, correu para o jardim e segredou-lhe:
- Toquinhas, ali não é o teu lugar! Volta para junto dos teus pais e da tua irmã! Amanhã, viremos brincar para o jardim e contar-te-emos uma história.
E o Toquinhas ainda assustado lá ficou debaixo do rododendro mais descansado por sentir nas patinhas a terra fresquinha e no corpo o abraço quentinho do sol.
Tumtumtum!
Tumtumtum!
Tumtumtum!
Tumtum!
Tumtum !
Tumtum!
Tum!
Tum!
Tum!








2. O Sapo Toquinhas salva o Velho Vagaroso

A manhã já espreitava e o Sapo Toquinhas preparava-se para descansar. Acomodou-se então debaixo das folhas secas e macias que as árvores do jardim tinham deixado cair no inverno.
Uma pequena abertura era suficiente para observar tudo o que se passava à sua volta. Dali, via o alpendre onde os carros esperavam por mais um dia de movimento; as abelhas e as borboletas que já começavam a escolher as flores onde pousavam suavemente; o Gato Sonecas que se espreguiçava, enquanto dava pequenos esticões em cada patinha. Reparou ainda nas minhocas que durante a noite se aventuraram na longa travessia da calçada que passava perto do seu rododendro. Como as pedras eram irregulares e rugosas, algumas delas ficavam exaustas e não terminavam a viagem. As que conseguiam depressa se encolhiam e enfiavam na terra para recuperar as forças.
A dada altura, fixou o olhar num velho caracol que tinha parado a meio da calçada. Os tentáculos balançavam agitadamente à procura de uma solução e o Toquinhas percebeu imediatamente que ele corria perigo: o Sol aquecia cada vez mais as pedras e, além disso, em breve o carro passaria por ali. De nada lhe valeria recolher-se na sua concha.
Era necessário ajudar o Velho Vagaroso, pensou. Nesse momento, ouviu vozes conhecidas e alinhadas.

Um, dois, um, dois
Andar, descer e subir
Um, dois, um, dois
Não há tempo a perder
Um, dois, um, dois
Todo o dia no carreiro
Um, dois, um, dois
Trabalhamos sem parar
Um, dois, um, dois
Para guardar alimentos
Um, dois, um, dois
E só depois descansar
Um, dois, um, dois

Oiçam bem com atenção
Um, dois, um, dois
As formigas aqui vão
Um, dois, um, dois
Nada nos pode vencer
Um, dois, um, dois
É forte a nossa união
Um, dois, um, dois

Umas das formigas era a Musculosa que passava perto do esconderijo do Toquinhas com uma folha enorme presa nas mandíbulas. Atrás dela seguiam centenas de obreiras alinhadas e concentradas no seu trabalho.
O Toquinhas não perdeu tempo:
- Musculosa, preciso da tua ajuda. É urgente!
A formiga parou, mas não se mostrou muito satisfeita com aquele atrevimento.
- Ouve, Toquinhas, espero que seja realmente importante. Eu e as minhas companheiras não podemos perder tempo. Temos de levar rapidamente estas folhas para o nosso formigueiro.
- O Velho Vagaroso está no meio da calçada e não consegue chegar ao jardim sem a nossa ajuda – explicou rapidamente.
- Muito bem, e qual é o teu plano?
Quando o Toquinhas terminou a sua explicação, todas as formigas o seguiram em direção ao Velho Vagaroso. Levavam com elas uma folha de camélia larga e resistente.

Oiçam bem com atenção
Um, dois, um, dois
As formigas aqui vão
Um, dois, um, dois
Nada nos pode vencer
Um, dois, um, dois
É forte a nossa união
Um, dois, um, dois

O Velho Vagaroso quando percebeu que uma multidão de formigas caminhava na sua direção depressa se refugiou na sua concha.

Toc, toc, toc
Toc
Toc, toc, toc
Toc

- Vagaroso, sou eu, o Toquinhas!
O velho caracol reagiu com muito receio.
- Essas formigas são de confiança?
- Vieram comigo para te ajudar.
O Vagaroso tinha muitas dúvidas, por isso, examinou com atenção o exército de formigas que o rodeava.
Paulatinamente, foi ganhando confiança e saiu da concha.
- Às vezes, esqueço-me de que já sou velho e de que não tenho forças para estas aventuras. Devia ter ficado no outro canteiro.
- Vagaroso, se o teu desejo é chegar ao canteiro do rododendro, nós vamos ajudar-te – prometeu a formiga Musculosa.
E deu ordens a todas as formigas que, de imediato, aproximaram a folha do caracol.
- Vamos, Vagaroso, sobe. O resto é connosco – explicou a Musculosa.

Nesse instante, abriu-se a porta grande e castanha donde saíram a correr o Mateus e a Clara, seguidos pela Teresa. A Inês vinha mais atrás, concentrada na música que escolhia no telemóvel.
Antes de entrar no carro, o Mateus agarrou a bola de basquete e tentou encestar
uma,
duas,
três vezes.
Por fim, lá conseguiu. Quando ouviu o motor do carro a trabalhar, correu para o seu lugar. Já lá estavam todos.
De repente, ao olhar pela janela, deu um salto no banco:
- Para, pai! – gritou.
O carro parou bruscamente e o pai olhou-o, procurando compreender a razão daquele grito.
- Está ali um caracol! Vamos esperar que chegue ao canteiro!
- Já estamos atrasados, filho! Eu tento desviar-me.
E preparou-se para retomar a marcha.
- Não faças isso! – protestaram em coro a Clara e a Teresa.
Nesse momento, o Toquinhas percebeu que o Velho Vagaroso continuava em perigo. Enviou, então, a abelha Teimosa.
- Não saias de lá até o Vagaroso chegar ao outro lado. Tem cuidado, é muito arriscado.
- Maaaaaaaaaaãe, uma abeeeeeeeeeelha! – gritou a Inês apavorada.
Abriram-se os vidros para que ela saísse. Todos agitavam os braços e tentavam assustar a abelha. Todos menos o Mateus que continuava a observar o trabalho das formigas.

Oiçam bem com atenção
Um, dois, um, dois
As formigas aqui vão
Um, dois, um, dois
Nada nos pode vencer
Um, dois, um, dois
É forte a nossa união
Um, dois, um, dois

- Missão cumprida! – suspirou de alívio a Musculosa.
Nesse momento, a abelha Teimosa abandonou o carro, passando muito perto do nariz do Mateus que começava a perceber muito bem aquela confusão criada pela abelha.
- Pensaste em tudo, Toquinhas! Conseguiste!

O carro estava finalmente em movimento. O Velho Vagaroso estava prestes a deixar a folha que o salvara. As formigas retomaram a sua marcha para o formigueiro. A abelha Teimosa voou à procura de flores. O Toquinhas sorriu discretamente e voltou a esconder-se nas folhas para o descanso merecido.
O Mateus ficou radiante e foi cantarolando durante a viagem para a escola.
Um, dois, um, dois
Andar, descer e subir
Um, dois, um, dois
Não há tempo a perder
Um, dois, um, dois
Todo o dia no carreiro
Um, dois, um, dois
Trabalhamos sem parar
Um, dois, um, dois
Para guardar alimentos
Um, dois, um, dois
E só depois descansar
Um, dois, um, dois

Oiçam bem com atenção
Um, dois, um, dois
As formigas aqui vão
Um, dois, um, dois
Nada nos pode vencer
Um, dois, um, dois
É forte a nossa união
Um, dois, um, dois



















3. O Sapo Toquinhas e a Tartaruga Alpinista

O portão abria lentamente e a calçada, ladeada por arbustos e flores, ia surgindo. No início, destacava-se um azevinho de folhas verdes e pontiagudas. As bagas vermelhas pareciam groselhas ou mesmo mirtilos. O pai do Mateus gostava de lhe perguntar se aqueles frutos eram comestíveis ao que ele já respondia com algum desagrado:
- Pai, já fizeste essa pergunta mil vezes… claro que não, as bagas do azevinho são venenosas!... – E aproveitou a oportunidade para testar o pai. - Esta semana, perguntei ao professor que tipo de folha tem o azevinho, por acaso sabes a resposta?
- Boa pergunta. Eu sei que este arbusto mantém as folhas durante todo o ano, por isso, tem folhagem persistente. Mas aquela ginkgo biloba lá ao fundo fica despida no inverno. Que tipo de…
Não teve tempo de terminar a pergunta que o Mateus facilmente antecipou para logo desviar a sua atenção para algo que o preocupou repentinamente:
- Caducas, pai… Clara, esquecemo-nos da tartaruga! Será que ela morreu?
Como a Clara não valorizou a gravidade da situação, insistiu junto da mãe que tentou acalmá-lo:
- Não, Mateus, a tartaruga é muito resistente. Além disso, tu pediste ao avô para a alimentar durante a nossa ausência.
Mal o carro parou debaixo do alpendre, o Mateus correu para o meio pipo. Era nesse recipiente que a tartaruga vivia todo o ano. De outubro a abril, hibernava e, raramente, aparecia à superfície da água. Nos restantes meses, gostava de esticar-se ao sol em cima de dois cubos de granito e demorar-se nas refeições recheadas de pequenos camarões.
- A Pipoca não está aqui! Desapareceu! - Gritou o Mateus sem tirar os olhos daquela espécie de aquário.
Naquele momento, o Sapo Toquinhas deu um salto com o susto. Não esperava aquela algazarra e por isso prestou atenção para perceber o que se passava. Acomodou-se entre as gardénias e espreitou.
- Mas o aquário tem uma rede, ela não conseguiria sair! - Espantou-se a Teresa que também se aproximou.
- Reparem! - O Mateus apontava com convicção.- A rede está um bocadinho levantada. Com certeza que a Pipoca saiu por aqui.

Neste instante, o Toquinhas também ficou alarmado e pensou que a Pipoca era uma tonta. Aquela aventura poderia trazer-lhe problemas muito sérios. De imediato tentou avisar os seus amigos. Aproximou-se então do regador vermelho em cujo cano se refugiava o seu amigo Vagaroso. O velho caracol demorou o tempo necessário para aparecer no topo do cano. O Toquinhas esperou, naturalmente, para lhe dar a notícia. O Vagaroso, depois de refletir sobre o acontecimento, acabou por reagir:
- A Pipoca deixou-se enganar por este dia de Sol. Ainda não é tempo de andar por aí à procura de insetos. Os dias ainda são pequenos e pode não encontrar o caminho de casa. Por isso, precisamos de ajuda especializada.
- Queres dizer rapidez…
- Claro, o melhor é procurares o Gato Sonecas ou a Abelha Teimosa. Um por terra, outro pelo ar. É preciso que a encontrem e ajudem a regressar. Neste momento, deve estar perdida e não encontra o caminho de volta.
- E por onde começar, tens alguma pista?
- Vejo que ela forçou a rede e saltou para as ervas altas e frescas do jardim. Mas não estará por ali. Como está um lindo dia, deverão encontrá-la ao Sol, num canto da calçada, ou em cima de uma pequena pedra.

Entretanto, o Mateus, seguido pela Clara e pela Teresa, já percorria a calçada em busca da Pipoca. Também se lembrara de que poderia encontra-la ao Sol e, portanto, procurava-a nas pedras quentinhas. Nesse momento, a Inês resolveu mostrar a sua opinião sobre o acontecimento:
- Deixem a Pipoca em paz, se ela fugiu é porque está cheia de estar presa naquela água nojenta, que horror! Sempre a comer aqueles camarões pequenos e malcheirosos. Eu fazia o mesmo.
Mas ninguém ouviu o que dizia. Caminhavam em silêncio, observando com cuidado todos os lugares.
- E se ela estiver entre as ervas do canteiro do rododendro?! Vai ser muito difícil encontrá-la. As ervas são altas e ela tem uma carapaça verde - lembrou a Clara.
- Sim, tens razão - concordou o Mateus.
De repente, o Mateus fez sinal com a mão para que as irmãs se calassem e pararam todos à escuta. Ali perto, o Sonecas estava numa posição que o Mateus conhecia bem - era a posição de ataque: focinho, patas anteriores e posteriores muito chegadas ao chão, orelhas esticadas e atentas, olhar imóvel e o rabo a abanar ligeiramente. Estava pronto a saltar como se fosse uma mola. Qual seria a presa? Seria a Pipoca? O Mateus ficou preocupado. Tinha de fazer alguma coisa para impedir o Soneca.

Nesse instante, a Teimosa orientava o amigo que no meio das ervas procurava uma solução para defender a Pipoca que corria muito perigo.
- Não te mexas! Ela pode ver-te.
- Eu não tenho medo da Revoltada! Ela pensa que por viver fora deste jardim é mais forte e sábia do que eu, mas engana-se. Ainda tem de aprender a respeitar os animais. Acha que pode comer tudo o que lhe aparece no caminho. Eu vou dar-lhe uma lição.
- A Pipoca não consegue fugir, a Revoltada colocou-a de pernas para o ar e agora está à espera que ela saia da carapaça…
- Malvada… Espera que eu já te apanho. E saltou sobre a gata.
O Mateus correu para o Soneca e gritou-lhe de tal maneira que até a Clara e a Teresa se assustaram:
- Não faças isso! Para, Soneca!
Só quando ultrapassou a esquina do anexo é que o Mateus reparou que afinal o sonecas se lançara sobre a Malvada para salvar a Pipoca.
- Desculpa, gatinho lindo!
Enquanto lhe fazia festinhas no pelo macio, a Clara pegou na Pipoca e começou a retirara-lhe o lixo que se acumulara nas patas e na carapaça.
- Pronto, estás salva. Vais voltar para o teu aquário. Já chega de aventura.
O Mateus viu que a Teimosa rondava as orelhas do Sonecas e percebeu que tinham sido eles que conseguiram salvar a tartaruga. Além de afastarem a Malvada, conduziram o Mateus até ao sítio onde estava a Pipoca.
- Olha que tu és uma tartaruga alpinista! Como é que conseguiste trepar a parede do aquário?
Riram os três com a ideia da Pipoca Alpinista que agora descansava na sua pedra enquanto esperava pela dose de camarões.
O Vagaroso recolheu os tentáculos e voltou ao interior do tubo onde ia descansar durante a noite que chegava de mansinho.





















4. O Sapo Toquinhas e os amigos ouvem uma história


A meio do jardim havia um tronco seco mesmo em frente à árvore mais alta, um liquidâmbar. Andava por ali o Sapo Toquinhas, aproveitando a brisa fresca que se abraçava às folhas leves e coloridas que bailavam e sussurravam alegremente.
Toquinhas não percebia o que fazia ali uma tira de tecido branco agarrada ao tronco e ao liquidâmbar. Aproximou-se e viu que a Teresa estava ao colo do pai e juntos baloiçavam serenamente naquela espécie de cama. Deixou-se estar junto às folhas verdes que trepavam pelo tronco velho para ouvir o que diziam.
- Queres ouvir uma história?
- Sim, pai, aquela do dragão enooooorme e terrível! – respondeu Teresa abrindo muito os olhos e imitando umas garras com as mãos.
- Pode ser a princesa Teresa e o Dragão?
- Sim! – ouviu o Toquinhas que também ficou à escuta.
- Muito bem, vou começar – disse o pai, enquanto olhava o jardim à procura de inspiração. - Teresa era uma princesa linda e delicada como a pétala de uma flor. Adorava caminhar por entre as árvores e respirar a brisa fresca da primavera. Pela manhã, saía com as irmãs mais velhas para apanhar flores nos jardins do castelo. Olhava longamente cada uma delas sempre deslumbrada com as formas, com as cores e com o seu perfume. Juntas faziam colares e coroas que colocavam umas às outras, enquanto sonhavam com cavaleiros encantados, fortes e corajosos.
Um dia, enquanto brincavam junto às muralhas do castelo, ouviram ruídos estranhos, cada vez mais próximos, cada vez mais assustadores. O chão tremia a cada pancada,
POM, POM, POM...

