A conversa ao jantar estava a
tornar-se mais séria. O Mateus fixou então o prato, na esperança de não ser o
primeiro a responder às perguntas.
- Ainda não me falaram sobre a
vossa avaliação – começou o pai.
O Mateus olhou a Clara de soslaio
e, com uma careta divertida, sugeriu-lhe que fosse a primeira a falar. O pai
percebeu a jogada e decidiu:
- Mateus, primeiro tu… um aspeto
positivo e outro onde tenhas de melhorar.
O rapaz ainda protestou, mas não
teve alternativa. Admitiu que, por vezes, se deixava levar pela imaginação, mas
que isso não seria motivo para preocupação. Dependia. É que nem sempre a
imaginação era a melhor convidada para determinadas tarefas. Só para casos de
extrema importância? Talvez. Nos outros reinava a quadrada regra. Imaginação só
para os casos fora do quadrado. Que pena!
Tinha uma certa razão o rapaz.
Quando nos vêm a pedir imaginação, já não sabemos ter imaginação. É um caminho
escuro, um sótão cheio de pó há muito encerrado. Quando lá voltamos, temos medo
de ligar a lanterna. Receamos que as formas, ali há muito quietas, se mantenham
exatamente como são. E ninguém é feliz com o que já sabe. O que nos move é
outra coisa. E essa coisa é que é… “linda”.
- Mateus, há momentos em que tens
de estar concentrado, mesmo que custe. Acredito que valorizamos mais as coisas
que conquistamos com esforço – acabou por aconselhar.
A Clara mantinha-se no lugar algo
espantada com aquela conversa.
- Agora tu, Clara. O que…
- A professora disse que eu não
posso fazer perguntas desparasitadas! – disparou.
Silêncio. Gargalhadas espreitavam
já nos olhos brilhantes que a fitavam.
- A professora disse o quê?! –
insistiu a mãe, esperando que a filha desse conta da divertida falha.
- Que não posso continuar a fazer
perguntas desparasitadas!! Porquê?!!
O Mateus não aguentou e riu, riu,
riu até às lágrimas. Doía-lhe já a barriga que afagava levemente, enquanto o
rosto corado era percorrido por lágrimas felizes.
- Que foi?!! – reagiu a Clara,
espantada, espicaçando ainda mais o riso geral.
Sim, seria mesmo desparasitada.
Que pergunta tem hoje a coragem de ser desparasitada!? Que pergunta vem pura,
livre de máscaras, de segundas e mais intenções? Que pergunta se apresenta
livre, sem medo, oportuna, pertinente? Sem percebermos, quando ganha forma, já
a pergunta vem carregada de parasitas que lhe consomem o sentido.
O pai tinha mergulhado nestas
considerações e não tinha reparado que agora era ele o motivo da risota.
- Em que estás a pensar, pai?!
- Achei a palavra interessante.
Não é fácil fazermos uma pergunta desparasitada!
- Mas não era desparasitada que a
Clara queria dizer! – esclareceu a mãe.
O pai sugeriu que já tinha
percebido!
- Eu queria dizer disparatadas,
pai. Eu não posso fazer perguntas disparatadas.
- Claro, filha. Não convém! -
concordou o pai.
Mas não estava convencido.
Afinal serão as perguntas
disparatadas perguntas desparasitadas?!