Avançar para o conteúdo principal

Mensagens inesperadas - 7 e 8





7

Faltavam alguns dias para o aniversário de Catarina. Nos intervalos e nas aulas não se falava de outra coisa. Todos ansiavam pelos convites que só ela sabia fazer. Mais do que lê-los, eu gostava de guardá-los. Na minha secretária, havia mesmo um lugar especial para todos os papéis que recebia de Catarina – o único local organizado do meu quarto! Ali escondia o testemunho de momentos importantíssimos, inesquecíveis. Cada bilhete era uma onda refrescante que vinha do passado.
Mas o último bilhete, ali, por cima dos outros, incomodava-me, parecia esconder todas aquelas ondas de amor. Andava preocupado, ansioso. Precisava de um bom plano para descobrir quem me tinha posto fora de jogo e recuperar novamente a confiança da Catarina.
- Então, Pedro, vais ao jantar no sábado?
- Não sei, Bernardo. A Catarina não me disse nada.
- Será que ela não vê que tu foste enganado? Que alguém te tramou?
- Calma, pessoal. Pode ser que a vassoura se vire contra o feiticeiro.
Eu soltei uma gargalhada. Só o António para me fazer rir.
- Que o feitiço se vire contra o feiticeiro - emendei.
- Ou isso. É a mesma coisa. Então vamos por partes. Eu e o Bernardo vamos a casa da Catarina no sábado. Durante a festa, procuramos o telemóvel que a professora emprestou à filha.
- E se ela dá conta? E se ele começa a tocar? - desconfiei.
- Bah! Nem pareces o mesmo, Pedro.
O Bernardo estava habituado à minha maneira de ser descontraída e confiante, por isso não entendia aquele receio.
- O telemóvel da senhora é um smart da última geração. Não te preocupes. Tenho um igual.
- É isso! Já sei! Não vai ser preciso nada disso. Durante o jantar, pedimos à professora para nos deixar telefonar aos nossos pais. Nessa altura, observamos as mensagens recebidas - propôs o António.
- E eu posso estar escondido ali perto - acrescentei.
- Está combinado.

E enlaçamos as mãos num interminável cumprimento.




8

O sábado chegou.
À hora de jantar, aproximei-me dos muros da casa da Catarina. Eram altos, impediam qualquer olhar mais curioso. Escondiam uma casa lindíssima, recuperada de forma meticulosa. O portão abria para um pátio de pedra limpa e fresca, limitado por canteiros cuja relva estava sempre aparada. Mais ao fundo, alguns arbustos e árvores de fruto marcavam o início dos campos de cultivo.
Sentei-me numa pedra ali perto, pronto para agir, mal o António e o Bernardo aparecessem com o telemóvel.
Dali podia ver os convidados. Chegavam quase todos no carro dos pais. Reparei como só alguns se despediam convenientemente. Outros, antes mesmo de o carro parar, já tinham a porta aberta e, sem um olhar sequer, saíam, batendo a porta indelicadamente.
Também a Teresa saiu disparada do carro. A mãe ainda a perseguiu com uma pergunta que ela não ouviu ou não quis ouvir. De longe, voltou-se para o carro da mãe e apontou para o telemóvel. Talvez lhe quisesse dizer que depois telefonaria.
O que se passaria lá dentro? Os meus amigos já tardavam em aparecer. Será que se tinham esquecido? Já sabia que o António tinha a mania das conquistas. Gostava de conhecer todas novidades. E as amigas da Catarina estavam especialmente sedutoras: rostos tratados, olhos brilhantes, cabelos soltos, roupa informal mas cuidada. Um encanto! Aproximei-me do portão e consegui ver o Bernardo a tentar desviá-lo para a missão combinada, mas ele não resistiu a meter conversa com a primeira que lhe apareceu:
- Então, não nos encontrámos já na escola!
Perante o espanto da rapariga, ele avançou sem medo:
- Pois, às tantas estou a confundir-te com alguma amiga minha, mas não pode ser, pois não tenho nenhuma assim tão especial, tão interessante!
Ela corou e tentou avançar para se juntar às amigas que se encontravam no extremo oposto do jardim.
- Então, vais deixar-me aqui sem ao menos me dizer o teu nome, telefone, morada, a tua idade?
Ela sorriu.
            - Ok, então só o nome dos teus pais… Além disso, tens namorado?
            Afastou-se sem lhe dizer nada.
            - Só mais uma coisa: como manténs esse corpinho e esse sorriso tão lindos?!
Então, ela voltou-se e, depois de um sorriso, chamou-o com a mão. O Bernardo estava branco. O António aproximou-se. Ela agarrou-lhe a mão e, na palma, escreveu o número do seu telemóvel, soltando apenas uma frase que o deixou suspenso numa corda a cem metros de altura:
            - Eu vou estar por aí.
            Não conseguiu mais do que segui-la com o olhar completamente hipnotizado.
            - Tó, o Pedro está à nossa espera! Já te esqueceste?!
            - Nada disso, Bernardo, é que por momentos entrei em hibernação, ou melhor, estas miúdas deixam-me a ferver! Bom, vamos a isso. Telemóvel, encontrar telemóvel.
            Foi fácil.
            - Vamos pedir à mãe da Catarina para fazer uma chamada - lembrou o Bernardo.
            - É melhor não. Ela desconfiaria. Então, com tantos amigos aqui em casa, não tem sentido pedir-lho. Think, my friend, think. Vamos levá-lo já ao Pedro. E saíram a correr.



