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A segunda-feira chegara depressa demais.
Assim pensava a Catarina enquanto se dirigia para a escola, indiferente ao
programa que a mãe sintonizava. Apoiava a cabeça na mão direita enquanto
explorava com a outra o funcionamento do telemóvel que o tio José lhe oferecera
no sábado anterior.
- O tio José teve um gesto admirável. É um
bom homem sempre disponível para ajudar. Terei de o compensar no Natal. O que é
que lhe podemos oferecer, Catarina?
- Concordo contigo. Primeiro, foi o
computador, agora, o telemóvel. É evidente que não os utilizava, mas podia
querer algo em troca, podia vendê-los!
- Isso é verdade, está sempre na linha da
frente em matéria de novas tecnologias… Será que ele gosta daquela compota de
pera com amêndoas que eu fiz? O teu pai devora-a. Se o tio José sair ao irmão,
vai adorar. Acho que lhe vou preparar uns frasquinhos!
- Acho que ele vai adorar!
Naquele momento, o telemóvel da mãe da
Catarina tremeu para anunciar a chegada de uma mensagem de texto.
Maquinalmente, fez deslizar o polegar pelo monitor e só depois procurou com o
olhar a mensagem que entretanto emergira do fundo negro. Olhou a primeira vez
mas não entendeu a gravidade da mensagem. Era engano de certeza! Voltou a fixar
o texto que a desafiava:
“Catarina,
adorei passar contigo aquela noite! Foi fantástico. Temos de repetir…"
Desta vez abrandou e procurou um espaço na
berma para parar. Abriu e fechou a mensagem pelo menos duas vezes para confirmar
o remetente.
- Este número é do Pedro? - perguntou com um
tom que pôs Catarina em sentido.
- Acho que sim, porquê?
Depois de lhe mostrar o número, abriu a
mensagem para que Catarina lhe explicasse o sentido daquelas palavras.
- Mãe, eu não sei que parvoíce é esta! Não
sei o que isto quer dizer!
- Catarina, não me escondas nada! Na sexta,
estiveste em casa da Beatriz!
- Mãe, pelo amor de Deus! Eu não te ia
mentir dessa maneira. Essa noite nunca existiu! O Pedro deve estar louco! Só
pode estar a brincar.
- Pois, muito bem, esta é uma brincadeira
inaceitável! De mau caráter. Preciso de ver tudo esclarecido. Enquanto isso não
acontecer, não quero ver-te ao lado dele! Além disso, não permito que venha ao
teu aniversário no sábado.
A mãe da Catarina considerava aquela
mensagem, no mínimo, estranha mas era necessário esclerecê-la, por isso impunha
restrições que só ela poderia anular.
- Logo falamos ao jantar. O teu pai terá
com certeza uma opinião sobre este assunto. Agora vamos, já estamos atrasadas.
A Catarina estava desolada. O silêncio era
a melhor solução naquele momento. Sabia que aquelas palavras eram uma mentira,
mas não conseguia prová-lo com facilidade, sem deixar a menor dúvida. Tentava
lembrar-se das pessoas a quem tinha dado o número de telemóvel e que se
atreveriam a uma brincadeira daquelas. Sabia, também, que, se não tivesse
entregado o telemóvel à mãe naquela manhã, nada daquilo teria acontecido. Mas, acima de tudo, sofria por saber que o
Pedro iria ter uma enorme desilusão e que, de certeza, não tinha feito nada
daquilo. Contudo, não era uma boa altura para contrariar a mãe.
O carro parou em frente à escola.
- Espero que não te esqueças do que te
disse. E fala com o teu dt para
justificar esta falta, lembrou.
Na verdade, não tinha sido possível chegar
a tempo da aula de apoio a Matemática.
- Até logo - reagiu Catarina, enquanto
retirava a mochila da mala do carro e a pendurava no ombro direito. À sua
frente o edifício esperava-a indiferente ao seu olhar desiludido e perdido num
mar de dúvidas.