Com medo, correram para junto do poço atrás do qual se esconderam. Em silêncio. Silêncio. Só Teresa teve coragem para espreitar. Mas, ao ver um ser tão estranho, tão alto, tão feio, ficou tão amedrontada que se escondeu novamente. Era um dragão enorme que tentava derrubar a muralha com a sua cauda robusta.

POM, POM, POM...

Então as princesas encolheram-se ainda mais para que ele não as visse.
Depressa os sinos tocaram em sinal de alarme. O castelo corria perigo!

DIIIING-DOOOONG, DING-DONG, DING-DONG,
DIIIING-DOOOONG, DING-DONG, DING-DONG.

Os cavaleiros apareceram prontamente armados para a luta, decididos a defender as princesas em perigo. Porém, mal viram o tamanho do dragão, perceberam que as suas espadas nada poderiam fazer para o derrotar. O único que avançou de forma destemida foi o cavaleiro Duarte.
- Quem és tu? - perguntou. O que pretendes deste castelo?
O dragão ficou ainda mais enfurecido, dando pancadas mais fortes na muralha,

POM, POM, POM...

Contudo, o cavaleiro insistiu sem receio:
- É melhor procurares outro castelo, porque neste não te deixamos entrar. Eu e os meus companheiros vamos derrotar-te, não temos medo de ti. És um dragão sem chama.
O dragão ficou mais descontrolado do que nunca e abriu a boca para lançar uma chama gigante acompanhada de um rugido que se ouviu por toda aquela região,

BRUAAAAAAAAAA. BRUAAAAAAAAAA.

Todos estavam aterrados, todos tinham muito meeeeeeeeeedo! Meeeeeeeeeedo!
- Por acaso tens alguma dor de dentes? Ou alguma dor de barriga? Comeste algum cogumelo venenoso? Tens uma abelha na narina? Ou uma unha encravada?
A cada pergunta que o cavaleiro Duarte fazia o dragão respondia que não, ficando, inesperadamente, cada vez mais calmo. Por fim, deu mesmo um suspiro de tristeza, escondendo-se atrás da muralha. Depois, para surpresa de todos, começou a chorar.
Os cavaleiros correram para abraçar Duarte o bravo cavaleiro que enfrentou o dragão assustador. Também as princesas deram as mãos à volta dos cavaleiros, cantando e dançando muito felizes.
Todas menos Teresa que continuava de ouvido à escuta, preocupada com o dragão chorão. Foi então que o cavaleiro Duarte reparou na princesa.
- Teresa, o dragão foi derrotado. Por que razão estás tão triste?
- Não ouves como chora? - perguntou Teresa. Não podemos deixá-lo ali sozinho.
- O que pretendes fazer?
- Abrir o grande portão do castelo e trazê-lo para dentro das muralhas.
- É muito arriscado, princesa, o dragão é muito perigoso.
- Já percebi o que se passa. Vai buscá-lo com os teus companheiros. Eu fico aqui à espera com as minhas irmãs.
Ninguém sabia o que Teresa estava a preparar mas lá foram. Daí pouco, voltaram com o dragão.
- Já sei como vamos resolver o problema do dragão - começou por afirmar. - O que ele tem é fácil de resolver.
Cavaleiros e princesas esperavam desconfiados. Teresa continuou:
- Basta apenas um pouco de água. Eu reparei que ele, quando estava atrás da muralha, olhava sempre para o poço. Acho que ele tem muita sede. Precisa de água para apagar as chamas que lhe fazem doer a barriga.
Duarte fez o que Teresa sugeriu e o Dragão bebeu, bebeu, bebeu. E, quando se sentiu satisfeito, começou a tossir, a tossir, a tossir e NADA, NADA, as chamas tinham desaparecido.
O dragão era agora mais um amigo feliz dentro do castelo.
Como forma de gratidão, Teresa ofereceu o seu colar a Duarte. As irmãs fizeram o mesmo aos outros cavaleiros. E todos juntos dançaram à volta do dragão que ao centro descansava. Vitória, vitória…
O Toquinhas estava com os olhos muito abertos de espanto e reparou que a Teresa já não ouviu a parte final da história. Adormecera embalada pela ternura das palavras, enquanto baloiçava no colo do pai. Mais admirado ficou quando olhou à sua volta e viu que o Gato Soneca se tinha agarrado aos fios da cama de rede e também balançava, a Tartaruga Pipoca também escutava a história com o pescoço muito esticado, o Velho Vagaroso chegava finalmente ao topo do regador para ver o que se passava no jardim, a Formiga Musculosa dava ordens para recomeçar a marcha para o formigueiro e que a Abelha Teimosa decidiu mudar de flor.
De repente, ouviu um ruído assustador
POM, POM, POM...
e saltou rapidamente até se esconder debaixo do seu rododendro.
POM, POM, POM...
- Um momento, por favor – disse a Inês, enquanto se dirigia para o portão.
Nesse momento o Sapo Toquinhas ficou descansado, afinal não era nenhum dragão desdentado e sem chama.








5. O Sapo Toquinhas e a gatinha com sorte

Mal se abriu a porta que dá para o alpendre, o Mateus deu um grito de espanto. Saltou de medo e de alegria. Alegria por ver um animal ali tão perto, medo porque o primeiro contacto é sempre incerto e não sabia bem o que esperar daquele felino que lhe parecia simpático.
- Está ali um gato! Preeeeto!
E apontava para que ninguém tivesse dúvidas. Nesse momento, já a Clara e a Teresa corriam para o gato preto que se esticava em cima da mesa pouco incomodado com a barafunda que se tinha criado.
Que pena! Era necessário ir para a escola!
- Logo à tarde, podemos brincar com o gatinho? – perguntou a Clara logo que o carro iniciou a marcha.
- Não sei se ainda estará cá. Talvez esteja apenas de passagem – respondeu a mãe.
- Se ele ficar por ali, temos de o levar ao veterinário – exigiu a Inês.
- Sim – apoiou o pai. – Não sabemos em que condições se encontra.
- Podíamos ter deixado alguma coisa para ele comer – entristeceu-se a Clara.
- Não te preocupes, estes gatos conseguem encontrar alimento – descansou-a o Mateus. Podemos é dar-lhe um nome.
- Eu gosto do gato preto! – interrompeu a Teresa que ainda o tentava ver pela janela do carro.
-Já sei, podemos chamar-lhe “Noir”. É um nome giro.
O pai e a mãe trocaram um sorriso. Este miúdo sempre tinha cada ideia… “Noir”. Onde teria ele desencantado aquela palavra. Podiam esperar “Preto”, “Negro”, “Black”… agora “Noir”!
- Mais logo, veremos o que fazer com o gato, se ele quiser continuar em nossa casa.
O dia passou muito devagar. Nos intervalos, o Mateus não se cansava de falar aos amigos acerca do gato que tinha uma ferida no queixo.
- De certeza que foi atropelado, tenho de convencer os meus pais a levá-lo ao veterinário.
- O gato nem sequer é teu! – cortou um dos colegas que não devia gostar de gatos.
- Não é meu, mas vai ser. A minha mãe disse que, se ele continuar lá em casa, vamos com ele ao veterinário!
- Como é que lhe vais chamar? – perguntou outro.
- Bem, acho que lhe vamos chamar “Noir”.
Os rapazes riram-se e fugiram a correr. E o Mateus lá ficou à espera de alguém que quisesse ouvi-lo falar do encontro daquela manhã e das características daquele gato que não era selvagem, porque, quando o viu, não fugiu e parecia até querer enroscar-se nas pernas do pai, enquanto bailava com o rabo.

Durante o jantar, o Mateus permaneceu calado. Estava triste. Tinha preparado durante todo o dia os truques que queria ensinar ao “Noir” durante o fim de semana que começava: “Senta”, “Levanta”, “Deita”. Tal e qual, com voz e gesto de comando e tudo!
Mas o “Noir” não tinha ficado no jardim, não estava na mesa do alpendre.
- Mateus, o “Noir” voltou, está lá fora.
Todos foram à janela.
- Mãe, vamos dar-lhe um pouco de leite – sugeriu o Mateus.
A Clara foi buscar à caixa dos brinquedos um prato e a Teresa foi atrás dela. A Inês foi verificando no telemóvel a qualidade das fotos que tirava ao gato preto.
Ao ver o leite, o “Noir” aproximou-se e lambeu-o todo. O Mateus estava encantado.
- Estava cheio de fome. Acho que ele gosta de viver em nossa casa!
A Teresa arriscava já tocar no rabo do bichano, gesto que a Clara prontamente impediu.
- Não, Teresa, ele pode arranhar-te.
E assim ficaram todos a vê-lo comer.
- Pai, eu acho que o “Noir” não é um gato.
- Não!? – surpreendeu-se. – Achas que é uma gata?
- Sim, repara bem, olha ali na barriguinha.
O pai disparou uma risada, dando “mais cinco” ao Mateus pela sua capacidade de observação.
- Vamos para dentro. Deixem o gato comer. Amanhã veremos se ainda quer ficar na nossa casa.
- Gata, mãe – gritaram todos.

A manhã chegou cheia de Sol. O pai levantara-se cedo para tratar do jardim. Ao fundo, o anexo permanecia aberto depois de ter sido devidamente arrumado. Cada coisa no seu devido lugar: a lenha para o inverno, as latas com restos de tinta, os brinquedos da praia, o escorrega que só dali saía na primavera, as bicicletas, as ferramentas.
Daquela vez tinha companhia. A “Noir” corria atrás das borboletas para brincar com elas, dava-lhes pancadinhas com a patinha. Ou então fingia que uma folha era um animal feroz e rolava na erva como se estivesse a lutar entre a vida e a morte.
Quando os filhos acordaram, já o pai tomava café descansadamente, aproveitando o silêncio tão raro e tão bom.
- A Inês ainda está a dormir? – perguntou ao Mateus que acenou afirmativamente. – Sabem quem é que andou comigo lá fora no jardim? - A Clara abraçou a Teresa, o Mateus levantou a cabeça. – A gatinha preta!
- Viva! – gritaram todos.
- Podemos ir vê-la? – levantou-se o Mateus.
- Primeiro tomam o pequeno-almoço – regulamentou a mãe.
Depressa se aprontaram e correram para o exterior.
- Gatinha! Gatinha!
- Noir! Noir!
- Nada. Não havia resposta. O Mateus verificou o prato e reparou que o leite da manhã desaparecera. Era bom sinal. Pelo menos já não tinha fome! Mas por onde andava?
- Vá lá, não fiquem tristes – sossegou-os a Inês que entretanto também acordara. - A “Noir” pode não querer viver só aqui. Até pode ter dono. Mais logo ela aparece.


No dia seguinte, ao fim da tarde, enquanto o pai regava as plantas, o Mateus voltou a examinar o prato na esperança de encontrar uma pista. O leite que reabastecera continuava lá. A “Noir” continuava ausente. Entretanto, a mãe, que via a tristeza do filho, começou a chamar a gata. Percorriam os dois o jardim e a calçada rodeados pela sebe de cedros verdes e altos. A dada altura, ouviram um miar frágil e longínquo. Silêncio, ouvido à escuta! Voltou a chamar:
- “Noir”, “Noir”.
Mais uma vez a voz frágil do animal respondia como que a pedir ajuda. O som vinha de um dos extremos do jardim. Foi para lá que todos correram.
- “Noir”, “Noir”.
- Miau, miau.
Mas era difícil encontrá-la no meio das plantas verdes. O Mateus restava intrigado.
- Então ouvimos a gata mas não a vemos, estranho!
- Está ali, está ali! – gritou a Clara que se tinha aproximado com o pai, enquanto apontava para uma pequena abertura ao lado da porta do último anexo. A gata estava dentro da arrecadação! Devia estar com muita fome e sede.
- Está aí desde ontem de manhã – concluiu o pai. – Deve ter entrado quando eu andava a jardinar. Teve muita sorte. Vamos dar-lhe de comer e de beber.
Todos seguiram a sortuda. E foi nesse momento que o Mateus teve uma ideia:
- Teve mesmo muita sorte, a partir de agora vamos chamar-lhe Lucky. Lucky é um nome bonito.
A Lucky lambia o leite e abanava o rabo, aprovando o nome escolhido pelo Mateus.

O Sapo Toquinhas estava ali perto, debaixo do seu rododendro. Ficou feliz por terem encontrado a gata que passava muitas vezes pelo seu jardim. Nesse momento, lembrou-se do Velho Vagaroso e das formigas que o salvaram. Realmente a gata teve sorte! E abriu um sorriso ao pensar na felicidade do Mateus no momento em que souber o que ele já descobrira sobre a Lucky.




























6. O Sapo Toquinhas tem uma novidade

Um, dois, um, dois
Andar, descer e subir
Um, dois, um, dois
Não há tempo a perder
Um, dois, um, dois
Todo o dia no carreiro
Um, dois, um, dois
Trabalhamos sem parar
Um, dois, um, dois
Para guardar alimentos
Um, dois, um, dois
E só depois descansar
Um, dois, um, dois

Oiçam bem com atenção
Um, dois, um, dois
As formigas aqui vão
Um, dois, um, dois
Nada nos pode vencer
Um, dois, um, dois
É forte a nossa união
Um, dois, um, dois

A Formiga Teimosa interrompeu a marcha para grande aborrecimento das companheiras de trabalho. Não era fácil parar naquela parte do carreiro: a calçada era longa e, além disso, àquela hora, o Sol aquecia cada vez mais as pedras. À sua frente, estava a gatinha Lucky que dormitava descansadamente, abrindo e fechando lentamente os olhos, concentrada nos sonhos que a faziam feliz. Só o rabo se mexia de vez em quando para afastar algum inseto perturbador.
- Lucky, estás a impedir a nossa passagem! - protestou a Musculosa.
Mas a gatinha não reagiu. Manteve-se no mesmo lugar. Foi então que a formiga avançou para lhe dar uma picada. Aproximou-se do pelo preto e denso. Contudo, percebeu que iria ter muitas dificuldades para espetar as mandíbulas. Então, foi subindo, subindo, subindo, pelo corpo da Lucky até que começou a ouvir um som:
Tum... tum... tum... tumtum... tum...tum...tum...tumtum...
Era o coração da Luky! Tão meigo era aquele bater que começava a perder a vontade de incomodar o descanso da gatinha. Afastou-se do coração e procurou a barriga. Mas também aí, para seu espanto, o som continuava a ouvir-se num ritmo muito apressado e baixinho. Escutou com atenção:
Tumtumtum…tumtumtum…tumtumtum…tumtumtum…tumtumtum…
Pareciam pequenos tambores.
A Musculosa regressou para junto das amigas e deu ordens para que contornassem a Lucky e que não a incomodassem. Que fossem para o formigueiro que ela lá iria ter depois. Primeiro teria de ir falar com o Sapo Toquinhas.
Facilmente o encontrou debaixo do seu rododentro.
- Sim, Musculosa. Eu sei o que se passa. A Lucky não está doente. Ela está prenhe!
- O que queres dizer?!
- Está grávida. Tem gatinhos a crescer na barriga!
- Como sabes isso?
- Já falei com o Vagaroso, não temos dúvidas, a forma como caminha, a necessidade de descansar, a barriga que fica maior a cada dia que passa. Só falta saber quantos gatinhos vão nascer… Mas isso tu vais ajudar a descobrir.
- Não estou a perceber!
- Vais voltar à barriga da Lucky para escutar e contar os coraçõezinhos.
Musculosa não perdeu tempo. Daí a pouco voltava com a novidade:
- São cinco! São cinco!
- Muito bem, amanhã teremos de começar a preparar o espaço para o nascimento das crias.
- Conta comigo e com as minhas companheiras.

