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Mensagens inesperadas - 1 e 2





1

            A curva era apertada e perigosa. Respirei fundo, reduzi habilmente para terceira, acelerei para o carro se agarrar na saída. Larguei num suspiro toda a pressão acumulada e deixei-me ir numa velocidade louca estrada fora.
De repente, senti qualquer coisa de estranho no carro: como se umas mãos poderosas o abanassem sem parar!
A estrada, ladeada por árvores frondosas, perdia-se no infinito. Os campos estendiam-se até aos montes longínquos, como uma manta feita de retalhos coloridos por onde os meus olhos passeavam espantados.
- Meu Deus! Não consigo segurar o carro!
Um vento fortíssimo abanava o carro que perdia aderência.
- Socorro! Mãe!
- Pedro. Sou eu, acorda. Abre os olhos.
- Mãe?! – reagi com surpresa, tapando com a almofada quente e fofa a caixa dos pirolitos que naquele momento estavam completamente confusos e às cabeçadas uns aos outros.
- Olha que eu...
Já sabia que a minha mãe estava a preparar-se para uma sessão de cócegas. Era remédio santo. Levantei-me num ápice para fugir daquelas mãos carinhosas e criativas. Além disso, tinha cinco minutos para me aprontar e arrumar o quarto.
Corri como um furacão para a casa de banho, enquanto a minha mãe apanhava os destroços que eu ia largando pelo caminho. Não tinha emenda! Nesses momentos, cantava sempre as minhas canções preferidas:
- We are the champions, my friends...
E ouvia logo o meu irmão a gritar:
- Bibó Porto! Carago! Este ano vamos ser campeões! Venha quem vier, até os comemos! Então, as águias perderam o pio?
Eu tinha-me calado mas não me tinha dado por vencido. Surpreendi o João na altura em que vestia a sua t-shirt preferida e que dizia do not disturb. Lancei-me sobre ele e, entre gritos e gargalhadas, rolámos pelo chão, simulando uma séria luta corpo a corpo.
- Quem é que perdeu o pio, ah!? Quem foi? Seu dragão sem dentes!?
- Mãe, tenho uma águia depenada em cima de mim!
A minha mãe já conhecia a história e não reagia. Fiz a cama, selecionei os livros, desarrumei-os na mochila e voei para a cozinha onde não aterrei para poder entrar no carro a tempo.
- Ih! Que cabeça de vento! João, esqueci-me do livro para Português. O prof vai-me matar, é a quarta vez que me esqueço! Mãe, não dá para voltar a casa, pois não?
- Nem penses nisso, estamos muito atrasados.
Ia ouvir mais um chazinho sem açúcar do meu professor de Português e comer menos um croissant para poder pagar a multa.
Respirei fundo, olhei a longa reta ladeada de casas e preparei-me para mais um dia de aulas.




2
           
            - Agora é convosco. Mais um dia pela frente. Está nas vossas mãos torná-lo útil e divertido. Mais logo, espero-vos à hora habitual. João, tens dinheiro para o bar? Ontem dei-te cinco euros.
            Eu não podia deixar escapar aquela oportunidade.
            - Isto é uma injustiça! Eu também preciso de financiamento. Tenho quatro multas da biblioteca de turma para pagar e as quotas em atraso. Sabes, mãe, a minha carteira tem andado com comportamentos muito estranhos: o dinheiro que lá entra desaparece misteriosamente.
A minha mãe, advogada há vários anos, sorriu e apresentou um bom argumento para não entrar em mais despesas:
            - Eu tenho de ir falar com o professor, tu já deves andar a pagar as quotas do próximo ano! É impossível, todas as semanas pagas quotas! Já devem ter dinheiro para comprar um livro para cada aluno da turma. João, empresta dinheiro ao Pedro, que eu não tenho aqui trocado.
            Ambos protestámos porque nos sentimos injustiçados. O João ficou como um gato pronto a atacar: o pouco que lhe restava ainda tinha de partilhar comigo!
Entrámos na escola. O João desatou a correr em direção à sala do décimo primeiro ano. As aulas tinham começado havia cinco minutos. Mais do que a falta, preocupava-o a matéria que perdia todas as manhãs. Eu parei ainda no campo de jogos para fazer uns centros para a baliza e aproveitei para ouvir as últimas novidades. Não era o único atrasado.
            - Pedro, não vais ao teste de Português? Já são nove e um quarto!
A D. Maria estava sempre atenta e preocupada com os alunos.
            Uma barra de ferro de quinhentos quilos atingira-me a cabeça! Corri para a sala.
            - Bom-dia, professor. Desculpe o atraso, mas a minha mãe...
           - Bom-dia. Não mintas! - cortou o professor, num tom de voz muito baixo, para não incomodar os meus colegas que já tinham começado o teste. - Vi o João chegar há quase dez minutos. Senta-te e concentra-te para começares.
            O professor estava certo.
            Acomodei-me e resolvi ter uma pequena conversa com o teste. Não gostava de passar quase duas horas com um desconhecido.
Tal como afirmara a minha mãe, estava nas minhas mãos tornar aquele dia útil e divertido. Comecei por torná-lo útil, resolvendo o melhor possível a prova que tinha à minha frente.




3


Daí a pouco, levantei os olhos, observando com cuidado os meus colegas, para colher discretas opiniões sobre a dificuldade do teste. Reparei que alguns manifestavam um entusiasmo contido e outros uma certa vaidade por terem previamente acertado na matéria testada. Ouvia-se a sinfonia das folhas manuseadas, viradas e dobradas, que, assim, se preparavam para receber as respostas que brotariam daquelas mentes curvadas como pontos de interrogação.

(Continua.)

            

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