9

- Cá está, mensagens, Catarina, António… O que é que está aqui a fazer uma mensagem tua, Tó?!
- Não é minha, parvo, é do pai da Catarina, do Dr. António! Olha aí, Pedro, essa é tua, abre-a!

Mensagens populares deste blogue

Pai, quantas ondas tem o mar?

A Clara continuava na água. Abraçava as ondas e deixava-se levar qual capitão à proa do barco da imaginação. Atracava feliz e logo se voltava para sulcar a seguinte. O pai permanecia sentado, observava aquele vaivém e também ele navegava em cada onda que beijava inocentemente a areia. - Pai, viste o meu mergulho? – perguntou, enquanto se aproximava. O pai acenou afirmativamente, evitando as palavras e o olhar. Não queria regressar daquela viagem que a imensidão sempre proporciona. A menina, curiosa, perspicaz, feita de perguntas e saberes nunca satisfeitos, sentou-se e ficou também a olhar. - Estás a ver ou estás a pensar? - As duas coisas… – respondeu o pai, inseguro. - Posso fazer-te uma pergunta? – continuou, procurando melhor posição na areia. - Sim. - Quantas ondas tem o mar? O pai levantou os óculos escuros para ver melhor o rosto da criança e não encontrou sinais de brincadeira. Reparou, sim, na dúvida que permanecia no olhar concentrado e insatisfeito.

Mãe, emprestas-me um beijinho?

A Teresa rodava no centro da sala com os braços esticados sobre a cabeça. Era uma bailarina encantada pela música, rodopiava nos braços da melodia. - Mãe, olha para mim! Vês, já sei dançar! - Linda! Que princesa tão linda! E logo a envolveu num abraço, emprestando-lhe um beijo no rosto. A menina olhou-a de uma forma inesquecível. Nos olhos, um tempo indistinto, um tempo sem tempo que reunia ali todos os tempos. O beijo provocou-lhe uma explosão interior sentida no olhar, uma alegria que se alargava no sorriso e se apertava no abraço que reafirmou à volta do pescoço da mãe. Depois afastou-se para reencontrar-se com os amigos de peluche que aguardavam pela sua imaginação. - Vem cá, pequenino, estás com frio? Agarrou-o, envolveu-o num pequeno cobertor e ofereceu-lhe um beijo demorado. O Mateus também estava na sala. Tinha reparado com curiosidade na irmã e na mãe. - Também me davas beijos assim? Como não obteve resposta, aproximou-se e encostou a cabeça no ombro da m

A primeira aventura do Sapo Toquinhas

O Sapo Toquinhas acordou e ficou muito contente. Estava um dia lindo. O Sol estendia os seus dedos quentinhos até ao rododendro. Era aí que o Toquinhas vivia com os seus pais e a sua irmã Matocas. Avançou então por entre as folhas aos saltinhos com muito cuidado para não ser visto. À sua frente começava a calçada que conduzia até à porta principal da casa. - O que haverá lá dentro? - matutava o Toquinhas. E logo recordou o conselho do Paitocas: "Nunca te aproximes daquela porta!". Mas o Toquinhas olhava a porta grande e castanha e ficava triste porque via que outros animais lá entravam todos os dias. Entrava a mosca, o mosquito, a melga, a lagartixa. Até a formiga lá entrava! Um dia, ficou à espera, quieto como uma pedra. O coração batia apressadamente! Tum! Tum! Tumtum! Tumtum! Tum! Tum! Tumtum! Tumtum! Dali até à porta eram três saltos altos e longos... De repente, viu passar o pai de Mateus com sacos de compras. O homem abriu a porta grande e