Também o Mateus estava preocupado com a Lucky. Comia pouco, queria apenas leite, não corria atrás das borboletas, passava muito tempo deitada ao Sol.
- Vês, Clara, não parece a mesma, deve estar doente.
- Pois deve. O que é que podemos fazer?
- Temos de levá-la ao veterinário. Ele vai encontrar uma solução.
- É melhor…
- O problema é que ela não é nossa e passa longos períodos longe daqui.
- Não achas que está muito magra? – apontou a Clara.
- Sim, mas há qualquer coisa de estranho com a gata, o corpo está magro mas a barriga não.
Nesse momento, a Inês passava por perto, ouviu as últimas palavras do irmão e observou com atenção a Lucky. Então resolveu intervir:
- Se calhar vai ter gatinhos!
- Estás a falar a sério, Inês!? A Lucky vai ter gatinhos! – exclamaram entusiasmados.
O Mateus aproximou-se para observar a enorme barriga da gata que o olhava fixamente sem se mexer. Depois levantou-se e calmamente ultrapassou o muro que limita o jardim. Deixaram de a ver e ficaram preocupados.
- Os gatinhos podem nascer a qualquer momento – lamentou-se a Clara.
- E longe daqui – acrescentou a Mateus.
A Teresa afastou-se à procura de um lugar onde a Lucky pudesse ter os filhos. Os irmãos seguiram-na.

Oiçam bem com atenção
Um, dois, um, dois
As formigas aqui vão
Um, dois, um, dois
Nada nos pode vencer
Um, dois, um, dois
É forte a nossa união
Um, dois, um, dois
A Musculosa fez sinal para que aguardassem. Um exército de formigas alinhadas cada uma com uma palha parou em frente a uma casota construída no aproveitamento do vão de uma escada de granito que existia no exterior da casa. A Musculosa dirigiu-se ao Velho Vagaroso que falava naquele momento com o Sapo Toquinhas.
-Trouxemos a palha conforme pediste.
- Esperem um momento, o Toquinhas já sabe qual é o melhor lugar. Ele indica-vos o caminho.
As formigas iniciaram a marcha para o interior da casota e dispuseram as palhinhas de forma a formarem uma cama quente e macia no canto indicado pelo Sapo Toquinhas. Ali, a Lucky estaria protegida cuidar do nascimento dos gatinhos.
- Agora temos um problema – lamentou-se o Velho Vagaroso. – Como vamos convencer a Lucky a ficar aqui?
- Antes disso, é necessário que ela encontre este espaço que preparamos para ela – acrescentou o Sapo Toquinhas.
- Tens razão.
A Formiga Musculosa tinha terminado o trabalho dentro da casota e preparava-se para regressar ao formigueiro. Ao ouvir os amigos resolveu intervir:
-Temos uma solução. Deslocamos para aqui o prato onde a Lucky costuma procurar alimento.
O Toquinhas olhou para o Vagaroso e acenou afirmativamente com a cabeça. O caracol movimentou os tentáculos para concordar. As formigas não perderam tempo.

Oiçam bem com atenção
Um, dois, um, dois
As formigas aqui vão
Um, dois, um, dois
Nada nos pode vencer
Um, dois, um, dois
É forte a nossa união
Um, dois, um, dois

- Clara, onde está o prato da Lucky?! – espantou-se o Mateus, parado no alpendre, com um copo de leite na mão, enquanto olhava para todos os lados.
- Ainda há pouco estava aqui …– estranhou a Clara. – Olha, o pai está ali com a mãe, junto às escadas – descobriu a Clara enquanto corria para lá. O Mateus foi atrás, devagar e com cuidado para não verter o leite. Antes de se aproximarem, perceberam que algo importante tinha acontecido. O pai pedia silêncio e olhava para o interior da casota. A mãe pediu o leite ao Mateus que transferiu cuidadosamente para o prato.
Calmamente, um de cada vez, espreitou para ver os gatinhos que tinham nascido. A Lucky lambia um deles que juntamente com os quatros irmãos mamavam descansadamente.
- Cinco! São cinco! – segredava o Mateus com os olhos muito abertos de espanto e alegria.
- Vamos deixar a Lucky descansar. Mais logo voltamos.
O Mateus não resistiu:
- Aquele preto e branco vai chamar-se Malagueta e o outro todo preto Frank.
- Vamos esperar. Temos de cuidar de todos – aconselhou a mãe.
- Como é que o prato veio parar ali? – perguntou a Clara.
Olharam todos uns para os outros e perceberam que ninguém sabia a resposta.
-Podemos ficar com os gatos todos? – pediu a Teresa.
Entraram em casa, muito entusiasmados.

Junto da Lucky permanecia o Sapo Toquinhas e o Velho Vagaroso. Num formigueiro improvisado, esperavam também as formigas comandadas pela Musculosa. Lembraram-se de como tinha sido difícil o final da tarde anterior. Logo que a Teresa e os irmãos escolheram e limparam aquele espaço, trataram de o preparar com as palhinhas e de deslocar o prato para ali. A Lucky facilmente o encontrou e percebeu que aquele era o local ideal para o nascimento dos filhos.
O Velho Vagaroso resolveu ficar por ali. Podia ser necessário. O Sapo Toquinhas regressou ao rododendro. As formigas alinharam-se para regressar ao formigueiro.
Oiçam bem com atenção
Um, dois, um, dois
As formigas aqui vão
Um, dois, um, dois
Nada nos pode vencer
Um, dois, um, dois
É forte a nossa união
Um, dois, um, dois


















7. O Sapo Toquinhas e os cinco gatinhos

O Mateus reparou que o computador estava finalmente livre e não perdeu tempo.
- Pai, posso ir para o computador, é a minha a vez!
- Podes, durante meia hora, depois preciso dele para continuar um trabalho.
A Clara e a Teresa estavam também na sala. Falavam com as bonecas que colocavam nos carrinhos e depois passeavam por caminhos que só elas conheciam. Iam com elas ao médico ou para a escola. O pai descansava no sofá e acompanhava aqueles movimentos com olhar curioso. Cada brinquedo espalhado pelo chão estava no sítio certo para as filhas, mas, para o pai, o melhor lugar para os ter era aquele saco de tecido colorido onde tudo cabia e ficava bem arrumado! Os adultos têm a mania que sabem sempre qual o melhor espaço para tudo, por isso insistem em arrumar os brinquedos em sacos, estantes e gavetas! Porém, curiosamente, é aí que as crianças os desejam, alinhados e prontos para uma nova aventura. Se deixados por ali ao acaso deixam de fazer sentido e ficam abandonados!
- Pai, já acabei, quando quiseres podes vir – disse o Mateus, interrompendo os pensamentos do pai.
- Acabaste o quê?! – quis saber o pai.
- Nada, depois tu vês – respondeu o Mateus, enquanto se dirigia para o jardim.
Daí a pouco, o pai percebeu as palavras do filho. O documento que o Mateus deixara aberto não deixava dúvidas. Leu-o com atenção.
Os 5 gatinhos.
Era uma vez uma gatinha chamada de Lucky resgatada da rua, deu à luz cinco gatinhos com a ajuda do Tomy, um gatinho que passava lá por casa para comer, mas era muito tímido, ao contrário da Lucky. Mas um dia três dos gatinhos desapareceram, incluindo o chamado Bola de Arroz, e então só sobraram dois chamados Malagueta e Frank, ambos com a característica do pai, eram muito tímidos. Mas, com o passar do tempo, a Malagueta foi ficando mais calma, mas o Frank mais tímido. Mas estão muito tristes por causa da Lucky. Porque ela faleceu e hoje em dia eu pergunto:
-Porque é que ela tinha de nos deixar?
Tal e qual. O pai ficou algum tempo pensativo. Uma pequena lágrima percorreu um dos olhos e preparava-se para deslizar pelo rosto. Respirou fundo, sorriu encantado com a sensibilidade daquela criança. “Porque é que ela tinha de nos deixar?” A pergunta era simplesmente admirável. A Lucky não deixara apenas cinco gatinhos, tinha também deixado aquele menino e toda a sua família. Encantador!
Lá fora o Velho Vagaroso espreitava pelo cano do regador vermelho.
- Que estás a fazer, Mateus? – perguntou a Inês, no momento em que passava para a lavandaria juntamente com a mãe.
- Nada, estou à procura da tartaruga.
- Já sabes que está escondida no fundo. Lá para maio volta à superfície – explicou a mãe.
- Eu sei, mas quero ver se mexe as patinhas – respondeu, enquanto lhe tocava com uma palhinha.
Ali perto, o Sapo Toquinhas seguia a conversa. Aproximou-se do Vagaroso e segredou:
- O Mateus está muito triste com o desaparecimento da Lucky!
O Velho Vagaroso concordou mexendo os tentáculos ligeiramente.
- Como é que isso aconteceu? – quis saber.
- O Soneca disse-me que foi ao atravessar a estrada…
- Pois, eu estava sempre a dizer-lhe para descansar e que a estrada era muito perigosa para o estado dela.
- Ela teimava. É que do outro lado da rua havia uma casa onde encontrava sempre bons alimentos… e ela tinha cinco filhos!
- Nesta casa há sempre sustento – protestou o Velho vagaroso.
- Mas foi uma heroína, um exemplo – continuou o Toquinhas.
- Porque dizes isso?
- Morreu para salvar o Frank. Ele segui-a e atravessou a estrada sem cuidado. Quando a Lucky percebeu que o filho corria perigo, correu para ele, querendo agarrá-lo pelo pescoço e afastá-lo da estrada perigosa… Ao ver a mãe, recuou, mas…
- E foi nesse momento que…
Ambos ficaram calados. Olhavam para Mateus e compreendiam o seu silêncio e tristeza. Era preciso dizer-lhe que os três irmãos estavam bem, acolhidos em casas próximas. Mas como?
- Mateus, sabes quem eu vi esta manhã, quando regressava a casa? – perguntou a mãe que saía da lavandaria com um estendal que colocava cuidadosamente ao Sol.
- Quem, mãe.
- O Bolo de Arroz e os irmãos!
- Estás a mentir!
- Nunca, filho! Acredita. Afinal estão vivos e cuidados!
- Que fixe!
O Mateus ficou radiante.
- Mãe, não se chama Bolo de Arroz, é Bola de Arroz!
E entrou entusiasmado em casa para dar a notícia.
O Toquinhas sorriu para o Vagaroso.
- Eu já sabia. O Soneca também já os tinha visto.
- O Rapaz precisava desta notícia – respirou aliviado velho caracol.
- E tu também – gracejou o Toquinhas enquanto se afastava para o seu canteiro.
Em casa, todos ficaram radiantes.
- Podemos ir vê-los? – perguntou a Clara.
- Não, isso não é bom para os gatos. Temos de os deixar viver nas novas casas. Ficamos com o Malagueta e com o Frank. Pode ser?
- Fixe! – exclamou a Teresa.
- Mateus, podes chegar aqui? – pediu o pai.
O filho aproximou-se.
- Estive a ler a tua história. Linda, linda, linda! Estás de parabéns! Até apetece dar-lhe continuidade!
- Tenta, pai – desafiou, enquanto foi ver o porquinho-da-índia que tinha chegado havia poucos dias a casa.
O pai ficou a olhá-lo e fixou novamente o documento. Quem sabe? Pensou. E começou a escrever.
8. O Sapo Toquinhas e o Milho-Rei de si próprio

Uma manhã de setembro, o Sapo Toquinhas voltava para o seu canteiro depois de andar toda a noite à procura de alimentos no enorme campo que ficava atrás do jardim. Mas não era fácil encontrar o caminho de regresso por entre aqueles caules alinhados é tão semelhantes. A cada salto, parava para escolher o melhor caminho. Ou melhor, três saltos,
um, dois, três, parar, olhar, escolher, seguir…
um, dois, três, parar, olhar, escolher, seguir…
um, dois, três, parar, olhar, escolher, seguir…

Por momentos pensou que estava perdido. Não se lembrava do trajeto que tinha feito através daquele labirinto. Parecia uma floresta sem fim. O Velho Vagaroso tinha razão quando o aconselhara a não arriscar naquele campo que parecia enfeitiçado. Mais três saltos,
um, dois, três, parar, olhar, escolher…

“O que será aquilo?” Pensou, enquanto se aproximava com curiosidade. À sua frente um Milho-Rei que procurava esconder-se na terra, aterrado com a proximidade daquele animal estranho e assustador.
- Olá, posso ajudar-te?
O Milho-Rei nem queria olhar. Aquela voz assustava-o ainda mais. E baloiçava energicamente para tentar desaparecer dentro da terra.
- Tens uma cor muito bonita! – arriscou o Toquinhas para tentar acalmá-lo.
- Quem és tu? Não te conheço – quis saber o Milho-Rei, interrompendo a tentativa de entrar na terra.
- Sou o Sapo Toquinhas. Não tenhas medo. Posso ajudar-te, se quiseres.
O Milho-Rei olhou de soslaio para o alto como quem procura.
- Queres voltar para a tua espiga? Posso pedir ajuda aos meus amigos e encontraremos uma solução.
- Voltar para aquele sítio nem pensar! – reagiu decididamente o grão de milho.
- Não percebo, não é lá o teu lugar?
- Sim, mas é muito perigoso. Vou contar-te. Esta manhã, acordei sobressaltado. Pancadas secas faziam estremecer toda a estrutura da minha casa. Alguns dos meus irmãos tinham já acordado aquecidos pelo Sol que os surpreendera. Discutiam para saber quem tinha aberto a janela que até ali estivera sempre fechada. Eu nem estava muito preocupado. Aquela abertura possibilitava-me uma visão magnífica. Centenas de plantas disputavam o espaço à minha volta. As folhas castanhas e secas bailavam umas com as outras ao som de uma melodia estranha, obedecendo ao ritmo que a brisa quente lhes oferecia. A dada altura:
            - Que barulho é este?-perguntei assustado. Ainda não tinha acabado de lançar a pergunta e já um enorme bico descia na minha direção, orientado, rápido, imparável. Não tinha fuga possível. Estava cercado pelos meus irmãos que, a meu lado, não me davam espaço para qualquer desvio. Fechei os olhos e esperei a bicada final. Mas senti-me um milho-rei, tal a sorte que tive naquele momento. Quando abri os olhos, assim, um pouco a medo, como quem não acredita na possibilidade de voltar a ver, reparei que a meu lado havia um espaço vazio. Percebi então que a ave falhara o alvo por algum motivo que eu não percebi. Talvez o vento tivesse soprado mais forte no momento fatal.
            - Que ave é esta?- perguntei ao Milho-Miúdo que ainda resistia ao meu lado. Não obtive resposta. Reparei que o medo o bloqueava completamente e que dali não arrancaria uma única palavra. Pelo esgar e tremor percebi que sabia menos do que eu.
            O Milho-Senhor vivia na casa mais ao fundo e costumava ter respostas para tudo. Procurei-o com o olhar e pedi-lhe explicações.
            - Ninguém se mexa - respondeu. Estas aves são uma ameaça constante. Alguns de nós têm de ser sacrificados para que outros possam viver na casa-espigueiro e dali partir para a viagem com que todos sonhamos. Coragem! Em breve seremos recolhidos.
            Já me tinham falado na casa-espigueiro, construída sobre pilares de granito, em lugar alto, arejado, soalheiro. Da viagem sabia ainda muito pouco. Guardei algumas pistas que fui ouvindo aqui e ali. Falava-se em pedras redondas que rodavam sem parar… No som da água que as fazia girar… Enfim, uma viagem que não queria fazer.
            Não pensei duas vezes, lancei-me à terra. É aqui o meu lugar. Daqui voltarei a ver o Sol, agarrado à terra que me verá renascer.
            O Sapo Toquinhas estava maravilhado. “Que coragem!” Com as patinhas empurrou terra suficiente para que o Milho-Rei não fosse visto pelas aves que por ali passavam ameaçadoras. Ainda conseguiu ouvir o agradecimento sussurrado do novo amigo:
            - Obrigado!
            Naquele momento, viu o Gato Soneca a passar e saltou atrás dele cautelosamente. Em breve estaria debaixo do seu rododendro.
Prometeu que voltaria na primavera para falar com aquele corajoso grão de milho. Afinal Milho-Rei de si próprio.



















