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Mensagens inesperadas - 9 e 10 - Pedro pede ajuda ao João







9

- Cá está, mensagens, Catarina, António… O que é que está aqui a fazer uma mensagem tua, Tó?!
- Não é minha, parvo, é do pai da Catarina, do Dr. António! Olha aí, Pedro, essa é tua, abre-a!
Abri como quem abre um exame nacional ou mesmo um presente inesperado.


“Catarina, adorei passar contigo aquela noite! Foi fantástico. Temos de repetir…"


- Quem foi que escreveu isto? Se eu o apanho, desfaço-o.
- Vontade não te faltava de… - atreveu-se o Tó com ar sugestivo.
- Não tenhas dúvidas, dava cabo dele!
- Não, Pedro, vontade não te faltava de passar uma noite assim com a Catarina! - riu-se o António, colocando-se logo em posição de defesa.
- Não sejas palerma! É claro que sim, quer dizer, não… Já nem sei o que digo. Deixa cá ver mais.
E fui vendo todas as mensagens. Uma a uma, com a respiração suspensa.
- Não há mais nenhuma que me comprometa. Deixa-me ver novamente: foi enviada do meu telemóvel às dez horas e dois minutos de segunda-feira. Incrível! Hei de apanhar-te, palhaço, não tarda nada! Bom, já podem levar o telemóvel. Voltem lá para junto das miúdas. Amanhã conto convosco na escola.



10

A noite caíra como uma tenda que convida e ligar uma lanterna que faz surgir do escuro uma narrativa tentadora. Espalhei o corpo na cama e deixei o pensamento voar por cada pedaço dos últimos dias que analisei como quem procura respostas em todos os pormenores. Reli vezes sem conta o ultimato de Catarina. Lembrei cada palavra que ela tinha recebido no telemóvel, esperando uma pista, um indício que provasse a minha inocência. Imaginei a reação da mãe e a péssima reputação que eu passei a ter junto da família dela. As imagens faziam fila à porta da minha imaginação, acentuando o meu desespero, a minha pequenez. Patience dos Guns N' Roses invadia os meus ouvidos e acentuava a minha tristeza que se revia na desarrumação que me cercava.
Olhei o João que dormia numa ilha onde cada objeto tinha um lugar determinado. A mochila pronta para o dia seguinte, a roupa para vestir preparada ao fundo da cama. A secretária nunca tinha lápis espalhados ou livros abertos sobre o teclado, as folhas nunca se empilhavam de qualquer maneira, desejando a sorte de um dia serem encontradas. Invejava a felicidade organizada do meu irmão. Reconhecia a paciência que tinha comigo, pois partilhava o quarto com um ser que não percebia a necessidade das coisas no seu devido lugar. Culpabilizei-me, pois sabia que tinha sido devido àquela forma de estar que eu tinha dado oportunidade a alguém para usar o meu telemóvel. Deixava sempre as minhas coisas em qualquer lado e de qualquer maneira.
- João, acorda, preciso de falar contigo.
Era difícil arrancar o meu irmão do sono que àquela hora o afastava do meu desespero, do meu mundo. A custo lançou uma braçada aborrecida para fora dos cobertores que o tapavam quase por completo. Procurou as horas no rádio que o acordava todas as manhãs e voltou a encarar a almofada como se tudo não passasse de um sonho de que nunca tinha saído.
- João, não consigo dormir. Preciso de falar contigo.
Desta vez, soletrou algumas palavras que a almofada teimava em sufocar.
- Procura na minha secretária. Tenho lá as coisas do nono ano.
- Não sejas parvo, não preciso de nada disso. Acorda!
- Vá, conta lá! O que foi desta vez? Mais uma negativa no teste de Matemática e não sabes como contar aos pais?
- Fala baixo, ainda acordas toda a gente! Não é nada disso. Escuta. É por causa da Catarina!
- Mau, a miúda tem de ter uma paciência contigo! Esqueceste-te outra vez de ir ter com ela no intervalo? Já sei, não te lembraste da data do primeiro beijo.
O João deixava-me louco com estas ideias a rebentar de gozo. Não perdia oportunidade nenhuma para me mostrar o quanto podia sofrer por causa da minha distração e desorganização.
- Cala-te e escuta, por favor!
- Quer dizer, acordas-me a meio da noite e estás à espera que eu fique bem-disposto e pronto para aturar as tuas paranoias.
- Não são paranoias! Escuta: a Catarina recebeu uma mensagem no telemóvel. É uma história que só podia acontecer comigo... Enfim, andou com o telemóvel da mãe uns dias porque o dela tinha avariado. Na terça-feira, entregou-me um bilhete a dizer que eu tinha de me afastar dela porque a última mensagem que supostamente lhe tinha enviado fora lida pela mãe que já tinha o telemóvel de volta; uma trapalhada! Ontem, não fui ao aniversário da Catarina mas o António e o Bernardo estiveram lá e conseguiram trazer-me o telemóvel para eu ver a mensagem que tanto aborreceu a senhora. Conclusão: alguém usou o meu telemóvel para lhe enviar a mensagem que imediatamente eliminou da caixa das enviadas.
- Que bronca! E o que dizias na mensagem?
- Já te disse que não fui eu!
- Sim, avança!
- Nem imaginas, foi mesmo para me queimar junto dos pais da Catarina! O tipo afirma em meu nome que eu e a Catarina passamos uma noite juntos.
- Como é que sabes que foi um tipo?! Pode muito bem ter sido uma colega tua – contrapôs, sentando-se e ajeitando a almofada.
- Pois...
- Outra coisa: a Catarina sabe que essa noite não existiu e que, no mínimo, tu estás a mentir ou alguém estará a fazê-lo por ti. Será que ela não pensou nisso?
- Talvez tenha pensado que eu fiz aquilo por brincadeira. O pior foi a mãe ter lido a mensagem. A Catarina ficou sem argumentos. Além disso, eu sei que ela passou uma noite em casa da Beatriz na semana passada e a mãe pode ter tirado conclusões erradas.
- Eu acho que a Catarina tem uma boa relação com os pais. Penso que não esconde da mãe as coisas importantes da vida dela.
- Eu sei, João. O problema sou eu: passei por estúpido. Mesmo não tendo existido noite nenhuma, não me livro de ter pensado nela, de ter insinuado coisas parvas. De passar por fanfarrão!
- Tens é de dormir. Mais tarde ou mais cedo, descobrirás a solução deste enigma. Para além da Catarina, há mais alguém interessado em ti? Pensa nisso. Agora, vou dormir, por isso, não me chateies. Outra coisa, não faltam é miúdas giras. Vá, apaga a luz.
E deitou-se, deixando-me abandonado e cercado pelos pensamentos. A cama aguentou serenamente os socos que derramaram a minha fúria. Quem teria interesse nesta situação?


11


            O sono teimava. Resistia. A escuridão e o silêncio que me cercavam não me acalmavam. Procurei o telemóvel para ver as horas e para ter algo que me ocupasse o pensamento. Lembrei-me de que o tinha deixado a carregar na cozinha junto à torradeira. Instintivamente, os meus pés procuraram os chinelos e facilmente se entenderam. Ao descer as escadas, percebi que os meus pais estavam ainda na sala e conversavam a meia voz. Parei a meio, discretamente, o meu nome fora motivo suficiente.
            - Madalena, isso não faz sentido nenhum. O Pedro não é rapaz para essas confusões! E ele tem namorada?! Não me tinhas dito!
            - Tem uma amiga especial. É a filha da Eduarda e do António.

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