A Teresa não
queria jantar.
- Só três
batatas e três peixes, pode ser, mãe?
Não queria
mais do que três pedaços de peixe. Batata, se possível, ainda menos.
- Aqui tens,
Teresa.
- Mãe, –
reagiu ofendida – colocaste cinco batatas!
E contou em
voz alta para que ninguém à mesa duvidasse da certeza do seu protesto.
A mãe fixou os
olhos do pai, suplicando ajuda.
Ao seu lado, a
Clara, desafiadora, imitava e ridicularizava qualquer gesto que o Mateus
fizesse.
- Mãe, a Clara
não para!
- Mas eu não
estou a fazer nada – protestou, assumindo de imediato uma postura ajuizada,
irritando ainda mais o irmão.
- Esquece,
Mateus, não valorizes. Vais ver que ela desiste – interveio a Inês, tentando
moderar a disputa.
A Teresa continuava
amuada e a contar os pedaços de peixe e de batata. Não havia forma de
desaparecerem!
- Na escola
comes sozinha?
A Teresa
acenou afirmativamente. O pai continuou:
- Quem costuma
ficar ao teu lado no refeitório?
- A Carolina.
- Eu posso ser
a Carolina. Queres que a Carolina te ajude?
- Tu não és a
Carolina! Eu é que sou! Tu és o Bernardo.
O pai aceitou
o desafio.
- Muito bem,
Carolina. Eu vou acabar primeiro do que tu.
- Tu és o
Bernardo, o Mateus é o Afonso, a Clara é a Joana, a Inês é a Maria, e a mãe é a
Catarina…
E assim
continuou a distribuir tarefas pelos inesperados amiguinhos e nem reparou nos
pedaços que, entretanto, a mãe foi acrescentando. A certa altura, fixou a Clara
por alguns segundos e perguntou:
- Clara, o que
queres ser quando fores crescida?
-
Cabeleireira!
-E tu, Mateus?
- Eu vou ser
veterinário!
- E eu vou ser
a doutora brinquedos – completou a Teresa com satisfação. Depois fitou a mãe:
- Diz, filha.
- E tu, mãe, o
que queres ser quando fores crescida?
Distraiu-se a
menina com as gargalhadas explosivas dos irmãos e não reparou no repentino
movimento do pai que se endireitou na cadeira para ouvir atentamente a resposta
da mãe. Aquela pergunta inocente, com aparência absurda, acabava de abrir uma
passagem secreta entre os dois mundos normalmente separados pouco depois da
nascença. De repente, paramos de crescer. Habituamo-nos à altura que temos e ao
mundo que daí vemos. Uma vez crescidos, crescidos ficamos. De imediato,
cortamos o cordão inicial que sempre nos obriga a crescer – sonhar.
- Mãe, o que
queres ser quando fores crescida? – insistiu a Teresa.
Mais uma vez
os irmãos reagiram divertidos. Provavelmente, já não esperava a resposta. Mas o
pai continuava à espera. Ele próprio tentava lembrar-se da última vez que tinha
crescido.
- Eu já sou
crescida, filha!
- Oh! Então já
não cresces mais?!
- Talvez… Mas
estou bem certa de que continuo a crescer contigo e com os teus irmãos. Serei
sempre da vossa altura. Daí verei o mundo. Os vossos sonhos serão também os
meus.
O pai respirou
de alívio, maravilhado!
A Teresa
inventou outra palhaçada para divertir os irmãos. A Inês guardou discretamente
a resposta.
Talvez mais
tarde, quando todos forem crescidos, estas palavras os ajudem a crescer.