O Senhor Bom Dia entrou na sala e percebeu que teria de esperar muito tempo para resolver o seu problema. Retirou o papelinho e atravessou o espaço em busca de uma cadeira desocupada. Olhou cada pessoa, uma por uma, à esquerda e à direita. A todas foi desejando «Bom Dia!». Silêncio. Todas se mantiveram fechadas, perdidas nos pensamentos ou perdidas na conversa que mantinham para ocupar o tempo.
Sentou-se o Senhor Bom Dia
satisfeito por ter encontrado um lugar junto à janela. Ver as árvores era
suficiente para suavizar a espera. Não trazia nada nas mãos. Se tivesse um
telefone muito inteligente poderia tirar fotografias às árvores. Mas afastou
rapidamente do pensamento aquela estupidez. Guardar as árvores dentro do
telemóvel não serviria para nada. As árvores mudavam a cada momento e isso era
mais interessante. Mexeu-se na cadeira, para incentivar outra ideia mais feliz.
À sua frente, duas crianças
destacavam-se do grupo dos esperadores. As gargalhadas invadiam o espaço e
pareciam incomodar o trabalho das senhoras que se desconcentravam do outro lado
do balcão. Olhavam os papéis através dos óculos que penduravam na ponta do
nariz e, de vez em quando, por cima dos óculos, soltavam um olhar reprovador
abanando sapientemente a cabeça. O Senhor Bom Dia reparava divertido naquela
antipatia. Furiosas, as senhoras carimbavam com estrondo os papéis dos
clientes. Pareciam estaladas que as crianças não sentiam. Um dos esperadores
recebeu os papéis carimbados e não sentiu necessidade de ficar obrigado. Saiu
cabisbaixo. Não parecia feliz. Talvez tivesse ainda de ir esperar para outra
sala igual àquela.
Nesse momento, o Senhor Bom Dia
reparou no homem que entrava. Distinto, sorridente.
- Obrigado! Tenha um bom dia –
agradeceu a quem o deixou entrar, mantendo a porta aberta.
Era o seu velho amigo! Esperou que
atravessasse a sala e confirmou:
- Obrigado, meu caro amigo! Há
quanto tempo! Sente-se aqui!
E ficaram um ao lado do outro o
Senhor Obrigado e o Senhor Bom Dia.
As crianças, ao invés dos outros,
não esperavam, ainda não tinham aprendido a ser esperadores. Eram elas que
ocupavam o tempo. O contrário é sempre mais aborrecido. Por isso as senhoras
continuavam a carimbar com violência as folhas inocentes e os adultos contavam
em silêncio os minutos que ali dentro eram sempre mais longos. As crianças
brincavam.
- Pedra, papel ou tesoura?
- Tesoura!
- Pedra! Ganhei!
O Senhor Bom Dia não tinha reparado
mas, ao cumprimentar o amigo, tinha deixado cair o papelinho com o seu número.
Uma das crianças apanhou-o e fez um avião de papel, minúsculo, mas já dava para
voar! Voou pela sala com o amigo. Não precisavam de uma pista muito longa. Um o
capitão, outro o passageiro. No segundo voo inverteram os papéis. Os
esperadores não conseguiam voar assim. Estavam demasiado amarrados à
desconfiança. As senhoras atrás do balcão continuavam a carimbar como se
disparassem contra o avião de papel. Não era aquele o lugar apropriado para
correr com um pedaço de papel na mão. Que horror!
- Veja, amigo Obrigado, estas
crianças são como aquelas árvores lá fora.
- Não percebo onde pretende chegar,
prezado amigo.
- Quero dizer que árvores e
crianças são capazes de voar bem agarradas ao chão, à terra – explicou o Senhor
Bom Dia.
- Nunca tinha pensado nisso. E,
vendo bem, é verdade. Elas levantam os braços e descolam sem qualquer
dificuldade – concordou o Senhor Obrigado.
- Tal como as árvores, veja como os
ramos se elevam – apontou.
- Meu caro, Bom Dia, já reparou na torre
de controlo, aqueles olhares parecem dizer que se aproxima uma tempestade. Que
não está bom tempo para estas crianças voarem.
- Número dezanove. Dezanove! –
ouviu-se ao mesmo tempo que o número aparecia vermelho num ecrã.
- Sou eu, quer dizer, é a minha vez
– reagiu de pronto o Senhor Bom Dia. Dá-me licença, amigo Obrigado. Eu já
volto. E avançou decidido para o balcão número cinco.
- Bom dia!
- O seu número? – foi a resposta
que obteve.
Esperava o Senhor Bom Dia que a
senhora lhe perguntasse o nome, que lhe desejasse bom dia, que levantasse o
olhar, que o recebesse com um sorriso e só depois perguntasse ao que vinha.
- O seu número?
- Dezanove, cara senhora!
- Coloque o papel nesse cesto.
- Não sei onde o guardei. Espere um
momento.
- Sem papel não o posso atender.
O Senhor Bom Dia procurou mais uma
vez em todos os bolsos. Percorreu o chão com o olhar. Chegou até ao amigo Obrigado
que se levantou e caminhou ao encontro do amigo. Também ele procurava o número
a que o Senhor Bom Dia estava reduzido. Ofereceu-lhe o seu. Na pior das
hipóteses dividiam a meio o acrescido tempo de espera. Além disso as crianças
continuavam ali. Também as árvores.
Estavam tão concentrados na procura
que não repararam no menino que puxava o casaco do Senhor Bom Dia.
- Dezanove – disse, levantando o
papel o mais que podia. Estava no chão!
- Obrigado! – agradeceram os dois
senhores.
O dezanove foi orgulhosamente
depositado no cesto e ativou os dedos da senhora que começou imediatamente a
carimbar. Enquanto isso, o Senhor Bom Dia não deixou de reparar naquele avião
estacionado e impedido de voar. Discretamente, salvou-o, retirando-o do cesto.
- Aqui tem – concluiu a senhora,
devolvendo os papéis.
Mais nada. Voltaram ao lugar. O
Senhor Bom Dia olhou com encanto o papel mais pequeno que ainda tinha as dobras
que o fizeram voar. Escreveu no verso «Obrigado!». Por sua vez, o Senhor
Obrigado escreveu «Bom Dia!» que é como quem diz «Sê feliz!». Devolveram a
forma de avião ao papel e entregaram-no às crianças.
- Meu caro amigo, foi uma alegria
revê-lo – despediu-se o Senhor Bom Dia. – Até um dia, bom dia!
- Bom dia!
- Bom dia!
- Bom dia!
Desta
vez ouviu três vozes, três respostas que tornaram mais humano aquele espaço de
esperadores onde o avião voou ainda mais alto nas mãos daquelas crianças.