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Mensagens Inesperadas - 32 - Fim!





32

            Noite de consoada. Chegamos a casa do meu avô ao final da tarde. A minha mãe já lá estava. Viera mais cedo para ajudar nos preparativos. Já não eram novidade para mim aquelas panelas enormes onde as batatas, as couves e o bacalhau se cozinhavam, libertando um aroma inconfundível. As tradicionais sobremesas estavam já expostas e alinhadas no aparador da sala de jantar. A mesa esperava preparada para acolher os comensais.
            Era uma noite especial. Os meus primos apareciam sempre repletos de cenas para contar e mostrar. A casa parecia sorrir tal era a alegria que a preenchia. Os espaços quase desabitados durante o ano eram agora invadidos por conversas ruidosas. Continuavam abandonados apenas aqueles que resistiam à tecnologia wi-fi.
            - Então, Pedro, ouvi dizer que tramaste a vida a uns tipos lá da tua escola - intrometeu-se o Tomás.
Eu não desviei o olhar da televisão, apesar de não prestar qualquer atenção ao programa que lá passava e há muito abandonado.
            - Não sei de que é que estás a falar - disse, tentando desanimá-lo.
            - Deixa-te de coisas, o João já me contou.
            - Então já não tenho mais nada para te dizer.
            Nesse momento, o meu avô passava no corredor ao lado da sala e espreitou para nos ver.
            - Pedro, chega aqui ao quarto, por favor.
            Segui-o, enquanto caminhava lentamente, medindo cada passo que encostava à bengala que abria caminho mais seguro.
            - Senta-te aí na beira da cama - indicou, acompanhando cada movimento que eu fazia com aqueles olhos claros e húmidos.
            - Diz, avô. Precisas de alguma coisa? - comecei, procurando antecipar o motivo daquela reunião.
            - Já tentei saber junto da tua mãe, mas ela não satisfez completamente a minha curiosidade. Diz-me lá como montaste a nassa e como caíram lá os pássaros.
            - Avô, não quero que isto se espalhe muito... Mas não tem sentido estar a dizer-te isto. Muito bem, aqui vai.
E contei-lhe como combinei tudo com a Catarina e com o António. Apesar de eu ter arquitetado tudo, os louros iam, sobretudo, para a Catarina que, com coragem e agilidade, enviara naquela tarde uma mensagem para o agente da Escola Segura, pedindo-lhe ajuda, pois, no dia seguinte, dois colegas, antes do início das aulas, iriam obrigar a Teresa a levar droga para dentro da escola. Enviou outra para o Xavier, a partir do telemóvel da Teresa a pedir-lhe que, no dia seguinte, lhe levasse “três folhas de teste”. Era um código que usavam entre eles e que nós conhecíamos porque, às vezes, a Teresa falava demais.
            - A Catarina assistiu a tudo - continuei. - Não imagina a minha alegria quando ela me descreveu a cara dos três perante a intervenção policial. A Teresa olhava o Xavier e o Eduardo completamente incrédula. Estes depressa ficaram em choque, porque perceberam que os agentes procuravam, estranhamente, protegê-la. Entenderam que teria sido ela a traí-los, informando a polícia. Nesse momento, o Xavier não se conteve e mostrou a mensagem que a Teresa lhe enviara a pedir “folhas de teste”. Um dos polícias confirmou o número do telemóvel e resolveu levá-la também para o gabinete da direção. Algum tempo depois, foram conduzidos para a esquadra onde foram chamados também os pais.
            - Ainda hoje estarão a tentar perceber como é que a mensagem foi enviada do telemóvel da Teresa – disse, sorrindo, o meu avô.
            - É verdade. Há pistas muito óbvias. Eles sabem que foi durante a aula de Educação Física. Mas não sabem com certeza quem foi. Aliás, a Teresa não imagina como foi descoberta a palavra-passe do telemóvel dela: encontrei-a, por acaso, numa aula em que ela me emprestou o caderno de Matemática para eu copiar uns exercícios.
            E continuei, explicando que a Teresa tinha sido proibida de contactar com o Xavier e o Eduardo. Os pais dela voltaram a viver na mesma casa para a ajudarem naquela fase difícil.
Por sua vez, o Xavier e o Eduardo tinham agora um acompanhamento diário por técnicos da comissão de proteção de jovens em risco.
Entretanto, o meu telemóvel vibrou.
            - Muito bem, rapaz, fizeste um ótimo trabalho com a nassa que inventaste! Agora lê a mensagem que recebeste. Deve ser dela - disse, piscando o olho temperado por um sorriso meigo. - Deseja-lhe bom Natal e diz que lhe admiro a coragem. E despacha-te, está na hora da ceia.
            E seguiu pelo corredor certo de que outras aventuras não tardariam. Eu também não duvidava disso. Aquelas mensagens ainda dariam muito que falar.


Fim

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