9. O Sapo Toquinhas e o Sorriso da Princesa

O Sapo Toquinhas estava a descansar sob o rododendro, camuflado entre as folhas e as flores. A dada altura, começou a ouvir um som que lhe era familiar:

Clique, clique, clique…
Clique, clique, clique…
Clique, clique, clique…

Espreitou para ver. Era uma das meninas da casa que passava pelos canteiros e escolhia flores que colocava numa cesta. Olhava demoradamente algumas. Tocava suavemente outras e cheirava delicadamente aquelas que soltavam inefáveis aromas.
O Sapo Toquinhas seguia-a encantado pelo clique da tesoura que lhe trouxe à memória uma história antiga. Uma história que ele conheceu nos primeiros tempos de vida naquele jardim.

Clique, clique, clique…
Clique, clique, clique…
Clique, clique, clique…

Fechou os olhos e lembrou-se da Princesa que gostava de brincar no jardim, onde imaginava o mundo e os segredos que ele guardava. Olhava com espanto para as árvores e queria muito saber o nome de cada uma delas. No verão, adorava regar as plantas para que ficassem sempre verdes e despontassem as flores cheias de cores e formas. Também se deliciava com o doce aroma que libertavam todos os dias.
A Princesa foi crescendo e tornou-se a mais bela mulher do seu reino. O seu sorriso era tão lindo que a todos encantava. Diziam que tinha aprendido a sorrir com as flores, por isso era tão brilhante e transparente.
Pouco a pouco o perfume do seu nome foi percorrendo as terras daquele país e todos os príncipes a queriam conhecer. Paravam junto ao seu jardim e espreitavam para a ver entre as flores que todos os dias contemplava e a quem contava os seus segredos.
Nenhum dos príncipes se atrevia a interrompê-la. O seu sorriso valia mais do que qualquer palavra. Por isso, ofereciam-lhe flores que ela agradecia e guardava com muito carinho.
Porém, um dia, ela deixou de aparecer no jardim.
Os príncipes ficaram muito preocupados pois não sabiam o que tinha acontecido à Princesa. Por que razão não aparecia ela no jardim? Teria perdido o seu lindo sorriso?
Passaram vários dias. Alguns príncipes tinham já abandonado a cerca do seu jardim. Então surgiu um mensageiro junto ao portão que anunciou:
- A Princesa deseja conhecer o Príncipe que lhe ofereceu uma semente em vez de flores.
Entre os príncipes ali presentes, encontrava-se o procurado Príncipe que deu um passo em frente para que o mensageiro o levasse à presença da Princesa.
- Princesa, peço desculpa pelo meu atrevimento. Uma semente não tem a beleza de uma flor que nos encanta com as suas cores, com a sua forma e com o seu perfume… - desculpou-se o Príncipe.
- Não quero que peças desculpa. Ouve, todos me ofereceram flores que pouco tempo depois perderam a beleza e o encanto. Tu, porém, ofereceste-me uma semente. Quero perguntar-te: o que queres que faça com ela?
- Quero que a semeies no teu coração e que a ajudes a crescer! – respondeu prontamente o Príncipe.
A Princesa sorriu, deu a mão ao Príncipe e voltou a perguntar:
- É só isso que pretendes?
- Não, princesa, quero muito ajudar-te a cuidar da semente.
A Princesa voltou a sorrir e beijou o príncipe.
Algum tempo depois casaram.
O Príncipe continuou encantado com o sorriso da Princesa e, nos anos seguintes, por altura da primavera, foram nascendo encantadoras flores a quem deram os nomes mais bonitos do reino.

Clique, clique, clique…
Clique, clique, clique…
Clique, clique, clique…

O Sapo Toquinhas abriu os olhos e reparou que a menina já tinha entrado em casa. Não se livrou foi dos amigos que se juntaram à volta dele. O Velho Vagaroso tinha percebido que naqueles olhos fechados havia história e foi o primeiro a desafiá-lo:
- Conta, Toquinhas, todos têm direito a ouvir essa história que deve ser das mais belas deste jardim.
A Musculosa exigiu silêncio ao pelotão de formigas que a acompanhava, o Gato Soneca acomodou-se nas ervas macias, a Tartaruga Pipoca esticou o pescoço à escuta e a Abelha Teimosa pousou suavemente numa das flores do rododendro.
- O Sorriso da Princesa… - começou o Sapo Toquinhas.













10.  O Sapo Toquinhas e a fuga do Canário

O Sapo Toquinhas acordou com o Sol a bater-lhe nas patinhas. Abriu apenas um dos olhos para ter a certeza de que tudo estava bem à sua volta. Sorriu e procurou dormitar mais um pouco, aconchegado entre as folhas. “Que bom!”
Naquele momento, as flores dançavam ao sabor da brisa e ofereciam um perfume suave e puro que encantava as abelhas que as observavam em voos inquietos, antes de pousar delicadamente. As abelhas contavam segredos às flores. Disso sabia o Sapo Toquinhas. E eram segredos mesmo secretos, daqueles que se escondem atrás dos olhos e das palavras. Assim era, as flores escutavam pasmadas o sussurro das abelhas e nunca contavam nada a ninguém. À noite, fechavam os ouvidos escondidos atrás das pétalas, mas, no dia seguinte, ao primeiro sinal do Sol, mostravam as suas cores de braços abertos. E as abelhas voltavam e trocavam segredos por um pouco de néctar.
A Teimosa passou junto ao nariz do Toquinhas que insistia em manter os olhos fechados. Procurou uma solução para acabar com aquela sonolência. Reparou então que, por cima da cabeça do amigo, havia uma folha com várias gotas de orvalho. Não hesitou,
um, dois, três… saltinhos.
Um, doooooois, três. E as gotinhas fizeram fila para rolarem em direção ao nariz do Toquinhas.
- Teimosa! – protestou, dando um salto.
- Está na hora de vires comigo – disse a Abelha Teimosa sem rodeios.
- Onde?! Não me lembro de ter combinado alguma coisa – disse aborrecido. Mas reparou nesse instante que passavam pelo canteiro as formigas comandadas pela Musculosa. E desta vez não levavam nada nas mandíbulas. Marchavam e cantavam:

Um, dois, um, dois
Andar, descer e subir
Um, dois, um, dois
Em breve vamos ouvir
Um, dois, um, dois
Uma linda melodia
Um, dois, um, dois
Que alegra o nosso dia
Um, dois, um, dois

Oiçam bem com atenção
Um, dois, um, dois
As formigas aqui vão
Um, dois, um, dois
Nada nos pode vencer
Um, dois, um, dois
É forte a nossa união
Um, dois, um, dois
A Pipoca também espreitava todo aquele movimento à sua volta. Dali também podia contribuir para que tudo desse certo. O Velho Vagaroso esperava pacientemente para que todos se reunissem. Dava orientações com os tentáculos e todos sabiam rapidamente o que fazer.
O Soneca estava também a chegar com a Malagueta e o Frank. Procuraram um lugar ao Sol.
- Mas, afinal, para onde vamos? – queixou-se o Sapo Toquinhas.
- Calma, em breve saberás.

Daí a pouco estavam todos juntos no canteiro grande onde se afirmava um enorme pinheiro-manso.
A Teimosa esperava pelo sinal do Velho vagaroso. Estava tudo preparado. Mal o pai do Mateus aparecesse junto das escadas do alpendre tudo teria de ser muito rápido.
Aguardou.
Aguardou.
Ninguém se mexia.
Ninguém fazia barulho.
- Podem explicar-me o que se passa? Estamos à espera de quê? – interrompeu o Toquinhas.
Não obteve resposta. Todos mantinham os olhos postos na grande porta castanha.
Silêncio.
Silêncio.
Silêncio.
Repentinamente, a porta abriu-se. O Pai do Mateus trazia o Penas, um canário amarelo que todos olharam com espanto.
- Nunca tinha visto o Penas! Que bonito! Que cor! Que agilidade! – segredou o Toquinhas.
- Chiu! Caluda! – avisou o Soneca a pedido do Vagaroso.
- Vocês já o ouviram cantar? Tem uma voz encantadora, faz lembrar aquele músico que...
-Chiiiiiiiiiiiiiu!- ameçou o Soneca que entretanto se aproximara dele com ar ameaçador. – Cala-te, não destruas o nosso projeto.
Também o Mateus saía agora de casa para ajudar o pai a limpar a gaiola do Penas. Retiraram-lhe a base para lavar e deixaram a outra parte na tijoleira do alpendre. O Penas observava tudo à sua volta e aproveitava para ouvir o canto dos pássaros. Lá dentro, não ouvia aquelas melodias, aquela sinfonia de vozes que só a Natureza faz acontecer. Juntou ao coro a sua voz que se espalhou, suave e aveludada, por entre as folhas das árvores. Todos se calaram para o ouvir.
- Pai, o Soneca está a tentar comer a Pipoca! Olha! – gritou o Mateus.
Correram os dois para o aquário.
- Pai, tens uma abelha junto à tua orelha!
Que grande confusão! Enquanto afastavam o Soneca e a Abelha Teimosa, os outros amigos seguiram as ordens do Velho Vagaroso. Foi então que o Frank e a Malagueta se aproximaram da gaiola e com as patinhas levantaram a porta que, por distração e pressa, não tinha sido bem fechada.
- Pai, o Penas fugiu!
- Como!?
- Não sei, não está aqui, eu não fiz nada! – respondeu o Mateus.
- Olha está ali, naquele ramo do pinheiro-manso – apontou o pai.
O Penas sentia a brisa e o balanço da árvore. Sentia-se perdido. Não sabia para onde ir. Nem sabia porque estava ali. Não esperava aquela oportunidade. Começou a cantar. A melodia invadiu o jardim. Magnífico! Que melodia! Que encanto!
- Mateus, ouves como canta?! Não fiques triste. Ele vai encontrar um abrigo e forma de se alimentar.
O Velho Vagaroso fez sinal aos pássaros que saíram das árvores ali à volta e vieram fazer companhia ao Penas. Cantaram e saltaram de ramo em ramo. Depressa decidiram abandonar o pinheiro e voar para longe.
A Natureza recuperava assim uma das suas mais belas vozes.
Missão cumprida. O Velho Vagaroso recolheu-se. Os outros voltaram para o seu espaço.
- Será que voltará ao jardim para o ouvirmos cantar? – lamentou-se o Toquinhas.
- Temos de estar atentos – respondeu a Teimosa, enquanto se dirigia com ele para o rododendro.
- Voltará para agradecer, tenho a certeza – interveio a Musculosa que também regressava ao canteiro. - Entre nós é sempre assim, um por todos e…
- Todos por um! – gritaram as companheiras.
E todos seguiram certos da harmonia que os unia.

Um, dois, um, dois
Andar, descer e subir
Um, dois, um, dois
A caminho do abrigo
Um, dois, um, dois
Vamos todas recordar
Um, dois, um, dois
A fuga do nosso amigo
Um, dois, um, dois

Oiçam bem com atenção
Um, dois, um, dois
As formigas aqui vão
Um, dois, um, dois
Nada nos pode vencer
Um, dois, um, dois
É forte a nossa união
Um, dois, um, dois





















11. O Sapo Toquinhas já não tem medo da tempestade

A manhã nasceu mas o Sol continuava escondido atrás das nuvens cinzentas, tão escuras, tão escuras que pareciam estar muito zangadas. Corriam umas atrás das outras, empurradas pelo poderoso vento. Também as árvores estavam inquietas, inclinavam os ramos para trás, para a frente, num ritmo descontrolado, obedecendo à vontade do vento que passava apressado.
 Nesse momento, o Sapo Toquinhas, protegido pelas folhas do rododendro, observava as nuvens, as árvores e sentia o vento forte e desconfortável. Imediatamente, percebeu que naquele lugar não estava seguro. A chuva que se aproximava assustava-o e ele não sabia o que fazer. Pensou em abrir uma toca na terra, mas não tinha tempo.
- Que é isto?! – murmurou amedrontado.
Uma linha branca e brilhante tinha acabado de percorrer o céu, dando lugar a um estrondo, estrooooondo, estroooooooooondo, mesmo aterrador.
- Não posso ficar aqui! – disse, enquanto procurava um lugar seguro que não ficasse longe. Deu um passo à frente e observou atentamente todos os canteiros. Nenhum lhe pareceu adequado. Deu mais um passo e sentiu uma pinga aventureira a bater-lhe no nariz. Voltou rapidamente para as folhas do rododendro. O coração batia aflito

Tumtumtum…
Tumtumtum…
Tumtumtum…

Voltou a espreitar. Reparou que as escadas de granito, que conduziam ao sótão do anexo, serviam de telhado ao abrigo onde a Lucky alimentara os gatinhos. Pareceu-lhe resistente. Não hesitou e avançou

