A Loirinha era uma rafeira de porte médio. O pelo
castanho-claro no dorso dava lugar ao branco nas patas e no ventre. Vivia em casa
dos avós do Mateus desde os três meses e tinha acabado de completar seis anos.
Ao final do dia, corria pelo jardim, qual corrida de
obstáculos, por entre as árvores e os arbustos. Ninguém a conseguia apanhar,
tais as fintas que conseguia inventar. Percorria depois os lugares preferidos que
farejava com todo o cuidado, para confirmar se ainda lá se encontrava o seu osso
favorito.
Às vezes, encontrava o Soneca esticado ao Sol, em
cima da mesa de pedra. Aproximava-se, silenciosamente, focinho junto à calçada,
agarrado à pista como se fosse um detetive. Mas, quando chegava perto, não
resistia às assustadoras garras do gato. Recuava, então, dois passos e voltava às
corridas, regressando, por fim, à casota.
O Mateus adorava adestrá-la. Caminhava lado a lado com a
Loirinha, dando pequenos esticões à trela, acompanhados por ordens a que ela
raramente obedecia.
- Senta! Senta! Senta, Loira!
Em vez disso, ela deitava-se e oferecia a barriga para
recolher carícias.
- Levanta! Levanta!
Mas a Loirinha sentava-se e levantava uma das patinhas.
Por vezes, o Mateus soltava-a e atirava para longe a
bola azul, a favorita da cadelinha. Mas nada. Ela não queria saber da bola para
tristeza do rapaz.
Um dia, o Mateus tentou outra estratégia e começou
a correr com a bola na mão e, assim, tudo ficou diferente. O jogo tornou-se muito
mais divertido e a Loirinha depressa o alcançou, procurando agarrar-lhe as
calças e as sapatilhas com pequenas dentadas acompanhadas de rosnadelas que o
petiz considerou assustadoras.
- Pai! Pai!Pai!
- A Loira não te faz mal. Quer apenas brincadeira.
Para, não corras, verás que ela para também. Vira-te, vá, enfrenta-a!
O Mateus obedeceu e prontamente percebeu que o medo
se transformou em domínio.
- Estás a ver?! Conseguiste.
- Boa, já não tenho medo de cães. É fácil!
- Não sejas precipitado. Fazes isto com a Loira que
já te conhece bem. Com outros cães terás de ter muito cuidado.
O Mateus compreendeu as palavras do pai e resolveu
levar a cadelinha para a casota.
Na verdade, era importante mostrar que seria capaz
de tomar conta da Loirinha, pois, em breve, ia realizar-se um dos seus maiores
desejos. Estava quase a fazer dez anos e tinha pedido um presente especial: queria que a Loirinha viesse viver no jardim da sua casa. Que ela tivesse ali a
sua casota e pudesse brincar com ela todos os dias. Há muito que sonhava com
esse dia.
O Soneca também já conhecia o sonho do Mateus. Por
isso, por precaução, resolveu contar a novidade a todos os vizinhos animais.
Começou pelo Sapo Toquinhas que encontrou debaixo do rododendro.
- Não sei, amigo Soneca. A Loirinha nunca saiu
daquele jardim. Será que aguenta esta mudança? – reagiu o Toquinhas com
preocupação.
- Pelo gato musculado! Então não aguenta! Tem
vivido na casa aqui ao lado!
- Parece-te fácil, amigo gato, porque andas de casa
em casa. Saltas os muros e percorres os telhados de noite e de dia. Não tens
medo do espaço que está para além deste jardim. Mas eu e a Loirinha não sabemos o
que existe do lado de lá, para além do nosso muro.
- Por isso eu sei como podemos ajudá-la! É simples.
- Simples?! Achas simples mudar com aquela idade? Vai
farejar espaços desconhecidos… E os ruídos estranhos? Conseguirá dormir na
nova casota?
- Verás que se adaptará bem.
- Tens alguma ideia?
- Proponho que os pássaros das árvores se juntem aos
agapórnis desta casa e cantem nos primeiros dias as melodias que ela ouvia do
outro lado.
- Parece-me uma boa ideia!
- Parece-me uma boa ideia!
- Além disso, vou pedir ajuda para encontrar o osso
favorito da Loirinha e trazê-lo para aqui. Vai ser um osso de obra.
- Combinado, amigo! De soneca não tens nada!
O Sapo Toquinhas ficou mais animado e recolheu-se
para pensar em mais pormenores. O Soneca partiu para organizar a caça ao osso.
Além disso, ficou de contactar o Penas para orientar o ensaio dos pássaros.
A mudança estava para breve e o Mateus pensava em
tudo o que era necessário. Começou por desenhar a casota. Enfim, o pai não
imaginava o que o esperava: não seria fácil dar forma à imaginação do garoto!