A Clara continuava na água. Abraçava as ondas e deixava-se levar qual
capitão à proa do barco da imaginação. Atracava feliz e logo se voltava para
sulcar a seguinte.
O pai permanecia sentado, observava aquele vaivém e também ele navegava
em cada onda que beijava inocentemente a areia.
- Pai, viste o meu mergulho? – perguntou, enquanto se aproximava.
O pai acenou afirmativamente, evitando as palavras e o olhar. Não
queria regressar daquela viagem que a imensidão sempre proporciona. A menina,
curiosa, perspicaz, feita de perguntas e saberes nunca satisfeitos, sentou-se e
ficou também a olhar.
- Estás a ver ou estás a pensar?
- As duas coisas… – respondeu o pai, inseguro.
- Posso fazer-te uma pergunta? – continuou, procurando melhor posição
na areia.
- Sim.
- Quantas ondas tem o mar?
O pai levantou os óculos escuros para ver melhor o rosto da criança e
não encontrou sinais de brincadeira. Reparou, sim, na dúvida que permanecia no
olhar concentrado e insatisfeito.
- Não estava à espera de uma pergunta tão difícil. É o mesmo que querer
saber quantas pingas tem a chuva… - arriscou. Tu sabes quantas gotas tem a
chuva?
- Depende. Se for num dia de tempestade, é mais difícil.
Calaram-se. A melhor resposta acontece no silêncio. A menina voltou ao mar.
Quantas ondas tem o mar?!
Quantas pingas tem a chuva?!
Depende do tempo que dás ao mar,
Depende do tempo que dás à chuva!
Quantos abraços tem o amor?
Depende…
Quantos sorrisos tem a amizade?
Depende…
Quantas lágrimas tem a tristeza?
Depende do tempo que demoras a encontrar alguém.
Quantas lágrimas tem a alegria?
Depende do tempo que demoras a perder alguém.
Quantos suspiros tem a esperança?
Depende do tempo que o presente dá ao futuro.
Repentinamente, sentiu-se agarrado. Oito braços arrastaram-no para o
mar, quatro suspiros de esperança, o Mateus, a Clara, a Teresa e a Inês. Ao
lado, outro sorriso maravilhado, maternal, maior.
- Os meus óculos?
– Já não precisas deles – respondeu a Clara, mostrando-os. – Aqui,
contas melhor as ondas.
Sim, ali sentia o abraço das ondas.