Um…
Dois…
Três…

Três saltos longos e chegou às escadas. Ainda sentiu as pingas da chuva que corriam atrás dele ajudadas pelo vento frio. Só parou no degrau que dava acesso ao interior daquela casota de pedra e escura. Por momentos, sentiu medo. Não sabia o que ia encontrar lá dentro.
- Onde estarão os meus amigos? – pensou. – Que falta me fazem. De certeza que o Velho Vagaroso não tem medo da chuva e do vento. Como era bom estar com ele agora! E ouvir as suas palavras calmas.
A chuva e o vento parece que não se entendiam. Corriam um atrás do outro percorrendo todos os espaços. O Toquinhas teve de tomar uma decisão. Entrou.
- Está alguém aqui? – arriscou. – Preciso de ficar aqui enquanto a tempestade não passar. Alguém está aqui?
Nada. Ninguém respondeu. Só a chuuuuva e o vvvvvvvvvvvvventoooooooo que ficavam cada vez mais fortes, só o vvvvvvvvvvvvventoooooooo e a chuuuuva.
O Toquinhas encostou-se a uma pedra sentiu-se protegido. Aos poucos, começou a distinguir algumas formas no escuro do abrigo.
-Está aqui alguém? – tentou de novo.
De repente um relâmpago iluminou aquela espécie de gruta. Nesse instante, viu apenas várias sombras quietas. Nem teve tempo para pensar. Deu um salto enorme, enoooooooorme, ao mesmo tempo que se ouvia o ribombar do trovão.
Aterrou numa superfície macia e mole. Quando abriu os olhos, percebeu que já conseguia ver melhor naquele espaço que permanecia mais escuro do que o exterior.
- Soneca!? És tu!? – perguntou espantado.
- Sim, somos nós – respondeu o Velho Vagaroso do alto de uma pedra bem junto ao teto. Não dissemos nada antes de ter a certeza de que eras tu. Estamos todos aqui: a Teimosa, a Musculosa e as companheiras, o Soneca. Até a Pipoca se juntou ao grupo. Eles vieram ontem ao fim da tarde. Eu comecei a viagem há dois dias.
- Mas não me disseram nada!? Fiquei sozinho no canteiro do rododendro!
- Tu não estavas quando passamos – respondeu a Musculosa.
- Mas não deviam abandonar-me. É o primeiro inverno que passo sozinho!
- Nós sabíamos que depressa encontrarias um abrigo. Em três saltos, atravessas este jardim! – interveio o Soneca, enquanto esticava as patinhas.
- Eu não posso apanhar chuva nas asas, por isso, ao primeiro sinal, procuro um local seco e seguro.
- O meu aquário fica tão cheio nos dias de tempestade que fico sem espaço para secar a minha carapaça – explicou a Pipoca.
- O nosso formigueiro também fica inundado. Não temos alternativa até voltarem os dias de Sol – juntou-se a Musculosa.
- Temos aqui reserva de alimentos que fomos escondendo durante o verão e o outono. Com eles resistirmos sem problemas durante os dias de tempestade – adiantou o Velho Vagaroso.
- Mas eu não juntei alimentos. Não vou poder ficar aqui!...
- Tu podias ter ficado debaixo do teu rododendro, podes viver dentro de água – criticou a abelha Teimosa.
- Teimosa, isso não interessa agora – atalhou o Velho Vagaroso.
O Sapo Toquinhas sabia que a água, não era um problema para ele. Tinha nascido dentro de água, onde brincou com os irmãos durante muito tempo. Mas, agora, vivia no jardim.
- O teu problema não é a água. Tens medo da chuva, do vento, dos relâmpagos e dos troooooooovõoooooooooooooooooooões! – insistiu a Teimosa.
O Velho Vagaroso não deixou que a conversa avançasse.
- Cala-te, Teimosa! Isso não é verdade. Toquinhas, ouves o vento? Ouves a chuva? – Perante o aceno afirmativo, avançou. – Escuta com atenção. Escuta. Pensa agora que o vento quer levar a água da chuva a todos os cantinhos do jardim. E que o barulho que ouves são as palmas da terra que recebe com alegria a água que a refresca. A terra precisa da água para continuar a alimentar todas as plantas e todos os animais. Até os humanos precisam desta água! Sem ela não podem viver! O Ruído que ouves é a festa da natureza que recebe a água que lhe traz a vida! São as palmas, o aplauso da terra!
- Então e os relâmpagos… e os trovões!?
- Toquinhas, são as nuvens que se juntam umas às outras para trazer mais chuva. Algumas são tão inexperientes que, levadas pelo vento, chocam umas com as outras – explicou a Musculosa.
- É verdade, por isso é que se ouvem aqueles ruídos – juntou-se o Soneca.
- E os relâmpagos? – perguntou ainda o Toquinhas.
O Velho Vagaroso não sabia muito bem como explicar aquelas linhas brancas que corriam tão rapidamente pelo céu que mal davam tempo para serem vistas.
- As nuvens sabem que fazem muito barulho quando chocam umas com as outras, por isso, enviam um sinal de luz antes do trovão. Dessa forma sabemos que ribombam, quando batem com as barrigas umas nas outras.
- Então vocês não têm medo?
- Não - respondeu o Velho Vagaroso. – Temos de ter cuidado, mais nada. Ficamos neste espaço, não andamos à chuva, nem ao vento. E aproveitamos para contar histórias. Basta esperar que a tempestade passe para voltarmos ao exterior.
- Se assim é, não preciso de ter medo.
- Não. Podes ficar connosco. Cada um tem o seu espaço. Tu podes ficar nesse monte de musgo que é mais húmido – aconselhou o Vagaroso.
- Mas eu não tenho alimentos de reserva – queixou-se o Toquinhas.
- Para a próxima pensas nisso com mais tempo. Por agora, não te preocupes. Vês aquela teia ali ao fundo? A velha Aranha já não vive aqui. A teia ficou.
O Sapo Toquinhas percebeu que podia ficar ali na boa companhia dos amigos. Aconchegou-se no musgo e preparou-se para descansar.
Lá fora, a chuva empurrada pelo vento, caía e a terra continuava a bater palmas. Muitas palmas. Continuavam também os sinais de luz e o Toquinhas imaginava as enormes barrigas das nuvens a baterem umas contra as outras. Os amigos repararam daí a pouco que tinha adormecido a sorrir.




12. O Sapo Toquinhas e o carreiro das formigas

            O Mateus observava lentamente o aquapipo onde vivia a Pipoca. Naquela época, ainda permanecia no fundo, camuflada e muito quieta.
            - Pai, porque é que a Tartaruga está há tantos dias assim? Podia hibernar menos tempo.
            - Temos de respeitar o ritmo dos animais – respondeu o pai que cuidava do jardim ali perto.
            - Mas os meus amigos dizem que elas podem estar acordadas durante todo o ano, para isso basta tê-las dentro de casa.
            - É melhor assim, a tartaruga pode descansar e preparar-se para o verão.
            - Eu também gostava de hibernar por uns dias.
            - Estás assim tão cansado!?
            - Um pouco, tenho estudado todos os dias.
            - Penso que tens dormido as horas suficientes. Logo que passe este período de testes, poderás descansar mais.
            Nesse momento, passavam as formigas comandadas pela Musculosa. O Mateus seguiu-as com o olhar. Aquela organização fascinava-o.

Um, dois, um, dois
Andar, descer e subir
Um, dois, um, dois
Não há tempo a perder
Um, dois, um, dois
Todo o dia no carreiro
Um, dois, um, dois
Trabalhamos sem parar
Um, dois, um, dois
Para guardar alimentos
Um, dois, um, dois
E só depois descansar
Um, dois, um, dois

Oiçam bem com atenção
Um, dois, um, dois
As formigas aqui vão
Um, dois, um, dois
Nada nos pode vencer
Um, dois, um, dois
É forte a nossa união
Um, dois, um, dois
            O Sapo Toquinhas também observava o movimento das formigas.
            - Alto! – ordenou a Musculosa.
            As formigas interromperam a marcha e esperaram alinhadas.
            - Toquinhas, tens de começar a preparar o próximo inverno. Para ficares no abrigo, é necessário que armazenes durante os dias de Sol.
            - Tenho estado a tratar disso. Não te esqueças de que prefiro caçar durante a noite. O Sol não me faz muito bem à pele.
            - Muito bem, se precisares de alguma coisa, sabes onde nos podes encontrar. Alinhar! Maaaaaaaaaaaaaaaaaarchar!
            E seguiram em direção ao formigueiro que ficava perto do rododendro. O Toquinhas ficou a vê-las, admirado com a força e com a determinação de cada uma das formigas. No último inverno, tinha percebido o quanto era importante ter alguns alimentos armazenados para os momentos mais difíceis. Até esse momento, ainda não tinha percebido o trabalho das formigas, mas agora começava a entendê-las.
            - Em que pensas? – intrometeu-se o Velho Vagaroso que apanhava Sol nos seus tentáculos.
            - Velho Vagaroso! Não te tinha visto! Estava a observar as formigas.
            - Não vejo nada que seja diferente dos outros dias…
            - Eu também não. Mas eu estava a pensar na sua organização e no seu trabalho. Elas não descansam? Não fazem outras coisas mais agradáveis?
            - Como sabes que o que elas fazem é desagradável?
            - Imagino… Todo o dia no carreiro, apanhar folhas, migalhas.
            - Queres dizer que é uma vida aborrecida?
            - Sim.
            - Não me parece, cada folha que descobrem no caminho que percorrem é uma alegria para todas. A cada dia que passa, chegam mais longe e descobrem alimentos diferentes que levam alegremente para o formigueiro. No inverno, contam as aventuras das viagens que fizeram para ensinar as mais novas. Não vejo nada de aborrecido.
            - E se cada uma for pelo caminho que quiser e à hora que for mais do seu agrado? – sugeriu o Toquinhas.
            - Achas que seriam mais felizes?
            - Talvez.
            - Há coisas que precisas de perceber, Toquinhas. As formigas necessitam de orientação. Antes de saírem do formigueiro já outras percorreram o carreiro e deixaram pistas. Assim, as que saem depois em busca de alimento procuram-no nos melhores lugares e em segurança.
            - É verdade, tens razão. Cada uma com a sua função. As mais novas aprendem com as mais velhas.
            - Como vês, o carreiro e o trabalho que fazem todos os dias não é aborrecido.
            Nesse momento, a Musculosa passava novamente pelo carreiro.

            Oiçam bem com atenção
Um, dois, um, dois
As formigas aqui vão
Um, dois, um, dois
Nada nos pode vencer
Um, dois, um, dois
É forte a nossa união
Um, dois, um, dois

O Velho Vagaroso continuou:
            - Vês como cantam. A alegria delas está no caminho que fazem e nas descobertas que ele proporciona.
            - Percebo. Queres dizer também que há tempo para tudo. Que cada tarefa tem de ser feita no momento adequado.
            - Certo. Se alguma delas resolvesse sair do formigueiro no inverno…
            O Toquinhas percebeu que as formigas eram felizes no trabalho que faziam em conjunto. Que não era aborrecido percorrer o carreiro. E será que também descansavam na altura certa?
            - Descansam, Toquinhas. E deve ser muito divertido. Contam as histórias que viveram no carreiro. Além disso, sei que, por vezes, vivem perto dos grilos e das cigarras. Imagina a música suave, encantadora que podem ouvir. Às vezes, encosto a minha concha à terra em certos lugares do jardim para ouvir a música dos grilos.
            - Pensei que só tocavam ao Sol…
            - Enganas-te. As formigas fazem grandes festas com os grilos e com as cigarras nas casas que construíram na terra, debaixo das raízes das árvores deste jardim.
            O Toquinhas ficou a imaginar as melodias e o rosto feliz das formigas.
            A Musculosa voltava para o formigueiro à frente das amigas. Era o último carregamento daquele dia.
Um, dois, um, dois
Andar, descer e subir
Um, dois, um, dois
Não há tempo a perder
Um, dois, um, dois
Todo o dia no carreiro
Um, dois, um, dois
Trabalhamos sem parar
Um, dois, um, dois
Para guardar alimentos
Um, dois, um, dois
E só depois descansar
Um, dois, um, dois
           
            O Mateus permanecia pasmado a olhar para as formigas. O pai continuava a cuidar do jardim.
            - Pai, achas que podemos aprender alguma coisa com as formigas?
            - Não tenho dúvidas, filho. Todos os animais podem ensinar-nos alguma coisa. Porque perguntas?
- Estava aqui a olhar para as formigas… como é que se chama o caminho que elas percorrem?
- Carreiro. Porquê?
- Acho que não quero hibernar tão cedo… tenho ainda muitas coisas para aprender no carreiro.
O pai ficou a pensar no sentido daquela afirmação. O Mateus foi para dentro falar com as irmãs sobre as suas descobertas.














13. O Sapo Toquinhas aprende com o Velho Vagaroso

A Clara correu para a trotineta mal saiu do carro e depressa percorreu o espaço livre debaixo do alpendre. O Mateus sentou-se no skate e tentou apanhá-la. Como não conseguiu, logo protestou porque as rodas eram mais pequenas. E, portanto, era uma injustiça! A Teresa também queria a trotineta e por isso agarrou-a a dizer que era a sua vez! A Clara começou a chorar porque era uma injustiça! A Teresa também porque afinal não conseguia equilibrar-se sozinha.
Os pais abriram a porta de casa e entraram. A Clara, o Mateus e a Teresa permaneciam amuados.
- Gostaste de participar no espetáculo de dança? – tentou o Mateus.
- Não quero falar contigo, tu disseste que eu era batoteira – respondeu a Clara sem olhar para o irmão, enquanto cruzava os braços.
- Eu fui vestido de vermelho… Viste quando eu imitei um polícia?
A Clara não queria ceder. Fingia que não o ouvia.
- A minha roupa era especial… tinha umas meias vermelhas rotas na perna – continuou o Mateus, enquanto soltava um sorriso. A Clara não resistiu:
- Eia! Pois tinhas, era um buraco enoooooooorme! Como é que fizeste aquilo?
- Não sei, mas até ficou engraçado.
A Inês passava nesse momento.
- Vocês dançaram muito bem. Até já tenho saudades do tempo em que eu andava na dança. Os pais também gostaram. Foi um espetáculo muito bonito. Venham para dentro.
A Inês entrou seguida pela Teresa e pela Clara. O Mateus ficou mais um pouco para verificar os agapórnis. Observava-os, enquanto eles se perseguiam numa dança que só eles conheciam bem.
- O meu professor disse que a dança é poesia! – lembrou-se.

O Velho Vagaroso estava ali perto acompanhado pelo Sapo Toquinhas. Gostavam de assistir àquela dança sempre que podiam. Os agapórnis também cantavam uma melodia que percorria e preenchia todo o jardim como o aroma do jasmim que se enroscava orgulhoso no pilar de granito ali perto.
- Toquinhas, ouves esta melodia, até os meus tentáculos bailam. Que maravilha! Fecha os olhos. Vá lá, vais ouvir melhor.
O Sapo Toquinhas seguia as indicações do Velho Vagaroso e deixava que os sons se alinhassem no ouvido até se transformarem num sorriso aprovador.
Um , dois, um, dois,
Oiçam bem com atenção
Um , dois, um, dois,
A Musculosa mandou parar imediatamente todas as companheiras, quando viu o sinal de silêncio exigido pelo Vagaroso. Depressa perceberam a razão e permaneceram em silêncio a ouvir.
Silêncio.
Silêncio.
Silêncio.
As formigas estavam cansadas do trabalho. Por isso, aquele momento era único. Assim, largavam as migalhas e os pedaços de folha, enquanto a música invadia todo o seu corpo como um banho refrescante.
Depois, muito baixinho, ainda a melodia se ouvia, o Velho Vagaroso sugeriu que mantivessem os olhos fechados e que inspirassem profundamente. Todos obedeceram. Enchiam-se de ar renovador que trazia os mais estranhos perfumes do jardim. A cada inspiração um sorriso pleno de descoberta. O Sapo Toquinhas não evitou uma lágrima de satisfação.
De repente, ouviram um zumbido suave.
- É a Teimosa. Não abram os olhos. Ela vai oferecer-vos uma gotinha de mel.
Que maravilha! Que estranho! Que sabor! Tão diferente, único!
Mas não era tudo. O Velho Vagaroso queria que aquele fim de tarde ficasse marcado na memória dos seus amigos.
Convidou-os então a abrir os olhos. À frente deles estavam as mais belas camélias do jardim. Algumas tinham já deixado cair algumas pétalas. Por isso, convidou os amigos a caminhar sobre elas e esperou. O Sapo Toquinhas nem queria acreditar. Não sabia como descrever o que sentia. Era macio, aveludado, fresco! Uma explosão se sensações em cada um deles.
- Agora reparem nas pétalas, na forma, na cor. Nenhuma delas é igual. Nenhuma se repete, por isso são tão belas na diferença.

Naquele momento, o pai do Mateus veio chamá-lo.
- Vem para dentro. Começa a ficar frio.
- Pai, sabes o que é a poesia?
- Tu hoje estiveste muito bem. Movimentos mais leves… Estás a melhorar – respondeu o pai, tentando fugir à dificuldade.
- Obrigado. Mas não me respondeste.
- A poesia é muito parecida com a natureza. Para a encontrar, podemos começar por imitar a natureza.
- Como a dança dos agapornis? – perguntou enquanto entrava em casa com o pai.

Nesse momento, o Sapo Toquinhas acomodava-se debaixo do rododendro, as formigas chegavam ao formigueiro e o Velho Vagaroso recolhia-se na concha dentro do tubo do regador vermelho. Todos ainda maravilhados. Todos renovados pelo espetáculo da natureza.
















14. O Sapo Toquinhas já sabe porque tarda a primavera

A Clara regressava pensativa. Entrou no carro sem dizer uma palavra. A mãe achou estranho.
- Clara, está tudo bem?
Não respondeu, olhava pela janela. O pai arrancou.
As nuvens acumulavam-se no céu. Cada vez mais cinzentas, cada vez mais escuras. O vento já não se mexia, aguardava, pasmado com a construção de nuvens que acabara de originar.
O trajeto era curto. Depressa chegaram a casa. As árvores do jardim continuavam encolhidas, voltadas para dentro.
- Quando é que volta o Sol? – perguntou a Clara, enquanto saía do carro.