Nessa manhã, eu e o João tínhamos chegado
à escola mais cedo, pelas oito e meia, dado que a nossa mãe tinha serviço no
Porto. Fui para o bar, revi rapidamente a matéria de Geografia e ainda fui ao
campo fazer uns centros.
19
Depois de jantar, fui para o quarto.
Precisava de pensar numa armadilha capaz de apanhar o espertinho que me tinha
feito passar um mau bocado. Era necessário que Catarina me quisesse ouvir, me
desse uma oportunidade. Não resisti mais ao silêncio, à distância que me
deixavam louco de saudade e arrisquei a primeira mensagem, sempre eram
gratuitas.
"Catarina, não consigo aguentar mais.
Estás bem?"
A resposta não tardou, facto que me deixou
mais animado. Entendi que também ela queria muito falar comigo.
"Estou bem, quer dizer, dentro do
possível."
"Como eu. Estes dias sem ti foram os
mais difíceis da minha vida."
"Não exageres. Não deixaste de me
ver."
"Não brinques. Sabes muito bem que
foi um sacrifício não poder falar contigo."
"Acho que não foi só isso."
"Não percebo."
"Eu senti falta de algo mais, do teu
abraço, do teu beijo sincero e meigo."
Naquele momento, senti uma explosão de
alegria. Um arrepio percorreu o meu corpo que me obrigou a estremecer e a abrir
maquinalmente a janela. O meu irmão reagiu de pronto:
- Fecha isso, estás parvo ou quê?! Está um
frio de congelar cérebros. Arriscas-te a não pensar, ou melhor, tu já não
costumas pensar, desculpa, enganei-me. Alô, ouviste que eu disse? Ja-ne-la!
Eu não o ouvia. O João teve de fechar a
janela, enquanto soltava palavras que aliviavam a sua revolta. Eu selecionava
as palavras que melhor respondiam ao desafio de Catarina.
"Também eu senti muitas saudades dos
teus carinhos, do teu abraço."
"Sabes que as nossas mães falaram?"
"Sei."
"Desculpa aquelas palavras duras da
semana passada."
"Eu nem acredito que foste capaz de
me tratar assim. Tu sabias que não tinha acontecido nada!"
"Fui parva. Por momentos, pensei que
querias armar-te em esperto e tiveste azar. E tinha de obedecer à minha
mãe!"
"Duro foi não ter ido ao teu
aniversário."
"Também senti a tua falta."
"Sabias que descobri a mensagem que a
tua mãe recebeu no telemóvel?"
"Até me esquecia que tu não sabias.
Como conseguiste?
"No sábado, fiquei junto aos portões
da tua casa e esperei que o Tó e o Bernardo me trouxessem o telemóvel da tua mãe."
"Não acredito!"
"Eu não desisto, já devias
saber!"
"O que te disse a tua mãe da conversa
que teve com a minha?"
"Que esta trapalhada não fazia
sentido e que podíamos continuar a falar."
"Quando é que entregaste o telemóvel
à tua mãe?"
"Na segunda-feira passada, pouco
depois ela recebeu a mensagem."
"Quem sabia que tu andavas com esse
telemóvel e que o ias devolver?"
"Tu, a Beatriz, a Teresa, pelo menos."
"Elas conheciam o número da tua
mãe?"
"Não, mas quem mandou a mensagem não
precisava."
"Explica."
"Tu registaste o número como Mãe da Catarina, lembras-te?
"Verdade. Era necessário apenas saber
que ias devolvê-lo."
"Mas quem estaria interessado?"
"Duas razões: pura brincadeira, uma
partida de mau gosto, ou interesse em separar-nos."
"Não acredito na segunda."
"Não sei… Ajudas-me a fazer uma
nassa?"
"O quê?!"
"Uma ideia do meu avô. Alinhas?"
"Estou tão interessada como tu em
resolver esta questão."
"Amanhã, finge que ainda estamos
zangados."
"Ok. Beijo do tamanho do mundo."
"Outro. Adoro-te."