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Joga comigo!



O Mateus percorria vezes sem conta o estádio que tinha desenhado na calçada apenas com o olhar. Conduzia a bola até à baliza que o banco de pedra há muito sonhava ser - todas as pedras precisam de imaginação para renascer! O garoto fintava, rematava, celebrava. Era ali todos os golos, todos os jogadores que o sonho lhe permitia. Todos os heróis renascidos naquela calçada!
Ao lado, o pai observava aquela correria e avaliava erradamente cada toque na bola, cada remate tentado. Dali, todos lhe pareciam falhados. Talvez jogassem em estádios diferentes!
- Viste o meu remate, pai?
O pai sorriu, prisioneiro da qualidade que a brincadeira do miúdo não aceitava. Talvez não soubesse que a imaginação nunca cresceu e nunca quis ser adulta.
- Continua a treinar, filho! – foi o que conseguiu dizer. E passava-lhe a bola para que ele rematasse novamente.
- Viste o meu remate, pai?
Sim, mas continuavam em estádios diferentes. Os olhos do adulto estavam reféns de uma perfeição que não lhe deixavam ver o sorriso do miúdo que rolava feliz em cada remate.
- Viste, pai?
Continuava a sorrir, mas não tinha visto, reparava apenas na distância entre aquilo que via e aquilo que queria ver.
- Joga comigo!
Hesitou. Entrou depois no estádio. Agora no mesmo estádio. Dali, podia ver melhor. Percebeu que a baliza afinal até era pequena a avaliar pelas vezes que ele também não acertava.
- Então?! Tens de te concentrar!
E o miúdo correu com a bola em direção ao pai. Tentou a finta, passou a bola, mas o jogador não. Ficou suspenso nos braços do pai que lhe adivinhou a queda.
- Mais uma jogada, temos de ir para dentro.
- Já! Não quero! Ainda é cedo!
Tinha o miúdo tarefas para fazer, de aprender a ser adulto. Por isso não queria. O pai sabia disso. Aguardou então mais um pouco, na esperança de poder equilibrar o desejo que tinha de trazer o filho para o seu estádio e a necessidade de o deixar jogar no seu espaço e aí marcar os melhores golos da sua vida. Sem dúvida, os melhores!
- Jogo contigo mais uns minutos! Vou à baliza! – arriscou o pai.
Ele sabia que, quanto mais tempo jogasse no campo do filho, mais tempo este iria jogar no seu. Para isso, não precisava de ser um craque, nem de preencher todos os requisitos dos adultos. Ali, no mesmo campo, bastava que o banco de pedra colaborasse, se rendesse à imaginação, que o sorriso fosse mais brilhante do que os remates e que as quedas fossem sempre aparadas por um abraço.
Por vezes, o filho que queremos impede-nos de abraçar o filho que temos, pensava o pai que acabava de deixar passar a bola pelo meio das pernas para gáudio do petiz que correu de imediato para casa, onde anunciou tamanha vitória. Nem resistiu, quando a mãe lhe indicou os exercícios.
- Nem imaginas, mãe, o golo que eu marquei ao pai!
Sim, era verdade, um golo inesquecível. Faziam agora mais sentido todas as equações que lhe apareciam à frente. De quando em vez, lá voltava à imaginação que mantinha depois quietinha no lápis que rodava entre os dedos.

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