Ela levantou-se e fixou o longe pela janela por
onde o Sol tinha invadido o quarto. O olhar encontrou-se por momentos com a luz
– o brilho e a profundidade líquida uniram-se num abraço ímpar.
Lá fora, a manhã ensaiava o vestido verde que tinha
escolhido para aquele dia e o vento brincava com as folhas das videiras
alinhadas.
Ela sorriu e fechou os olhos para inspirar todas as
cores. Paulatinamente uma melodia ganhou espaço e com ela viu-se menina sentada
no tapete da sala com janelas enormes por onde se via o mar. Viu-se no tempo em
que descobriu que o mar cercara de espanto a terra. O mar cercava a sua terra!
Nunca deixou de a abraçar! Ao final da tarde, beijava-a com ondas suaves.
Depois preparava-se para ouvir.
Ao seu lado, outros meninos sentados, abraçavam os
joelhos e a eles encostavam o rosto, espreitando apenas os olhitos para ouvir
melhor.
Silêncio! O Professor ia começar!
O Professor sorria-lhes, enquanto preparava o
banco. Inspirava depois como quem pede licença e a beleza acontecia em cada
tecla beijada levemente pelos dedos. A melodia era arco-íris, era arrepio, era
bolo de milho, era doce aroma do Pico. Um eco que permaneceu na memória e que
volta sempre num sorriso, numa lágrima alegre, num gesto carinhoso, numa
sensibilidade que só a música e a dança sabem esculpir.
O mar permanece pasmado a olhar a terra. A terra
continua a vestir-se de verde para o receber.
Agora, longe, ela continua a oferecer cada nota que
a infância guardou feliz. Ao seu lado, sempre os meninos, “conchas puras”, que
só ela sabe preencher com melodias que vêm de longe, que acalmam a curiosidade,
ecoam no coração.
Um piano que nos toca!