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Mensagens Inesperadas - 22 e 23 - Na solução, por vezes, está o problema!


22

            As aulas de terça-feira correram ao lado dos meus pensamentos. Respirava fundo para dar espaço à imaginação que invadia os dias seguintes na esperança de antecipar respostas que as gravações de vídeo guardavam seguramente. Não queria acreditar que algum dos nossos amigos pudesse ter-nos feito uma daquelas partidas. Por momentos, desistia da ideia de visionar as imagens para não ter de enfrentar essa possibilidade. Contudo, a curiosidade e a vontade de vingança eram irresistíveis. Abriam-se num sorriso maroto que espreitava no canto da boca.
            - Em que pensas, Pedro? Estás calado desde que entraste no carro. Passou-se alguma coisa? - a minha mãe sondava o meu olhar misterioso. - Podem passar comigo em casa do avô, ou preferem ir já para casa?
O meu irmão seguia ao lado da minha mãe. Olhava a estrada enquanto ouvia música cujo ritmo eu podia acompanhar pelo balanço do seu corpo.
            - Podemos ir todos - respondi depois de consultar o João com o olhar. - Mãe, é possível usar imagens gravadas em lugares públicos para obter informações que possam revelar provas importantes, por exemplo, para a resolução de um crime?
            - Penso que sim, mas há muitas variáveis que será necessário acautelar… Mas estás a pensar em algum caso que eu conheça?
            - Não. Esquece. Nada de especial.
            - O Pedro já reparou que na escola há câmaras de filmar por todo o lado e está com receio do que possam ter gravado - surpreendeu-me o João.
            - Deves ser parvo, não?! Receio de quê? - quis saber agarrando-lhe o ombro para que se voltasse para trás e me enfrentasse.
            - Tu lá sabes o que fazes nos intervalos - continuou, sem me olhar e voltando a colocar os headphones.
            - João, para com isso - interrompeu a minha mãe. - Pedro, explica lá a tua pergunta.
            - Já chegamos, vamos lá, pois quero muito falar com o avô - desviei da melhor forma que consegui.
            O avô Francisco já nos esperava no portão, interrompera a caminhada que fazia à volta da casa encostado a uma bengala que o ajudava nas passadas. Gostava de o ver assim, autónomo, sorridente, com o chapéu que o protegia do calor e do frio e lhe dava uma graça especial. Um adereço que não dispensava para onde quer que fosse. Com ele respeitava e era respeitado. Atrás dele, as laranjeiras esforçavam-se para aguentar o peso dos frutos que rebentavam nos ramos e disputavam o espaço disponível.
            - Então a tua nassa, Pedro? - surpreendeu-me.  - Já lá caiu algum pássaro?
- Ó avô, vejo que não se esqueceu! Acredito que em breve apanharei o primeiro.
            O João avançou para o interior da casa, deixando comigo um esgar que me deixou irritado.
- Ainda não apanhaste nenhum, mas andas muito mais feliz. Nem sei se te interessa continuar a caça, contudo, tens de continuar atento. A qualquer momento, o pássaro pode voltar a picar o isco. Sabes, eu também era como tu. Andava sempre saudavelmente distraído. Não pensava sequer na possibilidade de alguém se incomodar com a minha felicidade. Não julgava possível sequer que alguém conjeturasse planos para me fazer sofrer. Pois enganei-me! Ver-me sofrer era o prazer de muita gente!
- Nunca pensei nisso assim. Mas começo a acreditar no que dizes.
- Por incrível que pareça, às vezes, as pessoas desiludem-nos. São dominadas por um egoísmo que as controla e não as deixa suportar o sorriso daqueles que estão mesmo ali ao lado.
- Estás a querer dizer-me alguma coisa, avô? Achas que devo estar atento aos meus colegas?
- Vivem acorrentadas nas fronteiras e nas convenções que elas próprias criaram e não são capazes de sair desse quadrado que as reduz, que as subtrai!
- Avô, de quem estás a falar?
- Das pessoas, Pedro.
- Tanta amargura, como podes olhar assim para as pessoas?
- Há pessoas que amam as plantas do seu quintal e pensam que o amor tem apenas aquela medida. Porém, há pessoas que levantaram os olhos e já não têm quintal e o amor voa sem muros que o impeçam, sem nomes que o penalizam.
- Avô Francisco, continuo sem entender o que me dizes, assim de uma forma tão elaborada.
- Pedro, quero dizer-te que o bom amor não subtrai, pelo contrário, acrescenta, multiplica.
- Avô, estás a falar de quem?
- Ó filho, diz à tua avó que vou agora para o trabalho, no comboio das 7.45h. Vai ao guarda-fatos buscar um casaco quente, por favor.
Não adiantava contrariá-lo. Naquele momento, não interessava que soubesse as horas com exatidão, nem que já não tinha idade para ir trabalhar. Guardei as palavras que me ofereceu do alto da sua idade e que me deixaram desconcertado. Que sentido para aquelas palavras? Que relação com o enigma que tinha em mãos? O que me acontecera teria alguma coisa a ver com o amor?



