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O sorriso da Bisa!


Os meninos estranharam a presença da mãe na escola àquela hora. A Teresa correu para ela, seguindo pelo caminho que o sorriso abria. Os seus braços encontraram rapidamente os da mãe que a recolheram num longo abraço.
- Porque é que vieste buscar-nos? - estranhou a Clara.
- Hoje saíste mais cedo? - quis saber o Mateus.
- Depois explico melhor. Vistam os casacos, lá fora está muito frio.
Seguiram atrás da mãe que levava nos olhos a notícia que em breve encontraria forma nas palavras certas. 
O Sol ainda espreitava no horizonte, protestando com a noite que chegava ainda mais fria do que a anterior. A noite, por sua vez, defendia-se, dizendo-lhe que a culpa afinal era dele, pois andava mais afastado da Terra. Assim, não a aquecia o suficiente e os ventos frios ocupavam o seu lugar. Além disso, a noite tinha de fazer horas extraordinárias porque o Sol se levantava tarde e se deitava muito cedo. Uma desgraça!
- Olha! O Sol está a pôr-se! - apontou o Mateus.
- Sim, mas deixa um brilho inconfundível! - suspirou a mãe. -É como aquele sorriso que permanece para sempre no nosso coração!
- Estás bem, mãe?! Pareces a minha professora de Português a dizer poesias! - espantou-se o Mateus.
- Não fiques triste, mãe, amanhã, o Sol volta para nos visitar – disse a Clara.
- Eu sei – concordou a mãe, limpando disfarçadamente uma lágrima.
- Estás a chorar, mãe?! - perguntou a Clara.
- Não, foi apenas o Sol... Quer dizer, estou a chorar! – admitiu.
Ficaram todos calados. Aquela lágrima pediu tempo e silêncio. Ninguém se atreveu a fazer perguntas. Depressa chegaram a casa, onde a Inês já os esperava.
- Sentem-se aí, preciso de falar convosco.
- Podes falar, mãe - disse o Mateus que não gostava nada daquele tom de voz.
- A minha avó morreu – afirmou com todo o cuidado de que as palavras às vezes precisam.
- A nossa Bisa?!
- Estava já muito velhinha, não é, mãe? - suavizou o Mateus.
- Viveu mesmo muitos anos! Resistente como poucas! – acrescentou a Inês.
O Mateus encostou-se ao ombro da mãe. A Inês abraçou a Teresa e a Clara. Ficaram algum tempo assim. A memória trazia-lhes então tantas recordações que algumas delas se transformavam em pequenas gotinhas que percorriam o rosto de cada um.
Em cada uma o brilho de um sorriso meigo e profundo, rasgado pelo tempo e pela sabedoria.
Em cada uma o gesto longo e lento da mão que acolhe e acarinha.
Em cada uma o olhar que nos fixa e quer conhecer, o olhar que nos quer ouvir.
Em cada uma o tempo que foi e que é.
- Mãe, estive aqui a pensar... Lembras-te  dos Jogos Olímpicos? - perguntou o Mateus.
- Sim...
- E daquela tocha que os atletas transportam no início dos jogos? - continuou.
- Sim...
- Nós somos os atletas que agora levamos a chama da Bisa! Que continuamos o trajeto! Com a tocha bem no alto – disse, enquanto levantava o braço para exemplificar.
- Claro! Muito bem! É isso! – afirmou maravilhada.
Mais uma vez o silêncio.
Daí a pouco brincavam e o som de cada sorriso levantava bem alto o sorriso da Bisa!

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