As camélias teimavam em colorir o inverno. Surgiam vaidosas nas mais diversas formas e cores. Também o rododendro mantinha as folhas verdes. Era aí que se escondia o Sapo Toquinhas que ficou a pensar na pergunta da Clara. Além disso, também o preocupava a ausência do Sol. Avançou até ao regador vermelho e coaxou. Nada, o Velho Vagaroso não respondeu nem apareceu vagarosamente. Onde estaria? Deu mais uns saltinhos e passou pela Pipoca que permanecia no fundo do aquário. Também não sabia de nada. O Soneca dormitava numa das traves do alpendre, resguardado do vento e da chuva.
- Procuras o Velho Vagaroso? Não está no regador. A última vez que o vi, subia pelo tronco da tília. Disse-me que queria observar as nuvens mais de perto.
- Para que quer ele ver as nuvens? Também as pode ver daqui.
- Não sei. Pareceu-me preocupado com a falta de Sol.
A tília levantava os ramos despidos. Pareciam antenas em busca de notícias, à procura do primeiro raio de Sol.
Entretanto, o Velho Vagaroso regressava da longa descida. Estava já em cima de uma das raízes que a terra descobriu, quando o Toquinhas o abordou:
- Então, Vagaroso, o que viste lá em cima?
- Estive a observar as nuvens e a conversar?
- Mas podias ver as nuvens cá de baixo!
- O que podemos ver daqui não se compara com o que podemos ver lá do alto. Um dia terás de subir para sentir a diferença.
- E com quem estiveste a conversar?
- Com as aves que regressam de terras distantes. Estamos preocupados com as nuvens. Ao subir ao topo da tília, verifiquei que as nuvens não começam nem acabam. Preenchem todo o espaço que consigo observar. E o mais grave é que não se movem. Estão paradas. Não querem sair daqui.
- E as aves sabem o motivo deste engarrafamento de nuvens?
- A velha nuvem, aquela mais longa e escura, comanda todas as outras e não as deixa seguir viagem.
O Sapo Toquinhas ficou a saber que o Velho Vagaroso estava preocupado com o estacionamento das nuvens mas mais ainda com a ausência prolongada do Sol que não conseguia chegar ao jardim. Entretanto o Soneca também se aproximou:
- Está tudo parado à espera do Sol. As folhas não rebentam, as flores não despontam. Soube que a Teimosa já não consegue aguentar as companheiras na colmeia. Também a Musculosa se queixou que em breve acabarão as reservas para o inverno. A Pipoca está desorientada e pode não conseguir acordar do longo período de sono. É urgente o regresso do Sol.
O Velho Vagaroso já conhecia estes problemas. O Sapo Toquinhas começou a ficar preocupado:
- E as aves disseram alguma coisa?
- As aves estão a chegar de outros continentes. Conhecem o céu como ninguém, pois atravessam e falam com todo o tipo de nuvens. Elas sabem muito bem o que se está a passar.
O Velho Vagaroso abanou os tentáculos em sinal de preocupação. Depois continuou:
- As nuvens recusam-se a receber água em certas partes da terra, onde as águas são escuras, repletas de substâncias que têm alterado o seu comportamento. Algumas nuvens estão mesmo muito doentes.
O Sapo Toquinhas ficou ainda mais preocupado:
- O problema é muito grave. Precisamos que as nuvens se afastem para voltarmos a ter Sol, mas também precisamos que elas voltem para recuperarmos a água.
Entretanto, lá no alto, as aves voavam em círculo. Entravam e saíam da nuvem mais negra e mais longa. A reunião parecia não ter fim.
Os amigos continuavam no jardim à espera. Não tinham ninguém que voasse tão alto, pois o Penas há muito que não os visitava.
Algum tempo depois, uma das aves voou em direção à tília e pousou num dos ramos mais baixos.
- As nuvens vão sair daqui quando o vento lhes prometer que as leva para terras seguras onde a água seja boa. As nuvens não querem transportar e distribuir água impura. Além disso, não querem voltar às terras poluídas. Aí deixará de chover.
- E o nosso jardim? – perguntou o Velho Vagaroso.
- Não falaram do vosso caso. Aqui parece estar tudo bem.
A ave regressou ao bando. O Sapo Toquinhas ainda tinha mais uma pergunta, mas já não teve tempo. Ficavam todos sem saber quanto tempo levariam as nuvens a sair dali. Regressou cada um ao seu lugar. O Soneca esticou e levantou o rabo e sentiu uma brisa agradável. Era bom sinal: o vento chegava para conversar com as nuvens.

Nesse momento, a Clara abandonou o baloiço e correu para casa. Ainda viu a ave que se afastava da tília.
- Mãe, está a chover outra vez e a ficar muito vento. É melhor guardar os estendais da roupa.
A mãe confirmou a informação da filha, olhou o céu e teve a impressão de que as nuvens se deslocavam. Na verdade, todas as nuvens reuniam em volta da velha nuvem. O vento rodopiava e aguardava pelas indicações da nuvem manda-chuva.


15. O Sapo Toquinhas e as formigas em perigo

Um, dois, um, dois.
As formigas aqui vão
Um, dois, um, dois.
Para enfrentar o perigo,
Um, dois, um, dois.
Encontrar a solução,
Um, dois, um, dois.
E voltar para o abrigo.
Um, dois, um, dois.

            A Musculosa marchava decidida à frente das companheiras. Desta vez, a missão era séria – as mensageiras tinham emitido um pedido de ajuda urgente.
            - Pai, quando levas estas garrafas para o vidrão? – perguntou o Mateus.
            - Logo que possível. Temos de levar também o papel e o plástico. Por enquanto, ficam aí nos separadores.
            O Mateus e o pai estavam no alpendre e preparavam-se para guardar as ferramentas que tinham usado para limpar o jardim. Uma das garrafas tinha caído do muro que existia no limite do alpendre. Estava inteira e permanecia transparente. O Mateus não a viu por isso ela ali ficou entre as camélias.
            Era para esse local que a Musculosa e as amigas avançavam. Pelo caminho, pediram ajuda ao Sapo Toquinhas que deixou imediatamente o seu rododendro. A Teimosa já tinha voado à frente. O Velho Vagaroso seguiu também, vagarosamente. Percorreu longamente a pequena distância até à garrafa deitada. Foi o último a chegar e, satisfeito com a sua vitória, resolveu analisar com calma a situação: o Soneca dava pancadinhas com as patinhas na garrafa que rodopiava ora para a direita, ora para a esquerda. Estava muito divertido com o rabo alçado e a baloiçar.
            A Musculosa e as companheiras estacionaram alinhadas no limite do muro de pedra. Esperavam sinal para avançar.
            O Sapo Toquinhas também ali estava e não resistiu a um sorriso depois de perceber o que se passava.
            A primeira a entender o problema das formigas foi a Teimosa que imediatamente voou para o Soneca:
            - Para com isso! Estás a pôr em perigo as formigas!
            - Teimosa! Queres entrar na garrafa? Experimenta, é muito divertido! – convidou o gato Soneca.
            Dentro da garrafa, estavam dezenas de formigas que tentavam encontrar a saída. Mas eram tantas as voltas que já estavam tontas e desorientadas.
            - A Musculosa pediu para deixares sair as companheiras – continuou a Teimosa.
            Nesse momento, o Sol preparava-se para encontrar-se com a Lua. Mas era tão difícil! Um trabalhava de dia, outro de noite! Conversavam de passagem como um carro na portagem. Mas, às vezes, quando há muitas nuvens, encontram-se às escondidas. O que se vê é que fica tudo mais cinzento. Será o Sol que perde o brilho ou é a Lua que fica mais iluminada? Não sabemos.
Nesse final de tarde, estava o Sol muito avermelhado lá no horizonte. Ia dizer à Lua um poema que preparara durante o dia. Ensaiou cada palavra, cada sílaba. Pouco a pouco ia fechando a janela atrás do horizonte.
- Musculosa! Não te tinha visto. Desculpa, não percebi que as estava a perturbar. Pareciam divertidas lá dentro.
- Soneca, causaste um grande sarilho: o fornecimento do formigueiro foi interrompido, obrigaste este pelotão a deixar o trabalho de armazenamento para se deslocar até aqui. Além disso, a noite aproxima-se e vai ser difícil encontrar o caminho de regresso.
- Mas eu não fiz nada! Quando encontrei a garrafa, as formigas já estavam lá dentro.
As companheiras levantaram as cabeças e mostraram as mandíbulas ameaçadoras. O Soneca deu um salto para longe. A Teimosa pousou imediatamente no gargalo para orientar as formigas presas no interior da garrafa.
- O Soneca não tem culpa – disse, por fim, o Toquinhas. – A garrafa caiu no carreiro e elas entraram sem saber que não havia saída.
- Mas agora já podem sair – protestou a Teimosa. – Não percebo porque continuam a tentar sair pelo fundo da garrafa.
- Elas sabem que o regresso ao formigueiro se faz naquela direção – justificou o Sapo Toquinhas.
- As minhas companheiras sabem que o caminho é por ali. Nada as fará mudar de rumo – afirmou preocupada a Musculosa.
O Velho Vagaroso observava a cena de operações  e girava os tentáculos em sinal de reflexão. Procurava uma solução para aquele problema. Não podia demorar muito, pois as formigas corriam perigo. Como podiam elas sair da garrafa?
- O Soneca afastou-se daqui. Foi um erro assustá-lo – declarou o Velho Vagaroso.
- O que pensas fazer? – quis saber a Musculosa.
- Já percebi que as formigas não alteram a sua decisão. Continuarão a marchar em direção ao formigueiro, mesmo que não haja saída. Só há uma solução – virar a garrafa.
- Mas como? – perguntou o Toquinhas. – A garrafa é muito pesada para nós.
- Musculosa, conduz as tuas companheiras para junto da garrafa – ordenou o Vagaroso.
Um, dois, um, dois.
As formigas aqui vão
Um, dois, um, dois.
Para enfrentar o perigo,
Um, dois, um, dois.
Encontrar a solução,
Um, dois, um, dois.
E voltar para o abrigo.
Um, dois, um, dois.

O Velho Vagaroso continuou:
- Toquinhas, salta para o muro e coloca-te na direção do gargalo. Agora todas as formigas para junto do fundo da garrafa. O Toquinhas salta para o gargalo, o fundo levanta e todas fazem rodar a garrafa ao mesmo tempo.
Um, dois, três.
Salta, empurra, roda.
Um, dois, três.
Salta, empurra, roda.
Um, dois, três.
Salta, empurra, roda.
- Conseguimos! Conseguimos!
Em pouco tempo, as formigas reencontraram o carreiro para o formigueiro. O Vagaroso tinhas razão. Não era preciso mudar as formigas. A solução era mais fácil, bastava rodar a garrafa.
- Mateus, apanha essa garrafa que caiu entre as camélias.
O Mateus obedeceu e reparou que estava lá dentro uma formiga. Observou-a com cuidado.
- O que fazes aqui sozinha? Vá, eu ajudo-te a sair.
Depressa a formiga se juntou às companheiras. E a garrafa também.
O Toquinhas e os amigos repararam ainda que o Sol já quase não se via no horizonte. Algumas nuvens ocultavam os raios avermelhados do Sol que, nesse momento, dizia o poema à Lua que, por acaso, se tinha preparado com o seu melhor vestido de noite.

16. A Loirinha vai mudar de casa 

A Loirinha era uma rafeira de porte médio. O pelo castanho-claro no dorso dava lugar ao branco nas patas e no ventre. Vivia em casa dos avós do Mateus desde os três meses e tinha acabado de completar seis anos.
Ao final do dia, corria pelo jardim, qual corrida de obstáculos, por entre as árvores e os arbustos. Ninguém a conseguia apanhar, tais as fintas que conseguia inventar. Percorria depois os lugares preferidos que farejava com todo o cuidado, para confirmar se ainda lá se encontrava o seu osso favorito.
Às vezes, encontrava o Soneca esticado ao Sol, em cima da mesa de pedra. Aproximava-se, silenciosamente, focinho junto à calçada, agarrado à pista como se fosse um detetive. Mas, quando chegava perto, não resistia às assustadoras garras do gato. Recuava, então, dois passos e voltava às corridas, regressando, por fim, à casota.
O Mateus adorava adestrá-la. Caminhava lado a lado com a Loirinha, dando pequenos esticões à trela, acompanhados por ordens a que ela raramente obedecia.
- Senta! Senta! Senta, Loira!
Em vez disso, ela deitava-se e oferecia a barriga para recolher carícias.
- Levanta! Levanta!
Mas a Loirinha sentava-se e levantava uma das patinhas.
Por vezes, o Mateus soltava-a e atirava para longe a bola azul, a favorita da cadelinha. Mas nada. Ela não queria saber da bola para tristeza do rapaz.

Um dia, o Mateus tentou outra estratégia e começou a correr com a bola na mão e, assim, tudo ficou diferente. O jogo tornou-se muito mais divertido e a Loirinha depressa o alcançou, procurando agarrar-lhe as calças e as sapatilhas com pequenas dentadas acompanhadas de rosnadelas que o petiz considerou assustadoras.
- Pai! Pai!Pai!
- A Loira não te faz mal. Quer apenas brincadeira. Para, não corras, verás que ela para também. Vira-te, vá, enfrenta-a!
O Mateus obedeceu e prontamente percebeu que o medo se transformou em domínio.
- Estás a ver?! Conseguiste.
- Boa, já não tenho medo de cães. É fácil!
- Não sejas precipitado. Fazes isto com a Loira que já te conhece bem. Com outros cães terás de ter muito cuidado.
O Mateus compreendeu as palavras do pai e resolveu levar a cadelinha para a casota.
Na verdade, era importante mostrar que seria capaz de tomar conta da Loirinha, pois, em breve, ia realizar-se um dos seus maiores desejos. Estava quase a fazer dez anos e tinha pedido um presente especial: queria que a Loirinha viesse viver no jardim da sua casa. Que ela tivesse ali a sua casota e pudesse brincar com ela todos os dias. Há muito que sonhava com esse dia.

O Soneca também já conhecia o sonho do Mateus. Por isso, por precaução, resolveu contar a novidade a todos os vizinhos animais. Começou pelo Sapo Toquinhas que encontrou debaixo do rododendro.
- Não sei, amigo Soneca. A Loirinha nunca saiu daquele jardim. Será que aguenta esta mudança? – reagiu o Toquinhas com preocupação.
- Pelo gato musculado! Então não aguenta! Tem vivido na casa aqui ao lado!
- Parece-te fácil, amigo gato, porque andas de casa em casa. Saltas os muros e percorres os telhados de noite e de dia. Não tens medo do espaço que está para além deste jardim. Mas eu e a Loirinha não sabemos o que existe do lado de lá, para além do nosso muro.
- Por isso eu sei como podemos ajudá-la! É simples.
- Simples?! Achas simples mudar com aquela idade? Vai farejar espaços desconhecidos… E os ruídos estranhos? Conseguirá dormir na nova casota?
- Verás que se adaptará bem.
- Tens alguma ideia?
- Proponho que os pássaros das árvores se juntem aos agapórnis desta casa e cantem nos primeiros dias as melodias que ela ouvia do outro lado.
- Parece-me uma boa ideia!
- Além disso, vou pedir ajuda para encontrar o osso favorito da Loirinha e trazê-lo para aqui. Vai ser um osso de obra.
- Combinado, amigo! De soneca não tens nada!
O Sapo Toquinhas ficou mais animado e recolheu-se para pensar em mais pormenores. O Soneca partiu para organizar a caça ao osso. Além disso, ficou de contactar o Penas para orientar o ensaio dos pássaros.