23

            - Pedro, não sei se é possível. Vou ver o que posso fazer. Em que dia é que isso aconteceu?
            - Na segunda da semana passada, por volta das dez horas. Durante o intervalo.
            - Muito bem. Espera aqui um pouco.
            O professor Luís entrou no gabinete da direção, enquanto eu passeava os dedos pelo monitor do telemóvel, encostado à parede que naquela hora parecia não ter cor, escondida atrás dos papéis que se amontoavam, esperando que, por acaso, alguém por ali procurasse alguma informação.
            - Chega aqui, Pedro - o professor Luís fez-me sinal para entrar no gabinete. - Senta-te aí enquanto entro no sistema.
            Daí a pouco as imagens emergiram no ecrã. Endireitei-me na cadeira para ver melhor. Por momentos, senti um calor enorme nas orelhas. Lembrei-me que seria fácil encontrar imagens minhas com a Catarina.
            - Cá estamos na segunda. Vamos dar um salto até à parte da manhã. Onze… Dez e trinta….
Naquele momento largou o cursor que libertou o filme perante os nossos olhos. Alguns momentos calados foram suficientes para nova pausa no filme. O professor Luís voltou-se para mim:
- Este não o teu irmão João?!
Eu nem conseguia responder. O meu coração disparara. Ondas de calor percorreram o meu corpo descontroladamente, paralisando qualquer palavra que procurava forma na minha boca.
- Pedro, este não é o João?!
- Sim… é o meu irmão!
- Repara, não é ele que está a mexer na tua mochila e, agora, no teu telemóvel?
            Eu não queria acreditar nas imagens que me invadiam como ácido abrasador. O meu irmão, o João!? Um precipício cavou-se nas minhas costas. De repente, senti-me sem terreno, como se o meu passado se afundasse perante aquelas imagens. Também o professor Luís estava incrédulo. Retomava, vezes sem conta, o início daquele episódio e olhava fixamente um determinado momento. Comecei a estranhar aquela insistência.
            - Obrigado, professor. Não preciso de ver mais nada. Foi o meu irmão que me meteu nesta confusão. Só não percebo porquê! Que interesse é que ele tinha? Este tempo todo a disfarçar! Cheguei mesmo a falar com ele um dia à noite… Não percebo a ideia dele!
            - Quem são estes rapazes que estão ao lado do teu irmão? - quis saber o professor Luís, interrompendo bruscamente o meu lamento.
            - Não sei bem, assim de costas e com capuz é difícil.
            - Repara neste pormenor: antes de o teu irmão pegar no telemóvel, ele entregou qualquer coisa a um deles que retirou da tua mochila. O que é que o teu irmão deu aos colegas? O que trazias na mochila, Pedro?
            Fiquei petrificado, outro abismo acabara de se abrir agora à minha frente. Ficara completamente isolado, sem saída. Traído pelo próprio irmão e desacreditado perante os professores. Qualquer passo era caminho sem terra.
            - Desculpe, professor, mas não foi para isto que eu aqui vim. Há aqui um erro qualquer. Não sei o que se passou ali. Desconheço completamente o que eles estão a trocar.
            - Pedro, esta ocorrência parece-me muito grave. Terei de a comunicar à direção que, de certeza, entrará em contacto com a polícia e com os teus pais.
            - Era mesmo disso que eu precisava agora - protestei sem melhor argumento.
            - Repara bem, os rapazes têm uma atitude muito suspeita, trocam, guardam sem olhar, disfarçam e afastam-se. Fica apenas o teu irmão com um telemóvel na mão que usa, volta a guardar e segue em direção contrária. Pedro, tens até amanhã para tentar esclarecer esta situação junto da direção. Caso contrário, serás confrontado com o agente da Escola Segura que, perante estas imagens, não terá dúvidas em interrogar-te juntamente com o teu irmão.
            - Nem sei o que diga, professor. Chego com um problema e saio com dois.
            - Pois é, Pedro, a vida tem destas surpresas. Temos de estar preparados para as resolver. Se não tens nada a temer, não terás de ficar preocupado. Agora podes sair. Tenho uma reunião já de seguida.
            - De qualquer forma, obrigado, professor. Até amanhã.
            - Até amanhã, Pedro. Fala também com os teus pais. É muito importante que eles saibam o que se passa. Sabes que serão contactados pela direção.
            Saí. Caminhei mergulhado nos pensamentos. Tudo à minha volta tinha perdido a forma e a cor. Que caroço! Onde eu pensava estar a solução esperava-me um problema ainda mais grave. No telemóvel procurei o número da Catarina.
            - Sim, sou eu. Estive com o professor Luís a ver o vídeo… Não, estou ainda pior, nem vais acreditar. Vem ter ao bar.

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