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Mensagens Inesperadas - 24 e 25 - O João não encaixava naquela moldura


24

            O encontro com a Catarina deixara-me mais calmo. As ideias mais cruéis tinham sossegado e a minha imaginação voava agora por entre razões mais plausíveis. Arrancar o João do retrato que levei anos a construir era um contrassenso, mas, perante as provas que me atacaram como uma estalada inesperada, não resistia a pensar nas piores coisas. O meu irmão envolvido com aqueles tipos! Não, não podia ser! Era mau demais. Um golpe muito duro para os meus pais. Depressa recordei alguns colegas que em nada se desviavam do comportamento considerado equilibrado, adequado, e que se revelaram, repentinamente, o oposto. Ostentavam uma vida que lhes servia de máscara para ocultar uma outra no mínimo questionável, onde abundavam as noites sem dormir e a alucinação causada por substâncias a todos os níveis perigosas. Perturbavam-me, no dia seguinte, aqueles rostos cansados, descoloridos, ávidos por água. Sentados no átrio, pareciam derrotados, esquecidos, desligados da vida que fervilhava nos passos dos outros que passavam para as aulas.
            O João, definitivamente, não encaixava naquela moldura. Olhava as coisas dele por ali no quarto, como sempre, organizadas. Procurei no passado pistas, pontas soltas que agora fizessem sentido. Nada.
            - Querias falar comigo? Desculpa a demora… Que cara é essa?! Até parece que o mundo vai acabar.
            - O melhor é estares calado. Se o meu está para acabar, o teu não deve estar muito longe disso!
            - Deves estar a passar-te, não? Eu não tenho nada a ver com os desentendimentos entre ti e a Catarina.
            - Será que não? - desafiei. Nesse momento, o João hesitou, disfarçou o embaraço, escolhendo umas meias numa gaveta. - Então, não falas? Não sei como conseguiste disfarçar este tempo todo.
            - Não percebo onde queres chegar. Abre logo o jogo! Já vi que andas outra vez com a Catarina, por isso, só pode ser um problema relacionado com o futebol ou então com algum teste.
            - És parvo ou quê!? Não sabia que andavas tão atento à minha relação com a Catarina! Melhor, não sabia que agora és um Cupido destruidor que separa as pessoas. Lanças as setas venenosas pela calada e escondes o arco para ninguém ver!
            - Estás a estudar Camões, é? Há dois anos também adorei a mitologia clássica a propósito d’Os Lusíadas... Mas continuo sem perceber o teu jogo de palavras. Talvez fosse melhor ires direto ao assunto.
            - Olha, João, nunca imaginei que tu me pudesses trair. O que é que tu queres? Falamos há dias sobre aquela mensagem que a Catarina recebeu e tu até conseguiste dar-me conselhos. És um grande mentiroso! Se fosses um tipo lá da escola, resolvia já isto ao soco.
            Nesse momento, o João levantou-se, sabia que eu estava à beira de perder o controlo.
            - Não sei como conseguiste descobrir mas, está bem, admito, fui eu que lhe enviei a mensagem!
            - Estúpido! Além disso, estás metido num grande sarilho, quer dizer, estamos! Vais ter de me explicar direitinho que porcaria era aquela que foste buscar à minha mochila e que entregaste ao Eduardo e ao Xavier. E não negues, eu vi tudo nas gravações do sistema de vídeo da escola! Só não quis dizer o nome deles ao professor Luís!
            - Não sei como conseguiste, mas ainda bem! Tenho um grave problema para resolver e ainda não tive coragem para o fazer.



25

O jantar era em casa do avô Francisco. Quando entrei no carro, já todos me esperavam. As últimas palavras do João continuavam a fazer eco na minha cabeça. O que quereria ele dizer com aquilo?
Desta vez era o meu pai que conduzia, por isso, seguia atrás com o João que ouvia música e fazia questão de fingir que não dera pela minha chegada. Olhava as árvores que se mantinham firmes na escuridão que se apoderava daquele final de tarde. Era assim que ele se sentia, rodeado de dúvidas.
- Em casa do avô, quero que me contes tudo. E espero que não estejas a inventar, não gosto que me enganem. Tiveste foi sorte por a mãe ter chegado naquele momento.
- Não me aborreças! Espera, na altura certa, vais saber tudo e ainda me vais agradecer.
A minha mãe olhou-nos intrigada. Resolveu intervir.
            - Em casa do avô Francisco, queremos falar convosco.
            - O diretor da escola telefonou a marcar uma reunião para amanhã. Parece que o problema é sério. Algo relacionado com droga… Não acredito que vocês tenham alguma coisa a ver com o problema. Enfim, falamos daqui a pouco - sublinhou o meu pai.
            Estas palavras atingiram-me duramente. Além disso, o João era o único que podia defender-nos das suspeitas que o vídeo lançara sobre nós. A mensagem enviada em meu nome para o telemóvel da mãe da Catarina era agora um problema bem mais simples do que este.
            Várias questões se levantavam agora no meu pensamento: por que razão o João enviara a mensagem naquele momento, logo após a troca suspeita com o Xavier e o Eduardo? Não fazia muito sentido. Além disso, nunca tinha visto qualquer encontro entre o meu irmão e aqueles dois. Por que razão se encontraram ali os três? O que estaria escondido na minha mochila? Quem o esconderia lá? Porquê? Ansiava pelas respostas que o João podia dar-me.
Entramos em casa dos meus avós onde já nos esperavam à mesa.


26

- Senta-te também aí, João. Eu e a mãe queremos falar convosco.
O meu pai deu assim início à conversa que eu esperava desde o início do jantar. Por isso comi pouco. A cada garfada, perdia-me nos pensamentos que passavam como nuvens fustigadas por vento forte.
- O diretor da vossa escola convocou para amanhã uma reunião a propósito de substâncias ilícitas na escola e parece que vocês estão envolvidos - disparou sem eufemismos.

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