O Sol apareceu ainda envergonhado.
Espreitava atrás de algumas nuvens. Mas foi o suficiente para que todas as
plantas rebentassem de alegria. O brilho de cada folha parecia o mais lindo
sorriso. Em cada árvore despida, acordavam agora as vizinhas folhas que
abriam pequenas janelas nos ramos por onde se punham a espreitar e a contar
histórias do longo inverno passado.
A Teimosa já vagueava pelo jardim.
Aqui e ali parava para avaliar as flores que abriram tocadas pelos primeiros
raios de Sol. Sentia-lhes o perfume, observava-as em busca de néctar. Uma das
mais corajosas era a peónia. Majestosa! Irresistível! Cada pétala um desenho único
e inspirado. No alto do caule, um castelo amarelo, certo da sua beleza. O Sol
abrira as portas e foi aí que a Teimosa entrou.
O Soneca parou no banco de pedra.
Esticava as patas e o corpo para que o Sol o tocasse longamente e o
acompanhasse na sua preguiça. Olhava lentamente a Teimosa que entrava e saía da
peónia. Nem reparou no Sapo Toquinhas que saltava apressadamente em direção ao
regador vermelho que permanecia num canto do alpendre.
- Vagaroso! Vagaroso!
- Sim! – respondeu antes de
aparecer no topo do cano.
- Preciso do teu conselho! As
formigas correm perigo.
Ao lado, a Pipoca ainda estava
confusa. O Sol já brilhava, mas a água permanecia fria. Será que era tempo de
subir à pedra mais alta? Analisou o fundo do aquapipo em busca de camarões.
Precisava de energia para voltar à superfície.
- Acalma-te e conta-me o que se
passa – pediu o Velho Vagaroso.
O Sapo Toquinhas explicou que
perto do rododendro, junto ao formigueiro, havia uma grande confusão. A
Musculosa não conseguia reunir as companheiras que corriam desordenadamente em
todas as direções.
- E conseguiste perceber o que aconteceu?
De que fogem as formigas?
- A Musculosa falou-me de uma
enchente e que não tiveram tempo para sair do formigueiro de forma organizada.
O Vagaroso agitou ligeiramente os
tentáculos em busca de uma solução.
- Primeiro, é necessário agrupar
as formigas; segundo, alguém tem de entrar no formigueiro à procura de formigas
em perigo; terceiro, é urgente desviar a água.
O Sapo Toquinhas ouviu
cuidadosamente todos os conselhos. O Vagaroso não ia acompanhá-lo porque era
muito vagaroso.
- Não percebo, agora que o Sol
voltou, agora que as nuvens resolveram viajar novamente, empurradas pelo amigo
vento, continuam as inundações – lamentou-se o Toquinhas.
- É normal, há muita água
infiltrada na terra e que se desloca sem darmos conta. Pode acontecer que o
formigueiro esteja no caminho da água que ganhou muita força com a chuva dos
últimos dias.
O Sapo Toquinhas agiu
imediatamente. Depressa convenceu a Teimosa a convocar as companheiras que
apareceram com grãozinhos dourados que largaram numa zona segura. Rapidamente,
as formigas se concentraram naquele lugar agora mais calmas com o sabor e o
aroma do mel oferecido pelas abelhas.
Nesse momento, a Musculosa agradeceu
o gesto amigo e alinhou as companheiras, escolhendo as mais experientes para voltar
ao formigueiro.
- Toquinhas, vamos aguardar que
faças a tua parte. Só depois voltaremos ao interior do formigueiro para salvar
a rainha e as companheiras que a guardam.
- Eu?!
- Sim. Nós não conseguimos desviar
a água. Tu podes fazê-lo com as tuas patas.
- Mas vou demorar muito tempo a
escavar até encontrar o local.
- Não precisas. Eu já descobri um
acesso mais rápido. É por ali que a água se tem infiltrado. Vês aquela toca? –
perguntou apontando. – Era a entrada da Rastejante que há muito abandonou este
jardim. Lá no fundo, o túnel passa ao lado das nossas galerias e é nesse local
que precisas de escavar para desviar a água por outro caminho.
- Tens a certeza de que a
Rastejante já não vive lá? – perguntou o Toquinhas assustado.
A Musculosa não lhe respondeu,
apenas cruzou os braços em forma de protesto e de espanto.
- Está bem, eu vou – arriscou o
Toquinhas sem convicção.
Aproximou-se do buraco escuro e
espreitou. Coaxou. Coaxou. Coaxou. Não obteve resposta. Apenas o silêncio
escuro. Assustador. Deu dois passitos e iniciou a descida. Atrás dele a
Musculosa e algumas companheiras espreitavam para o interior da toca. Mas
depressa deixou de as ver. Escorregou depois até chegar a um lugar largo e
macio. Um finíssimo raio de luz bastava para ver que era ali que a Rastejante
descansava.
De repente, deu um salto e bateu
descontrolado na parede em frente, fazendo-a desmoronar. Ficou muito quieto e
muito, muito assustado. O que era aquilo? O medo fazia-o abrir muito os olhos em
busca da terrível Rastejante. Tinha sentido um toque numa das patas. Só podia
ser ela! Mas onde estava que não a via?
- Quem és tu? – ouviu sem perceber
de onde vinha aquela voz rouca.
- Eu sou o Sapo Toquinhas e estou
aqui para ajudar as formigas.
- És tu, Toquinhas?! Desculpa, eu
vejo mal. Não percebi que eras tu. O que fazes por aqui? Precisas de ajuda?
O Toquinhas suspirou de alívio,
afinal era a Cava-terra, a toupeira que ele raramente encontrava à superfície.
Não perdeu tempo:
- Sim, preciso muito da tua ajuda.
Ele percebera, através da parede
que ele demolira, que a Cava-terra tinha aberto uma galeria perto do
formigueiro e era por ali que a água estava a inundá-lo.
- Muito bem, vou já corrigir o meu
erro – e afastou-se a protestar com a sua zarolhice.
Entretanto, o Toquinhas regressou calmamente
à superfície. Se a Cava-terra andava por ali era porque a Rastejante já não
vivia naquela toca! Quando lá chegou, a Musculosa conversava com algumas
companheiras que lhe davam conta da novidade.
- Obrigado, Toquinhas! A água já
está a baixar. Fizeste um bom trabalho! O formigueiro está salvo.
O Toquinhas sorriu e apeteceu-lhe
dizer “Eu também, Ufa!”. Podia ter dito que a Cava-terra o ajudou. Mas não teve
tempo. As formigas já marchavam animadas para junto da rainha. Regressou também
ao seu rododendro satisfeito por ter vencido o medo.
Ao acomodar-se para descansar,
sentiu o carinho do Sol que o tocava levemente. Ficou ainda mais encantado com
a dança da Teimosa à volta da peónia amarela que parecia sorrir com o Sol que finalmente
tinha voltado.