O Gabriel estava sentado sofá. Sentado não, pois
parecia um acrobata: uma perna na China, outra em Portugal. Tinha numa das mãos
o comando que disparava ordens em busca do canal desejado. E a pobre televisão
lá soluçava um de cada vez espantada com a indecisão do rapaz.
Mesmo ao lado, a Mariana deslizava pelas
publicações de uma rede qualquer sem saber ao certo o que procurava. Fixava de
quando em vez uma foto que esticava e encolhia para logo voltar à patinagem com
o polegar no rinque colorido e brilhante.
A mãe estava ali perto cercada de equações que às
vezes não cabem nos números. Nesses casos, a solução foge por entre os sinais
quase sempre limitadores para se fixar na beleza do Sol que beija o mar ao fim
da tarde. E tudo acontecia ali ao lado. Cansada de alinhar números, levantou-se
e caminhou pela sala, bebendo lentamente o café ainda morno. A dada altura, o Gabriel
seguiu-a com o olhar. Aqueles olhos enormes, sedentos de respostas, questionaram
em silêncio a inquietude da mãe. Queria o rapaz saber por que razão os olhos
dela não se encontravam com os seus.
- Mãe, porque caminhas sem ver ninguém, como se
estivesses a ver o teu próprio pensamento?
- Por favor, Gabriel! A mãe está a trabalhar! –
admoestou-o a Mariana sem levantar os olhos do telemóvel.
- Não estou a falar contigo! – protestou o Gabriel.
A mãe continuou pela sala, passeando para embalar o
pensamento. Pouco depois, aproximou-se da janela. O Sol imediatamente lhe
beijou o rosto, destacando a cor aveludada dos olhos, que também pode ser de
esperança.
- Porque pensas tanto, mãe? – tentou o Gabriel,
enquanto lhe tocava suavemente no braço e olhava também o longe.
- Não estás a ver televisão? – perguntou como quem
quer ficar só.
- Não me apetece ver mais. Estás preocupada?
- Não, Gabriel, estou apenas a tentar encontrar o
caminho que pretendo percorrer.
- Mete na aplicação do telemóvel. Com GPS é mais
fácil! – sugeriu o pequeno.
A mãe sorriu e afagou o cabelo desalinhado do
menino que imediatamente percebeu que aquele itinerário não aparecia no Google Maps. A mãe explicou-lhe depois
que era necessário desvendá-lo passo a passo, centímetro a centímetro. A cada
momento tomar decisões, fazer escolhas.
- Mas nunca ninguém percorreu esse caminho, mãe?
- Não, sou eu que inauguro cada pedacinho que
descubro e percorro.
- De que é que estás a falar, mãe? – interveio a
Mariana que entretanto se interessara pela conversa.
- Dos sonhos que torno realidade, filha!
Por instantes ficaram calados. O Sol desenhava no
mar uma linha contínua, parecia um caminho brilhante em direção ao colo do
horizonte.
- Mãe, quando for crescido, posso ir à Lua?
- Claro!
Claro que ir à Lua era importante. A Lua poderia
vir a mudar de forma e de nome, mas o importante era querer ir à Lua! O
importante era querer.
E assim permaneceram mais algum tempo, embalados
pelo sonho, ensaiando o passo seguinte.