O Mateus estava na sala e fingia
uma distração qualquer - os olhos presos no ecrã, os ouvidos agarrados à
conversa dos pais.
-
Eu não concordo! O mundo que nós conhecemos acabou!? Que ridículo! – protestava
o pai.
-
De certa forma, o texto faz sentido.
-
Desde quando é que o teu mundo na adolescência, por exemplo, era o mundo
idealizado pelos teus pais? É uma posição extremada para causar polémica.
-
Não te esqueças de que o artigo termina de forma positiva. Afirma-se que as
crianças estão hoje melhores e que o mundo pode renascer…
-
Sim, de acordo. Mas o título!
O
Mateus resolveu intervir.
-
Mãe, posso fazer uma pergunta?
Os
pais trocaram olhares e um sorriso apoderou-se dos lábios. Aquele rapaz nunca
fazia uma pergunta sem antes lhe preparar o caminho! O silêncio foi o
sinal afirmativo.
-
Desculpa, pai, disseste há pouco que o mundo vai acabar?
Silêncio
nos olhos que procuraram o chão. Silêncio nos lábios que deixaram de sorrir.
-
Então, não estão preparados para me responder? – insistiu com traquinice.
Não,
não estavam preparados para negar o futuro àquele aprendiz que ainda lançava à
terra as sementes das árvores de que um dia fará fortes caravelas. Com elas
dobrará os cabos por achar. Também ele deixará o seu padrão, encimado pelas
suas quinas, cinzeladas pela loucura do sonho bom.
-
Não entendeste bem o que eu queria dizer – tentou o pai.
-
Desculpa, mas escutei com atenção! Tu disseste que o mundo vai acabar!
-
Entendeste mal. Falava sobre um texto que tinha acabado de ler. – Levantou-se e
continuou. - Enquanto escutares as nossas conversas aqui na sala, enquanto
fizeres perguntas difíceis, inesperadas, o mundo nunca acabará!
Enquanto eu souber onde estás,
Enquanto eu quiser ver o que vês,
Enquanto eu me sentar ao teu lado para
jogar contigo,
Enquanto eu te contar histórias,
Enquanto eu te apontar quem vale a
pena,
Enquanto eu for casa e alimento,
Enquanto eu for uma das razões do
teu futuro,
Enquanto eu te trouxer para casa,
O mundo não acaba!
Enquanto tu souberes onde estou,
Enquanto tu quiseres ver o que eu
quero ver,
Enquanto tu te sentares ao meu
lado para me ouvir,
Enquanto tu me contares as tuas
histórias,
Enquanto tu seguires quem vale a
pena,
Enquanto tu fores casa e alimento,
Enquanto tu me deres notícias das
tuas conquistas,
Enquanto tu me levares a tua casa,
O mundo não acaba!
O
Mateus reparou no silêncio do pai. A mãe descobriu-lhe uma lágrima inquieta à
procura de saída. Susteve-a, quando as suas mãos se encontraram.
-
Está descansado. O mundo não acaba. Parece que termina sempre que se torna
diferente, porém, é na diferença que ele se renova – afirmou a mãe.
-
Os marinheiros que não voltavam do fim do mundo assustavam os mais pessimistas
e incentivavam os mais curiosos. Aí o mundo acabava para uns, aí começava para
outros – concordou o pai.
Em breve, o Mateus perceberá que para uns o mundo termina na curva ali à frente, para
outros começa precisamente aí.