Naquele momento, a noite despedia-se do jardim. O
vento passeava ainda por entre os ramos despidos. E, cada vez que ele
suspirava, libertava uma longa nuvem que logo gelava. Depois, suavemente, um
fino manto cobria de branco a terra.
O Sol
cumprimentou a velha noite e queixou-se do frio. Tinha frieiras na ponta dos
dedos, porque não era nada fácil acordar todas as manhãs a Natureza adormecida
e gelada! Aquele manto era um problema.
Os pequenos charcos uma dor de cabeça! Primeiro que os aquecesse era um dia de
juízo!
Debaixo do
rododendro, muito quietinho, estava o Sapo Toquinhas. Espreitava por uma
pequena abertura à espera do Sol. Dali podia ver a maldade do vento gelado que
vigiava os ramos das árvores para não os deixar brotar. Também as ervinhas se
mantinham encolhidas debaixo da terra, assustadas e geladas. Um verde apagado,
triste, à espera, era o que o Toquinhas podia ver à sua volta.
Nesse momento, o
Mateus atravessou o alpendre para entrar no carro. Logo atrás vinham as irmãs.
- Está muito frio,
Teresa, não tires o gorro! – aconselhou a Clara.
- Neve! O jardim
está cheio de neve! – apontou a Teresa.
- Não é neve, é
geada – corrigiu o Mateus.
A Teresa ficou
triste por não perceber a diferença. Porque é que não podia ser neve se era
branquinha e fria?!
Entraram no carro.
- Inês, já reparaste nas camélias? – perguntou o
Mateus.
- Diz…
- E no azevinho?
- Diz…
- Já reparaste que o azevinho mantém as folhas
sempre verdes?
- Sim, e…?
- E que as camélias estão a florir?
- Sim, e…?
-E é estranho!
- Porquê?
- Estamos no inverno! – estranhou ainda o Mateus.
Também o Toquinhas tinha reparado nas camélias. E
que o vento insistia, passava e voltava a passar, libertando o seu manto branco
vezes sem conta. E nada! Nada! As camélias continuavam como se o frio não lhes
tocasse sequer a ponta de cada folha verde e brilhante. O vento andava contrariado
e olhava-as furioso. Já o Sol, quando acordava, beijava-as, alegre e satisfeito.
Tal como ele, as camélias enfrentavam-no com coragem. Que mau feitio! Brrrrrrr!
- As camélias já foram princesas! – afirmou o
Soneca, enquanto revistava a calçada em busca de um pedacinho aquecido pelo Sol.
– Por isso é que são tão elegantes!
- Verdade?! – espantou-se o Toquinhas.
- Sim. Há muito tempo, no oriente, havia uma
princesa que casou com um príncipe muito belo mas muito resmungão e muito malvado.
Não queria que a princesa sorrisse, não queria que a princesa vestisse os mais
belos vestidos. Desejava que a sua beleza ficasse para sempre fechada num manto
de tristeza. Mas a princesa continuava à espera. Acreditava que um dia o
príncipe se transformaria.
- E depois?
- Um dia, o príncipe partiu para uma batalha e de
lá não voltou com vida. A princesa que o esperava com o mais belo vestido de
todos, feito de todas as cores e de todas as formas, ficou tão triste, tão
triste, tão triste que se transformou na mais linda flor. E onde estava ficou,
agarrada à terra.
- Como se chamava a princesa?
- Camélia!
- O que aconteceu depois?
- A princesa Camélia nunca mais perdeu a cor e o
brilho.
- E o príncipe?
- O príncipe transformou-se no vento frio que
aparece no inverno. É dele que que se escondem todas as plantinhas, é por causa
dele que as árvores deixam cair todas as folhas.
- E a princesa?
- A princesa espalhou as suas sementes por toda a
terra e, no inverno, continua verde e brilhante.
- E não tem medo do príncipe?
- Não, continua à espera que ele se transforme na
mais elegante e fresca brisa de verão! Por isso, contra o frio e contra a maldade
lhe mostra aquelas cores e aquelas formas.
- Não sabia! O nosso jardim guarda histórias bem
bonitas!
- Dizem também que são as camélias que, pela
primavera, acordam todas as plantas e as ensinam novamente a florir!
- Até o vento voltar…
- Sim.
O portão fechou-se
pouco depois do carro passar. O Mateus continuava perplexo.
-
Mãe, tu achas que as pessoas são como as camélias?
- O quê?
- Queria saber se
há pessoas como as camélias. Que eu saiba elas são capazes de florir no inverno…
não achas estranho?
Aquela pergunta
deixou no ar um silêncio inesperado. Quem é capaz de sorrir no inverno? Quem é
capaz de esperar?
- Então, mãe?!
- Estou a pensar.
E continuaram viagem.
A mãe foi pensando que também era camélia. E eram
tantos os ventos. Importante era persistir.