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- Cá está, mensagens, Catarina, António… O
que é que está aqui a fazer uma mensagem tua, Tó?!
- Não é minha, parvo, é do pai da
Catarina, do Dr. António! Olha aí, Pedro, essa é tua, abre-a!
Abri como quem abre um exame nacional ou
mesmo um presente inesperado.
“Catarina,
adorei passar contigo aquela noite! Foi fantástico. Temos de repetir…"
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- Quem foi que escreveu isto? Se eu o
apanho, desfaço-o.
- Vontade não te faltava de… - atreveu-se
o Tó com ar sugestivo.
- Não tenhas dúvidas, dava cabo dele!
- Não, Pedro, vontade não te faltava de
passar uma noite assim com a Catarina! - riu-se o António, colocando-se logo em
posição de defesa.
- Não sejas palerma! É claro que sim, quer
dizer, não… Já nem sei o que digo. Deixa cá ver mais.
E fui vendo todas as mensagens. Uma a uma,
com a respiração suspensa.
- Não há mais nenhuma que me comprometa.
Deixa-me ver novamente: foi enviada do meu telemóvel às dez horas e dois
minutos de segunda-feira. Incrível! Hei de apanhar-te, palhaço, não tarda nada!
Bom, já podem levar o telemóvel. Voltem lá para junto das miúdas. Amanhã conto
convosco na escola.
10
A noite caíra como uma tenda que convida e
ligar uma lanterna que faz surgir do escuro uma narrativa tentadora. Espalhei o
corpo na cama e deixei o pensamento voar por cada pedaço dos últimos dias que
analisei como quem procura respostas em todos os pormenores. Reli vezes sem
conta o ultimato de Catarina. Lembrei cada palavra que ela tinha recebido no
telemóvel, esperando uma pista, um indício que provasse a minha inocência.
Imaginei a reação da mãe e a péssima reputação que eu passei a ter junto da
família dela. As imagens faziam fila à porta da minha imaginação, acentuando o
meu desespero, a minha pequenez. Patience
dos Guns N' Roses invadia os meus
ouvidos e acentuava a minha tristeza que se revia na desarrumação que me
cercava.
Olhei o João que dormia numa ilha onde
cada objeto tinha um lugar determinado. A mochila pronta para o dia seguinte, a
roupa para vestir preparada ao fundo da cama. A secretária nunca tinha lápis
espalhados ou livros abertos sobre o teclado, as folhas nunca se empilhavam de
qualquer maneira, desejando a sorte de um dia serem encontradas. Invejava a
felicidade organizada do meu irmão. Reconhecia a paciência que tinha comigo,
pois partilhava o quarto com um ser que não percebia a necessidade das coisas no
seu devido lugar. Culpabilizei-me, pois sabia que tinha sido devido àquela
forma de estar que eu tinha dado oportunidade a alguém para usar o meu
telemóvel. Deixava sempre as minhas coisas em qualquer lado e de qualquer
maneira.
- João, acorda, preciso de falar contigo.
Era difícil arrancar o meu irmão do sono
que àquela hora o afastava do meu desespero, do meu mundo. A custo lançou uma
braçada aborrecida para fora dos cobertores que o tapavam quase por completo.
Procurou as horas no rádio que o acordava todas as manhãs e voltou a encarar a
almofada como se tudo não passasse de um sonho de que nunca tinha saído.
- João, não consigo dormir. Preciso de
falar contigo.
Desta vez, soletrou algumas palavras que a
almofada teimava em sufocar.
- Procura na minha secretária. Tenho lá as
coisas do nono ano.
- Não sejas parvo, não preciso de nada
disso. Acorda!
- Vá, conta lá! O que foi desta vez? Mais
uma negativa no teste de Matemática e não sabes como contar aos pais?
- Fala baixo, ainda acordas toda a gente!
Não é nada disso. Escuta. É por causa da Catarina!
- Mau, a miúda tem de ter uma paciência
contigo! Esqueceste-te outra vez de ir ter com ela no intervalo? Já sei, não te
lembraste da data do primeiro beijo.
O João deixava-me louco com estas ideias a
rebentar de gozo. Não perdia oportunidade nenhuma para me mostrar o quanto
podia sofrer por causa da minha distração e desorganização.
- Cala-te e escuta, por favor!
- Quer dizer, acordas-me a meio da noite e
estás à espera que eu fique bem-disposto e pronto para aturar as tuas
paranoias.
- Não são paranoias! Escuta: a Catarina
recebeu uma mensagem no telemóvel. É uma história que só podia acontecer
comigo... Enfim, andou com o telemóvel da mãe uns dias porque o dela tinha
avariado. Na terça-feira, entregou-me um bilhete a dizer que eu tinha de me
afastar dela porque a última mensagem que supostamente lhe tinha enviado fora
lida pela mãe que já tinha o telemóvel de volta; uma trapalhada! Ontem, não fui
ao aniversário da Catarina mas o António e o Bernardo estiveram lá e
conseguiram trazer-me o telemóvel para eu ver a mensagem que tanto aborreceu a
senhora. Conclusão: alguém usou o meu telemóvel para lhe enviar a mensagem que
imediatamente eliminou da caixa das enviadas.
- Que bronca! E o que dizias na mensagem?
- Já te disse que não fui eu!
- Sim, avança!
- Nem imaginas, foi mesmo para me queimar
junto dos pais da Catarina! O tipo afirma em meu nome que eu e a Catarina
passamos uma noite juntos.
- Como é que sabes que foi um tipo?! Pode
muito bem ter sido uma colega tua – contrapôs, sentando-se e ajeitando a
almofada.
- Pois...
- Outra coisa: a Catarina sabe que essa
noite não existiu e que, no mínimo, tu estás a mentir ou alguém estará a
fazê-lo por ti. Será que ela não pensou nisso?
- Talvez tenha pensado que eu fiz aquilo
por brincadeira. O pior foi a mãe ter lido a mensagem. A Catarina ficou sem argumentos.
Além disso, eu sei que ela passou uma noite em casa da Beatriz na semana
passada e a mãe pode ter tirado conclusões erradas.
- Eu acho que a Catarina tem uma boa
relação com os pais. Penso que não esconde da mãe as coisas importantes da vida
dela.
- Eu sei, João. O problema sou eu: passei
por estúpido. Mesmo não tendo existido noite nenhuma, não me livro de ter
pensado nela, de ter insinuado coisas parvas. De passar por fanfarrão!
- Tens é de dormir. Mais tarde ou mais
cedo, descobrirás a solução deste enigma. Para além da Catarina, há mais alguém
interessado em ti? Pensa nisso. Agora, vou dormir, por isso, não me chateies. Outra
coisa, não faltam é miúdas giras. Vá, apaga a luz.
E deitou-se, deixando-me abandonado e
cercado pelos pensamentos. A cama aguentou serenamente os socos que derramaram
a minha fúria. Quem teria interesse nesta situação?
11
O
sono teimava. Resistia. A escuridão e o silêncio que me cercavam não me
acalmavam. Procurei o telemóvel para ver as horas e para ter algo que me
ocupasse o pensamento. Lembrei-me de que o tinha deixado a carregar na cozinha
junto à torradeira. Instintivamente, os meus pés procuraram os chinelos e
facilmente se entenderam. Ao descer as escadas, percebi que os meus pais
estavam ainda na sala e conversavam a meia voz. Parei a meio, discretamente, o
meu nome fora motivo suficiente.
-
Madalena, isso não faz sentido nenhum. O Pedro não é rapaz para essas
confusões! E ele tem namorada?! Não me tinhas dito!
-
Tem uma amiga especial. É a filha da Eduarda e do António.