A mudança estava para breve e o Mateus pensava em tudo o que era necessário. Começou por desenhar a casota. Enfim, o pai não imaginava o que o esperava: não seria fácil dar forma à imaginação do garoto!


























16. O Sapo Toquinhas ganha coragem

O Sol apareceu ainda envergonhado. Espreitava atrás de algumas nuvens. Mas foi o suficiente para que todas as plantas rebentassem de alegria. O brilho de cada folha parecia o mais lindo sorriso. Em cada árvore despida, espreitavam agora as vizinhas folhas que abriam pequenas janelas nos ramos por onde se punham a espreitar e a contar histórias do longo inverno passado.
A Teimosa já vagueava pelo jardim. Aqui e ali parava para avaliar as flores que abriram tocadas pelos primeiros raios de Sol. Sentia-lhes o perfume, observava-as em busca de néctar. Uma das mais corajosas era a peónia. Majestosa! Irresistível! Cada pétala um desenho único e inspirado. No alto do caule, um castelo amarelo, certo da sua beleza. O Sol abrira as portas e foi ali que a Teimosa entrou.
O Soneca parou no banco de pedra. Esticava as patas e o corpo para que o Sol o tocasse longamente e o acompanhasse na sua preguiça. Olhava lentamente a Teimosa que entrava e saía da peónia. Nem reparou no Sapo Toquinhas que saltava apressadamente em direção ao regador vermelho que permanecia num canto do alpendre.
- Vagaroso! Vagaroso!
- Sim! – respondeu antes de aparecer no topo do cano.
- Preciso do teu conselho! As formigas correm perigo.
Ao lado, a Pipoca ainda estava confusa. O Sol já brilhava, mas a água permanecia fria. Será que era tempo de subir à pedra mais alta? Analisou o fundo do aquapipo em busca de camarões. Precisava de energia para voltar à superfície.
- Acalma-te e conta-me o que se passa – pediu o Velho Vagaroso.
O Sapo Toquinhas explicou que perto do rododendro, junto ao formigueiro, havia uma grande confusão. A Musculosa não conseguia reunir as companheiras que corriam desordenadamente em todas as direções.
- E conseguiste perceber o que aconteceu? De que fogem as formigas?
- A Musculosa falou-me de uma enchente e que não tiveram tempo para sair do formigueiro de forma organizada.
O Vagaroso agitou ligeiramente os tentáculos em busca de uma solução.
- Primeiro, é necessário agrupar as formigas; segundo, alguém tem de entrar no formigueiro à procura de formigas em perigo; terceiro, é urgente desviar a água.
O Sapo Toquinhas ouviu cuidadosamente todos os conselhos. O Vagaroso não ia acompanhá-lo porque era muito vagaroso.
- Não percebo, agora que o Sol voltou, agora que as nuvens resolveram viajar novamente, empurradas pelo amigo vento, continuam as inundações – lamentou-se o Toquinhas.
- É normal, há muita água infiltrada na terra e que se desloca sem darmos conta. Pode acontecer que o formigueiro esteja no caminho da água que ganhou muita força com a chuva dos últimos dias.
O Sapo Toquinhas agiu imediatamente. Depressa convenceu a Teimosa a convocar as companheiras que apareceram com grãozinhos dourados que largaram numa zona segura. Rapidamente, as formigas se concentraram naquele lugar agora mais calmas com o sabor e o aroma do mel oferecido pelas abelhas.
Nesse momento, a Musculosa agradeceu o gesto amigo e alinhou as companheiras, escolhendo as mais experientes para voltar ao formigueiro.
- Toquinhas, vamos aguardar que faças a tua parte. Só depois voltaremos ao interior do formigueiro para salvar a rainha e as companheiras que a guardam.
- Eu?!
- Sim. Nós não conseguimos desviar a água. Tu podes fazê-lo com as tuas patas.
- Mas vou demorar muito tempo a escavar até encontrar o local.
- Não precisas. Eu já descobri um acesso mais rápido. É por ali que a água se tem infiltrado. Vês aquela toca? – perguntou apontando. – Era a entrada da Rastejante que há muito abandonou este jardim. Lá no fundo, o túnel passa ao lado das nossas galerias e é nesse local que precisas de escavar para desviar a água por outro caminho.
- Tens a certeza de que a Rastejante já não vive lá? – perguntou o Toquinhas assustado.
A Musculosa não lhe respondeu, apenas cruzou os braços em forma de protesto e de espanto.
- Está bem, eu vou – arriscou o Toquinhas sem convicção.
Aproximou-se do buraco escuro e espreitou. Coaxou. Coaxou. Coaxou. Não obteve resposta. Apenas o silêncio escuro. Assustador. Deu dois passitos e iniciou a descida. Atrás dele a Musculosa e algumas companheiras espreitavam para o interior da toca. Mas depressa deixou de as ver. Escorregou depois até chegar a um lugar largo e macio. Um finíssimo raio de luz bastava para ver que era ali que a Rastejante descansava.
De repente, deu um salto e bateu descontrolado na parede em frente, fazendo-a desmoronar. Ficou muito quieto e muito, muito assustado. O que era aquilo? O medo fazia-o abrir muito os olhos em busca da terrível Rastejante. Tinha sentido um toque numa das patas. Só podia ser ela! Mas onde estava que não a via?
- Quem és tu? – ouviu sem perceber de onde vinha aquela voz rouca.
- Eu sou o Sapo Toquinhas e estou aqui para ajudar as formigas.
- És tu, Toquinhas?! Desculpa, eu vejo mal. Não percebi que eras tu. O que fazes por aqui? Precisas de ajuda?
O Toquinhas suspirou de alívio, afinal era a Cava-terra, a toupeira que ele raramente encontrava à superfície. Não perdeu tempo:
- Sim, preciso muito da tua ajuda.
Ele percebera, através da parede que ele demolira, que a Cava-terra tinha aberto uma galeria perto do formigueiro e era por ali que a água estava a inundá-lo.
- Muito bem, vou já corrigir o meu erro – e afastou-se a protestar com a sua zarolhice.
Entretanto, o Toquinhas regressou calmamente à superfície. Se a Cava-terra andava por ali era porque a Rastejante já não vivia naquela toca! Quando lá chegou, a Musculosa conversava com algumas companheiras que lhe davam conta da novidade.
- Obrigado, Toquinhas! A água já está a baixar. Fizeste um bom trabalho! O formigueiro está salvo.
O Toquinhas sorriu e apeteceu-lhe dizer “Eu também, Ufa!”. Podia ter dito que a Cava-terra o ajudou. Mas não teve tempo. As formigas já marchavam animadas para junto da rainha. Regressou também ao seu rododendro satisfeito por ter vencido o medo.
Ao acomodar-se para descansar, sentiu o carinho do Sol que o tocava levemente. Ficou ainda mais encantado com a dança da Teimosa à volta da peónia amarela que parecia sorrir com o Sol que finalmente tinha voltado.



17. A Loirinha vai mudar de casa

A Loirinha era uma rafeira de porte médio. O pelo castanho-claro no dorso dava lugar ao branco nas patas e no ventre. Vivia em casa dos avós do Mateus desde os três meses e tinha acabado de completar seis anos.
Ao final do dia, corria pelo jardim, qual corrida de obstáculos, por entre as árvores e os arbustos. Ninguém a conseguia apanhar, tais as fintas que conseguia inventar. Percorria depois os lugares preferidos que farejava com todo o cuidado, para confirmar se ainda lá se encontrava o seu osso favorito.
Às vezes, encontrava o Soneca esticado ao Sol, em cima da mesa de pedra. Aproximava-se, silenciosamente, focinho junto à calçada, agarrado à pista como se fosse um detetive. Mas, quando chegava perto, não resistia às assustadoras garras do gato. Recuava, então, dois passos e voltava às corridas, regressando, por fim, à casota.
O Mateus adorava adestrá-la. Caminhava lado a lado com a Loirinha, dando pequenos esticões à trela, acompanhados por ordens a que ela raramente obedecia.
- Senta! Senta! Senta, Loira!
Em vez disso, ela deitava-se e oferecia a barriga para recolher carícias.
- Levanta! Levanta!
Mas a Loirinha sentava-se e levantava uma das patinhas.
Por vezes, o Mateus soltava-a e atirava para longe a bola azul, a favorita da cadelinha. Mas nada. Ela não queria saber da bola para tristeza do rapaz.

Um dia, o Mateus tentou outra estratégia e começou a correr com a bola na mão e, assim, tudo ficou diferente. O jogo tornou-se muito mais divertido e a Loirinha depressa o alcançou, procurando agarrar-lhe as calças e as sapatilhas com pequenas dentadas acompanhadas de rosnadelas que o petiz considerou assustadoras.
- Pai! Pai!Pai!
- A Loira não te faz mal. Quer apenas brincadeira. Para, não corras, verás que ela para também. Vira-te, vá, enfrenta-a!
O Mateus obedeceu e prontamente percebeu que o medo se transformou em domínio.
- Estás a ver?! Conseguiste.
- Boa, já não tenho medo de cães. É fácil!
- Não sejas precipitado. Fazes isto com a Loira que já te conhece bem. Com outros cães terás de ter muito cuidado.
O Mateus compreendeu as palavras do pai e resolveu levar a cadelinha para a casota.
Na verdade, era importante mostrar que seria capaz de tomar conta da Loirinha, pois, em breve, ia realizar-se um dos seus maiores desejos. Estava quase a fazer dez anos e tinha pedido um presente especial: queria que a Loirinha viesse viver no jardim da sua casa. Que ela tivesse ali a sua casota e pudesse brincar com ela todos os dias. Há muito que sonhava com esse dia.

O Soneca também já conhecia o sonho do Mateus. Por isso, por precaução, resolveu contar a novidade a todos os vizinhos animais. Começou pelo Sapo Toquinhas que encontrou debaixo do rododendro.
- Não sei, amigo Soneca. A Loirinha nunca saiu daquele jardim. Será que aguenta esta mudança? – reagiu o Toquinhas com preocupação.
- Pelo gato musculado! Então não aguenta! Tem vivido na casa aqui ao lado!
- Parece-te fácil, amigo gato, porque andas de casa em casa. Saltas os muros e percorres os telhados de noite e de dia. Não tens medo do espaço que está para além deste jardim. Mas eu e a Loirinha não sabemos o que existe do lado de lá, para além do nosso muro.
- Por isso eu sei como podemos ajudá-la! É simples.
- Simples?! Achas simples mudar com aquela idade? Vai farejar espaços desconhecidos… E os ruídos estranhos? Conseguirá dormir na nova casota?
- Verás que se adaptará bem.
- Tens alguma ideia?
- Proponho que os pássaros das árvores se juntem aos agapórnis desta casa e cantem nos primeiros dias as melodias que ela ouvia do outro lado.
- Parece-me uma boa ideia!
- Além disso, vou pedir ajuda para encontrar o osso favorito da Loirinha e trazê-lo para aqui. Vai ser um osso de obra.
- Combinado, amigo! De soneca não tens nada!
O Sapo Toquinhas ficou mais animado e recolheu-se para pensar em mais pormenores. O Soneca partiu para organizar a caça ao osso. Além disso, ficou de contactar o Penas para orientar o ensaio dos pássaros.

A mudança estava para breve e o Mateus pensava em tudo o que era necessário. Começou por desenhar a casota. Enfim, o pai não imaginava o que o esperava: não seria fácil dar forma à imaginação do garoto!








18. O rapaz que fazia perguntas difíceis

O Mateus aproximou-se do pai. Levava nos olhos uma pergunta ensaiada e as mãos ajudavam a transportá-la na concha que faziam. Como era seu hábito, nunca libertava a dúvida sem ter a certeza de que o ouvinte o escutava:
- Pai, tenho uma pergunta para te fazer.
- Faz a pergunta, filho.
- Podes olhar para mim?
O pai suspirou, enquanto se desligava do pequeno monitor.
- Diz então. Já estou a olhar para ti.
- Estás sempre a ler notícias!
- Faz a pergunta, Mateus!
- Eu acho que não vais saber a resposta…
Nesse momento, obteve do rosto do pai um sinal claro de que a sua paciência estava a esgotar-se, por isso, não perdeu tempo:
- O que aconteceria ao mundo, se as moscas morressem todas?
E nada mais acrescentou.
O pai apoiou-se na cadeira, libertando o ar que esperava pronto para acompanhar as palavras que dariam forma a uma resposta. Mas não, nem uma palavra, o ar saiu mudo, perplexo, assustado com aquela dúvida inesperada. Teria ela pés a cabeça? Que mosca o teria mordido? Poderia a morte das moscas ameaçar o mundo? Enfim, como qualquer adulto equilibrado e racional, resolveu acabar ali com aquela curiosidade desencaixotada:
- Filho, por favor, moscas não! A que propósito vens agora falar de moscas?!
- Qual é o problema? Pelo menos já não estou a falar de cães. A propósito, quando é que vamos tosquiar a Loira?
- Mas afinal já não queres saber o que é que eu penso sobre a morte das moscas?
- Deixa estar, acho que não sabes a resposta.
E afastou-se, levando a pergunta com ele, devidamente acomodada no ventre da imaginação.
O pai ficou sozinho. Ainda tentou abrir uma das notícias suspensas na aplicação, enquanto abanava a cabeça na tentativa incapaz de afastar as moscas que lhe invadiam o pensamento. Este miúdo tem cada ideia!
De repente, viu uma mosca que lhe pareceu preparada para uma longa viagem. Piscou os olhos para testar aquela visão. Outra, mais outra, moscas, muitas moscas. Na soleira da portada, eram agora centenas de moscas organizadas e prontas para levantar voo. Uma delas assumia claramente o comando e alertava-as para os perigos da viagem. Piscou novamente os olhos. As moscas partiam agora em pequenos grupos, abandonavam aquela terra, aquela casa, aquele jardim e as frestas do muro onde se escondiam.
Para seu maior espanto, na tijoleira exterior, junto ao jardim, juntava-se também a família do Sapo Toquinhas. Numa das traves do alpendre, dezenas de aranhas desfaziam as teias e recolhiam as presas. Nos ramos do liquidâmbar, juntavam-se também centenas de aves, piando sobre o problema das moscas. Até o Soneca falava com os vizinhos gatos sobre a partida dos animais. Também eles teriam de partir. Os ninhos vazios seriam um problema!
Aos poucos tudo parecia ficar às moscas!
- Pai. Pai.
- Sim, filho, desculpa, estava distraído. Diz.
- A Teresa quer a tua ajuda.
Levantou-se e acompanhou o filho até à sala onde encontrou a Teresa que apontava para um monstro alado que percorria o ecrã da televisão.
- Não tenhas medo, eu vou afastar esta mosca teimosa.

A caça tornou-se divertida. A mosca escapava a todas as tentativas que o pai preparava o mais cautelosamente possível. Afinal, as moscas serviam para alguma coisa. Aquela, em especial, era mais rápida do que a imaginação.

19. O sorriso da camélia

Naquele momento, a noite despedia-se do jardim. O vento passeava ainda por entre os ramos despidos. E, cada vez que ele suspirava, libertava uma longa nuvem que logo gelava. Depois, suavemente, um fino manto cobria de branco a terra.
                O Sol cumprimentou a velha noite e queixou-se do frio. Tinha frieiras na ponta dos dedos, porque não era nada fácil acordar todas as manhãs a Natureza adormecida e gelada!  Aquele manto era um problema. Os pequenos charcos uma dor de cabeça! Primeiro que os aquecesse era um dia de juízo!
                Debaixo do rododendro, muito quietinho, estava o Sapo Toquinhas. Espreitava por uma pequena abertura à espera do Sol. Dali podia ver a maldade do vento gelado que vigiava os ramos das árvores para não os deixar brotar. Também as ervinhas se mantinham encolhidas debaixo da terra, assustadas e geladas. Um verde apagado, triste, à espera, era o que o Toquinhas podia ver à sua volta.

