O Mateus aproximou-se do pai.
Levava nos olhos uma pergunta ensaiada e as mãos ajudavam a transportá-la na
concha que faziam. Como era seu hábito, nunca libertava a dúvida sem ter a
certeza de que o ouvinte o escutava:
- Pai, tenho uma pergunta para te
fazer.
- Faz a pergunta, filho.
- Podes olhar para mim?
O pai suspirou, enquanto se
desligava do pequeno monitor.
- Diz então. Já estou a olhar
para ti.
- Estás sempre a ler notícias!
- Faz a pergunta, Mateus!
- Eu acho que não vais saber a
resposta…
Nesse momento, obteve do rosto do
pai um sinal claro de que a sua paciência estava a esgotar-se, por isso, não
perdeu tempo:
- O que aconteceria ao mundo, se
as moscas morressem todas?
E nada mais acrescentou.
O pai apoiou-se na cadeira,
libertando o ar que esperava pronto para acompanhar as palavras que dariam
forma a uma resposta. Mas não, nem uma palavra, o ar saiu mudo, perplexo,
assustado com aquela dúvida inesperada. Teria ela pés a cabeça? Que mosca o
teria mordido? Poderia a morte das moscas ameaçar o mundo? Enfim, como qualquer
adulto equilibrado e racional, resolveu acabar ali com aquela curiosidade
desencaixotada:
- Filho, por favor, moscas não! A
que propósito vens agora falar de moscas?!
- Qual é o problema? Pelo menos
já não estou a falar de cães. A propósito, quando é que vamos tosquiar a Loira?
- Mas afinal já não queres saber
o que é que eu penso sobre a morte das moscas?
- Deixa estar, acho que não sabes
a resposta.
E afastou-se, levando a pergunta
com ele, devidamente acomodada no ventre da imaginação.
O pai ficou sozinho. Ainda tentou
abrir uma das notícias suspensas na aplicação, enquanto abanava a cabeça na
tentativa incapaz de afastar as moscas que lhe invadiam o pensamento. Este
miúdo tem cada ideia!
De repente, viu uma mosca que lhe
pareceu preparada para uma longa viagem. Piscou os olhos para testar aquela
visão. Outra, mais outra, moscas, muitas moscas. Na soleira da portada, eram
agora centenas de moscas organizadas e prontas para levantar voo. Uma delas assumia claramente o
comando e alertava-as para os perigos da viagem. Piscou novamente os olhos. As
moscas partiam agora em pequenos grupos, abandonavam aquela terra, aquela casa,
aquele jardim e as frestas do muro onde se escondiam.
Para seu maior espanto, na
tijoleira exterior, junto ao jardim, juntava-se também a família do Sapo
Toquinhas. Numa das traves do alpendre, dezenas de aranhas desfaziam as teias e
recolhiam as presas. Nos ramos do liquidâmbar, juntavam-se também centenas de
aves, piando sobre o problema das moscas. Até o Soneca falava com os vizinhos
gatos sobre a partida dos animais. Também eles teriam de partir. Os ninhos
vazios seriam um problema!
Aos poucos tudo parecia ficar às
moscas!
- Pai. Pai.
- Sim, filho, desculpa, estava
distraído. Diz.
- A Teresa quer a tua ajuda.
Levantou-se e acompanhou o filho
até à sala onde encontrou a Teresa que apontava para um monstro alado que
percorria o ecrã da televisão.
- Não tenhas medo, eu vou afastar
esta mosca teimosa.
A caça tornou-se divertida. A
mosca escapava a todas as tentativas que o pai preparava o mais cautelosamente
possível. Afinal, as moscas serviam para alguma coisa. Aquela, em especial, era
mais rápida do que a imaginação.