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Filho de peixe aprende a nadar


O Mateus elevou a colher e, mesmo antes de provar a sopa, hesitou, voltando a colocá-la no prato. Depois olhou fixamente o pai:
- Pai, o filho do peixe é o peixe, certo?
- Sim…?
- E o peixe sabe nadar?
- Sim.
- Sempre?
- Não conheço nenhum incapaz.
- E por acaso sabes dizer-me como aprendem os peixes a nadar?
O petiz teve ainda tempo para refazer a pergunta: queria saber se, ao nascer, logo começam a nadar.
Mas o que preocupava o pai não era a resposta que agora preparava, mas, sim, as perguntas que ele ainda não tinha feito e que apenas esperavam o momento certo. Respondeu, portanto, com cautela:
- Todos os peixes, na minha opinião, aprendem a nadar. E agora já podes comer a sopa? – perguntou, tentando escapar ao assunto.
Porém, o Mateus não encolheu a imaginação. Ficou apenas algum tempo pensativo, fazendo rolar na mesa a argola do guardanapo. Ensaiou mais uma colher que elevou lentamente. O pai respirava já, secretamente, um certo alívio.
- Pai, tenho uma pergunta para te fazer?
Era agora. Era, com certeza, ali onde ele queria chegar, o cerco apertava.
- Diz.
- Tu eras bom a Educação Física?
- Nunca fui extraordinário…
Foi preciso explicar-lhe que não tinha sido excelente e que alcançava normalmente bons resultados.
- Já imaginava… eras bom. E tu por acaso sabes que nota tirei hoje nos exercícios de ginástica?!
O pai, nos gestos do filho, percebeu uma profunda indignação, reforçada pela gargalhada que emergia no seu olhar que rapidamente se transformou em lágrimas de desencanto. Podia ter graça, mas afinal não tinha graça nenhuma.
- Imagina que tive de fazer cambalhotas para a frente, para trás, o pino, o avião, a aranha… Tu sabias fazer estes movimentos quando tinhas a minha idade?
- Tens de continuar a esforçar-te, é preciso repetir para aperfeiçoar – foi a melhor resposta que conseguiu. – Aprender dá trabalho, demora tempo, exige sacrifício.
- Nunca percebi por que motivo dizem que o filho do peixe sabe nadar!  - desabafou, provando finalmente a sopa para grande alívio do pai.
Daí a pouco, o Mateus corria pela calçada. Pontapeava, driblava e relatava o jogo onde era defesa, avançado e treinador. Um jogo onde vencia e era feliz. Pelos critérios do pai, isso bastava para lhe atribuir nota máxima.
- Queres jogar, Clara? Vais à baliza. E tu, Teresinha, também queres?
Nadavam todos naquele mar onde a imaginação atenuava as derrotas para se fixar nas vitórias. O sorriso bastava para respirar, para retemperar as forças.
Aprender é difícil, por vezes, até doloroso. O Mateus sabia já que o filho do peixe afinal tem de aprender a nadar!

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