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O Sapo Toquinhas já sabe porque tarda a primavera




A Clara regressava pensativa. Entrou no carro sem dizer uma palavra. A mãe achou estranho.
- Clara, está tudo bem?
Não respondeu, olhava pela janela. O pai arrancou.
As nuvens acumulavam-se no céu. Cada vez mais cinzentas, cada vez mais escuras. O vento já não se mexia, aguardava, pasmado com a construção de nuvens que acabara de originar.
O trajeto era curto. Depressa chegaram a casa. As árvores do jardim continuavam encolhidas, voltadas para dentro.
- Quando é que volta o Sol? – perguntou a Clara, enquanto saía do carro.

As camélias teimavam em colorir o inverno. Surgiam vaidosas nas mais diversas formas e cores. Também o rododendro mantinha as folhas verdes. Era aí que se escondia o Sapo Toquinhas que ficou a pensar na pergunta da Clara. Além disso, também o preocupava a ausência do Sol. Avançou até ao regador vermelho e coaxou. Nada, o Velho Vagaroso não respondeu nem apareceu vagarosamente. Onde estaria? Deu mais uns saltinhos e passou pela Pipoca que permanecia no fundo do aquário. Também não sabia de nada. O Soneca dormitava numa das traves do alpendre, resguardado do vento e da chuva.
- Procuras o Velho Vagaroso? Não está no regador. A última vez que o vi, subia pelo tronco da tília. Disse-me que queria observar as nuvens mais de perto.
- Para que quer ele ver as nuvens? Também as pode ver daqui.
- Não sei. Pareceu-me preocupado com a falta de Sol.
A tília levantava os ramos despidos. Pareciam antenas em busca de notícias, à procura do primeiro raio de Sol.
Entretanto, o Velho Vagaroso regressava da longa descida. Estava já em cima de uma das raízes que a terra descobriu, quando o Toquinhas o abordou:
- Então, Vagaroso, o que viste lá em cima?
- Estive a observar as nuvens e a conversar?
- Mas podias ver as nuvens cá de baixo!
- O que podemos ver daqui não se compara com o que podemos ver lá do alto. Um dia terás de subir para sentir a diferença.
- E com quem estiveste a conversar?
- Com as aves que regressam de terras distantes. Estamos preocupados com as nuvens. Ao subir ao topo da tília, verifiquei que as nuvens não começam nem acabam. Preenchem todo o espaço que consigo observar. E o mais grave é que não se movem. Estão paradas. Não querem sair daqui.
- E as aves sabem o motivo deste engarrafamento de nuvens?
- A velha nuvem, aquela mais longa e escura, comanda todas as outras e não as deixa seguir viagem.
O Sapo Toquinhas ficou a saber que o Velho Vagaroso estava preocupado com o estacionamento das nuvens mas mais ainda com a ausência prolongada do Sol que não conseguia chegar ao jardim. Entretanto o Soneca também se aproximou:
- Está tudo parado à espera do Sol. As folhas não rebentam, as flores não despontam. Soube que a Teimosa já não consegue aguentar as companheiras na colmeia. Também a Musculosa se queixou que em breve acabarão as reservas para o inverno. A Pipoca está desorientada e pode não conseguir acordar do longo período de sono. É urgente o regresso do Sol.
O Velho Vagaroso já conhecia estes problemas. O Sapo Toquinhas começou a ficar preocupado:
- E as aves disseram alguma coisa?
- As aves estão a chegar de outros continentes. Conhecem o céu como ninguém, pois atravessam e falam com todo o tipo de nuvens. Elas sabem muito bem o que se está a passar.
O Velho Vagaroso abanou os tentáculos em sinal de preocupação. Depois continuou:
- As nuvens recusam-se a receber água em certas partes da terra, onde as águas são escuras, repletas de substâncias que têm alterado o seu comportamento. Algumas nuvens estão mesmo muito doentes.
O Sapo Toquinhas ficou ainda mais preocupado:
- O problema é muito grave. Precisamos que as nuvens se afastem para voltarmos a ter Sol, mas também precisamos que elas voltem para recuperarmos a água.
Entretanto, lá no alto, as aves voavam em círculo. Entravam e saíam da nuvem mais negra e mais longa. A reunião parecia não ter fim.
Os amigos continuavam no jardim à espera. Não tinham ninguém que voasse tão alto, pois o Penas há muito que não os visitava.
Algum tempo depois, uma das aves voou em direção à tília e pousou num dos ramos mais baixos.
- As nuvens vão sair daqui quando o vento lhes prometer que as leva para terras seguras onde a água seja boa. As nuvens não querem transportar e distribuir água impura. Além disso, não querem voltar às terras poluídas. Aí deixará de chover.
- E o nosso jardim? – perguntou o Velho Vagaroso.
- Não falaram do vosso caso. Aqui parece estar tudo bem.
A ave regressou ao bando. O Sapo Toquinhas ainda tinha mais uma pergunta, mas já não teve tempo. Ficavam todos sem saber quanto tempo levariam as nuvens a sair dali. Regressou cada um ao seu lugar. O Soneca esticou e levantou o rabo e sentiu uma brisa agradável. Era bom sinal: o vento chegava para conversar com as nuvens.

Nesse momento, a Clara abandonou o baloiço e correu para casa. Ainda viu a ave que se afastava da tília.
- Mãe, está a chover outra vez e a ficar muito vento. É melhor guardar os estendais da roupa.
A mãe confirmou a informação da filha, olhou o céu e teve a impressão de que as nuvens se deslocavam. Na verdade, todas as nuvens reuniam em volta da velha nuvem. O vento rodopiava e aguardava pelas indicações da nuvem manda-chuva.

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