                Nesse momento, o Mateus atravessou o alpendre para entrar no carro. Logo atrás vinham as irmãs.
                - Está muito frio, Teresa, não tires o gorro! – aconselhou a Clara.
                - Neve! O jardim está cheio de neve! – apontou a Teresa.
                - Não é neve, é geada – corrigiu o Mateus.
                A Teresa ficou triste por não perceber a diferença. Porque é que não podia ser neve se era branquinha e fria?!
Entraram no carro.
- Inês, já reparaste nas camélias? – perguntou o Mateus.
- Diz…
- E no azevinho?
- Diz…
- Já reparaste que o azevinho mantém as folhas sempre verdes?
- Sim, e…?
- E que as camélias estão a florir?
- Sim, e…?
-E é estranho!
- Porquê?
- Estamos no inverno! – estranhou ainda o Mateus.

Também o Toquinhas tinha reparado nas camélias. E que o vento insistia, passava e voltava a passar, libertando o seu manto branco vezes sem conta. E nada! Nada! As camélias continuavam como se o frio não lhes tocasse sequer a ponta de cada folha verde e brilhante. O vento andava contrariado e olhava-as furioso. Já o Sol, quando acordava, beijava-as, alegre e satisfeito. Tal como ele, as camélias enfrentavam-no com coragem. Que mau feitio! Brrrrrrr!
- As camélias já foram princesas! – afirmou o Soneca, enquanto revistava a calçada em busca de um pedacinho aquecido pelo Sol. – Por isso é que são tão elegantes!
- Verdade?! – espantou-se o Toquinhas.
- Sim. Há muito tempo, no oriente, havia uma princesa que casou com um príncipe muito belo mas muito resmungão e muito malvado. Não queria que a princesa sorrisse, não queria que a princesa vestisse os mais belos vestidos. Desejava que a sua beleza ficasse para sempre fechada num manto de tristeza. Mas a princesa continuava à espera. Acreditava que um dia o príncipe se transformaria.
- E depois?
- Um dia, o príncipe partiu para uma batalha e de lá não voltou com vida. A princesa que o esperava com o mais belo vestido de todos, feito de todas as cores e de todas as formas, ficou tão triste, tão triste, tão triste que se transformou na mais linda flor. E onde estava ficou, agarrada à terra.
- Como se chamava a princesa?
- Camélia!
- O que aconteceu depois?
- A princesa Camélia nunca mais perdeu a cor e o brilho.
- E o príncipe?
- O príncipe transformou-se no vento frio que aparece no inverno. É dele que que se escondem todas as plantinhas, é por causa dele que as árvores deixam cair todas as folhas.
- E a princesa?
- A princesa espalhou as suas sementes por toda a terra e, no inverno, continua verde e brilhante.
- E não tem medo do príncipe?
- Não, continua à espera que ele se transforme na mais elegante e fresca brisa de verão! Por isso, contra o frio e contra a maldade lhe mostra aquelas cores e aquelas formas.
- Não sabia! O nosso jardim guarda histórias bem bonitas!
- Dizem também que são as camélias que, pela primavera, acordam todas as plantas e as ensinam novamente a florir!
- Até o vento voltar…
- Sim.

                O portão fechou-se pouco depois do carro passar. O Mateus continuava perplexo.
               - Mãe, tu achas que as pessoas são como as camélias?
                - O quê?
                - Queria saber se há pessoas como as camélias. Que eu saiba elas são capazes de florir no inverno… não achas estranho?
                Aquela pergunta deixou no ar um silêncio inesperado. Quem é capaz de sorrir no inverno? Quem é capaz de esperar?
                - Então, mãe?!
                - Estou a pensar.
                E continuaram viagem.

A mãe foi pensando que também era camélia. E eram tantos os ventos. Importante era persistir.



Não é o Sol que faz a sombra

 

O Sapo Toquinhas acordou cedo naquele dia. Vivia ainda debaixo do velho rododendro que erguia bem alto alguns dos seus ramos. As folhas passavam o dia a tagarelar com as vizinhas que um pouco mais acima e um pouco mais abaixo viviam.

- Ai, vizinha, o nosso inquilino tem saído pouco ultimamente! - dizia uma.

- Quando chegar o tempo seco, verás que sairá mais vezes em busca de água e de alimento. Por enquanto, prefere o conforto da toca onde descansa sobre as nossas irmãs já secas – respondeu outra.

- Reparem, parece que acordou e se prepara para sair – anunciou repentinamente uma das que espreitava junto à entrada da toca.

O Sapo Toquinhas esticou à vez cada uma das patinhas, preparando-se para os longos saltos que o levariam a casa da Musculosa. De seguida, observou cuidadosamente a calçada - ultimamente, eram muitos os gatos que passeavam por ali. Por vezes, até adormeciam deitados ao Sol, junto à parede do anexo. Um Perigo! Depois, com uma das patinhas tocou suavemente uma das pedras da calçada, para sentir se algum carro se deslocava para o alpendre. Nada.

Um,

dois,

três!

Três saltos bastaram para alcançar a japoneira onde se reuniam as formigas. Ali se acomodou, colocando as patinhas sobre as aveludadas pétalas de camélia que pintalgavam a erva verde do canteiro. Sentiu ainda o doce aroma que delas provinha. Fechou mesmo os olhos para que nenhum daqueles perfumes lhe escapasse. Por vezes, os olhos incomodam, interferindo nas alegrias dos outros sentidos!

- Amigas formigas, o Sol está a chegar! Em breve sairemos em busca de alimento. Percorreremos calçadas, treparemos muros e troncos. Entraremos também na casa pelo caminho secreto. Lá dentro, as mais sábias e corajosas chegarão depois à sala do tesouro, onde estão armazenados, sobre socalcos de madeira, os alimentos mais raros do nosso formigueiro. Essas heroínas serão recompensadas com grãozinhos brancos, brilhantes e doces! Mas atenção! Antenas bem atentas!

 

É sempre com atenção

Que saímos à procura

Da nossa alimentação,

Sempre de forma segura.

 

No carreiro, nos mantemos,

Temos sempre onde ir;

É segredo que nós temos,

Ninguém pode descobrir.

 

A Musculosa manteve-se em frente às companheiras, enquanto elas, desmobilizando, repetiam as palavras em ritmo de marcha. Daí a pouco, avistou o Toquinhas e aproximou-se dele.

- Bom dia, Toquinhas! Posso ajudar-te? Não esperava ver-te tão cedo fora da toca!

- Bom dia! Tens razão, Musculosa! Mas preciso da tua ajuda. O carvalho, aquele que na primavera liberta os mais belos ramos onde depois rebentam as mais frescas e incontáveis folhas, está este ano ainda muito introvertido. Não vejo sinais de vida exterior.

A Musculosa pensou durante algum tempo, mas parecia não encontrar uma causa para aquela mudança.

- Poderás falar com as tuas amigas para sondarem as raízes – sugeriu o Toquinhas.

Claro! Podia.

Então foram ambos até ao canteiro onde a Musculosa apresentou o pedido às companheiras.

- Verifiquem se as cavernas do vosso formigueiro incomodam as raízes do carvalho – aconselhou ainda a Musculosa.

De regresso, as formigas relataram que estava tudo bem: as raízes da árvore permaneciam bem agarradas à terra, dela retiravam o alimento necessário; as galerias do formigueiro não impediam a árvore de crescer.

O Sapo Toquinhas e a Musculosa entreolharam-se. E agora?

A formiga reparou depois nas outras plantas que circundavam o canteiro do rododendro. A glicínia mostrava já, orgulhosamente, duas folhas verdes e recortadas no meio dos outros ramos prestes a rebentar. A peónia elevava-se num frágil ramo onde a flor se preparava.

- Já reparaste no carvalho e nas outras plantas aqui à volta? – perguntou a Musculosa. E, perante o silêncio do amigo, continuou. – Todos elas estão ao Sol…

- Menos carvalho – completou o Toquinhas.

- Sim, menos o carvalho.

- Mas, nos anos anteriores, o Sol inundava-lhe o tronco e os ramos! – admirou-se o sapo Toquinhas!

- Claro, mas não encontras nenhuma diferença?

Havia uma diferença, o jovem carvalho crescera apoiado ao velho tronco que a ele fora encostado desde tenra idade. Era um tronco seguro. Mas, no outono anterior, o carvalho tinha ficado só, era tempo de seguir o seu caminho, crescer em busca de luz, do seu lugar ao sol. Porém, não resistiu ao vento forte e frio do inverno e inclinou-se em direção à casa que agora o impedia de ver o Sol. E, sem ele, não rebentaria.

- O Sol tem de tocar os ramos - concluiu o Toquinhas.

- Tem de aprender a procurá-lo!

- Mas como?

A Musculosa teve uma ideia. Era preciso falar com a Teimosa e pedir-lhe para convocar todos os pássaros que por ali perto vivessem.

- Mas o que é que eu lhe digo? – perguntou o Toquinhas.

- A abelha terá de convencer aos pássaros! É preciso que todos se reúnam naquele ramo do carvalho, amanhã, ao nascer do Sol.

 

No dia seguinte, os pássaros compareceram em grande número. Pousaram no ramo indicado, aguardando por mais indicações. Eram muitos, muitos mais foram chegando, ocupando outros ramos da árvore que foi cedendo ao peso. A Musculosa orientava o movimento daquele bando solidário.

Lentamente os ramos do carvalho apanharam os primeiros raios de Sol. A árvore sentiu o calor invadir-lhe as entranhas e depressa a seiva circulou, levando aos extremos a força necessária para elevar pequenos ramos que logo aprenderam o caminho do Sol.

 

- Olha, pai, já viste?! O carvalho já tem ramos novos! – admirou-se a Clara ao sair de casa naquela manhã.

- Pois tem! E está muito inclinado! – observou o Mateus.

Não é o Sol que faz a sombra, pensou o pai ao reparar no esforço exemplar da árvore que se dobrava em busca da luz.

- Entrem no carro. Vamos para a escola! Teresa, põe o cinto.

 

O Toquinhas acompanhou-os com o olhar até que o grande portão voltou à posição de descanso. Sorriu ao perceber que também eles procuravam o Sol, uma forma de fugir da sombra.

Antes de entrar na toca, assistiu ainda ao desfile das formigas que, satisfeitas, regressavam ao formigueiro:

 

É sempre com atenção

Que saímos à procura

Da nossa alimentação,

Sempre de forma segura.

 

No carreiro, nos mantemos,

Temos sempre onde ir;

É segredo que nós temos,

Ninguém pode descobrir.


O Sapo Toquinhas ajuda a Curiosa e as formigas desorientadas

 

O Sapo Toquinhas estava feliz. Dias antes, tinha estado no canteiro da oliveira onde já não ia desde a primavera anterior. O Velho Vagaroso tinha sido quem o aconselhara a passar por lá.

O canteiro tinha orgulho na velha oliveira que observava em silêncio todo o jardim. As rugas do tempo que marcavam o tronco davam-lhe uma certa majestade. As folhas que libertava pareciam lágrimas que se aconchegavam na erva verde para, aos poucos, desaparecerem. Diziam que a terra as acolhia para reencontrarem a raiz que lhes tinha dado vida.

Nesse dia, o Toquinhas entrou por um dos extremos onde crescia uma tília sempre viçosa, cujos rebentos, ávidos de Sol, até das raízes surgiam. Nesse canto, havia sempre água e as plantinhas acotovelavam-se para aí terem lugar. Uma sinfonia de cores, formas e perfumes!

O Velho Vagaroso tinha razão, valia a pena aquela visita!

Mas, de repente, encolheu-se, pronto para o maior salto da sua vida. Só os olhos giravam, auxiliando os ouvidos atentos. Ali bem perto as ervas mexiam-se e ele tentava adivinhar o que se deslocava na sua direção. Quieto. Silêncio.

Pouco a pouco, foi reconhecendo as formas que o animal misterioso foi mostrando. Respirou então de alívio e de espanto.

- Quem és tu?

- Sou a Curiosa.

- Curiosa?! Nunca te vi por aqui.

- Pois não. Há dias arrisquei entrar por aquele portão castanho que abre por momentos todos os dias. Do outro lado, ficaram os meus pais e os meus irmãos.

- E queres voltar? Posso ajudar-te. Conheço os horários do portão.

- Não, quero conhecer melhor este jardim.

- Podes ficar comigo no canteiro do rododendro, temos espaço para mais um. Queres?

A Curiosa nem queria acreditar.

- Sim! Mas não me disseste ainda o teu nome.

Pelo caminho, o Toquinhas apresentou-se e quis conhecer melhor a rã que o acompanhava. A sua preocupação principal era agora encontrar um pequeno lago junto ao rododendro para a sua nova amiga. Em tempo de chuva não seria difícil. Mas o verão aproximava-se e a solução estava no canto da torneira amiga. Uma torneira teimosa que não deixava que a apertassem demasiado para assim libertar algumas gotas. A seus pés, havia sempre um pequeno lago onde os animais que por ali passavam matavam a sede. A Curiosa podia lá ficar escondida atrás do cano que sustentava a torneira.

Mais uma vez o Velho Vagaroso tinha razão. No alpendre e do alto da coluna de granito, o vetusto caracol já tinha visto a Curiosa e queria que o Toquinhas a acolhesse!

Já perto do canteiro do rododendro, o Toquinhas parou para ver com atenção as formigas no carreiro.

- Parecem desorientadas! – afirmou a Curiosa.

Naquele lugar do carreiro, as formigas, que até ali seguiam alinhadas, paravam, depois andavam aos círculos ou iniciavam direções que logo interrompiam por insegurança.

O Sapo Toquinhas observou-as com mais atenção e verificou que havia naquele sítio um cruzamento de carreiros. Quando ali chegavam, as formigas ficavam confusas. Que sinais seguir? Os estímulos eram variados e as referências divergentes. Aquelas criaturas não sabiam por onde seguir.

- Será melhor avançarem todas pelo mesmo carreiro? – perguntou a Curiosa.

- Não. Parece-me que não é a melhor solução para todas. Anular um dos carreiros torna as formigas mais pobres. O melhor é que se mantenham os dois e que as formigas os vejam, os conheçam e façam as suas escolhas. Que sigam pelo caminho desejado e adequado.

E rapidamente fez sinal à Curiosa que o ajudou a colocar no cruzamento um ramo curvado que fazia uma espécie de ponte.

Esperaram.

Em pouco tempo, as formigas reorganizaram-se e, alinhadas, seguiram para casa, certas das referências escolhidas.

O Toquinhas explicou então à Curiosa que os sinais que elas seguiam só elas sabiam descodificar. Todos bem visíveis, uns indicavam saídas proibidas, outros direções autorizadas, outros ainda sugeriam caminhos a desvendar. E as formigas caminhavam certas de que os sinais eram todos necessários. A falta de uns seria a fragilidade dos outros.

Chegaram, por fim, ao canteiro do rododendro. Ao lado, ficava o canto da torneira amiga onde se recolheu agradecida a Curiosa.

Por isso, o Sapo Toquinhas estava feliz.

Ao longe, ainda se ouviam as formigas que chegavam aos formigueiros.

 

 

 

Um, dois, um, dois

Andar, descer e subir

Um, dois, um, dois

Não há tempo a perder

Um, dois, um, dois

Todo o dia no carreiro

Um, dois, um, dois

Trabalhamos sem parar

Um, dois, um, dois

Para guardar alimentos

Um, dois, um, dois

E só depois descansar

Um, dois, um, dois

 

Oiçam bem com atenção

Um, dois, um, dois

As formigas aqui vão

Um, dois, um, dois

Nada nos pode vencer

Um, dois, um, dois

É forte a nossa união

Um, dois, um, dois

 

 

 

 



 


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