Avançar para o conteúdo principal

O Senhor Sorriso apresenta uma queixa




O Senhor sorriso saiu disposto a apresentar queixa. Estava cansado, não aguentava mais aquela situação. Contudo, entrou no carro sorridente – afinal continuava a ter razões para sorrir. Aquele era apenas um problema que resolveria facilmente com a ajuda da polícia.
Estacionou no centro da cidade e percorreu a pé o percurso até à esquadra mais próxima. Caminhou determinado, enquanto acenava amavelmente aos outros transeuntes.
- Bom dia!
- Bom dia. Faça o favor de dizer. Em que posso ajudá-lo?
- Senhor Agente, estou chocado com o que me está a acontecer ultimamente. Alguém anda a brincar com a minha cara nas redes sociais.
- Queira ir direto ao assunto, por favor.
- Sim, Claro. Resumidamente, colocaram a minha fotografia a circular nas redes sociais, sem me consultarem, contra a minha vontade. Mais grave ainda, não me revejo naquele sorriso amarelo, mais ou menos torrado, enfim, sorriso amarelo.
- Mas tem a certeza de que é o senhor?
- Sem dúvida! Veja.
E apresentou-lhe as imagens que tinha guardadas no telemóvel.
- Pelo que vejo, o nome que acompanha as imagens não coincide com o seu, Senhor Sorriso…
- Está enganado, Senhor Agente. Esse facto agrava o problema. Para me ofenderem ainda mais, alguém decidiu tratar-me por Smile! Veja bem, eu batizado Sorriso, toda a vida Sorriso, ser agora tratado por Smile! Isto é uma ofensa ou, como dizem atualmente, bullying.
- Muito bem. Então o Senhor procura o responsável por estas fotos e por esta agressão verbal.
Daí a pouco, o Senhor Sorriso assinou o texto redigido pelo Senhor Agente e saiu satisfeito. Restava esperar pelos resultados da investigação.
Parou ali perto para tomar um café numa esplanada que o convidava com a sua sombra fresca e sossegada. Entretanto, desbloqueou o telemóvel para ler as mensagens entretanto recebidas.
- Outra vez estas mensagens!? Quando é que vão acabar com esta brincadeira? Bastava escrever parabéns, felicidades, abraço… enfim!
- Senhor Sorriso, Senhor…
- Desculpe, João. Não o tinha visto. Bom dia! Quero apenas um café, por favor.
- Então esse sorriso, onde o escondeu? Vejo preocupação no seu rosto.
- Nada de especial. Descobri que alguém anda a brincar comigo.
- Eu já volto com o seu café. Hoje temos poucos clientes, terei tempo para ouvir a sua história.
O Senhor Sorriso observou as árvores orgulhosas das folhas que se espreguiçavam levadas pela brisa. Os pássaros saltavam de ramo em ramo, enquanto libertavam as mais felizes melodias. Uma cena magnífica: a luz, a cor, a forma, a melodia, o perfume das flores, a frescura da brisa.
- Só falta o seu café – arriscou o Senhor João, ao colocar a chávena na mesa e percebendo que o amigo estava maravilhado com o cenário envolvente.
- Sim, só me falta saborear este café magnífico! O aroma promete uma experiência única.
- Mas diga-me então o que o preocupa.
O Senhor Sorriso contou-lhe a sua história, acabando por assegurar que já tinha ido apresentar queixa na polícia. O Senhor João parecia não mostrar muita preocupação.
- Não me parece necessária a intervenção da polícia! – interveio para discordar.
- Não?! – reagiu com espanto e algum receio.
- Calma, eu explico. O Senhor Sorriso, pelo que me tem contado, tem família espalhada pelo mundo, certo? Muito bem, repare o amigo nestas fotos.
E mostrou-lhe as imagens no telemóvel. Observaram com atenção todos os pormenores: a forma dos lábios, a posição dos olhos, a cor do rosto.
- Note estas diferenças, não pode ser o Senhor Sorriso, são com certeza familiares seus. Onde quer que haja um sorriso, há uma fotografia parecida com a sua, meu caro amigo.
- Nunca tinha pensado nisso!
Durante algum tempo tentaram identificar a origem de cada sorriso, alguns deles até eram bem divertidos.
- Mas, meu caro João, não percebo esta cor – afirmou, mantendo ainda alguma desconfiança.
- O amarelo?!
- Sim, o amarelo. Sabe muito bem o que dizemos sobre o sorriso amarelo! Não me parece que seja um elogio. Alguém procura ofender-me com esta cor.
- E se mudar de perspetiva? Verá que o amarelo é muito mais do que esse amarelo do sorriso.
Os dois amigos encontraram o amarelo das flores, das aves, dos frutos, da chama que nos aquece.
- Parece-me uma cor cheia de vida! – admitiu o Senhor Sorriso.
- Sem dúvida. E já reparou na cor que atribuímos ao grande maestro da Natureza?
O Senhor Sorriso pensou imediatamente no Sol. Por momentos admitiu que seria ele o modelo daqueles sorrisos amarelos que invadiam as redes sociais com aquelas formas que até àquele momento pensava serem um insulto à sua imagem e importância.
Alguns dias mais tarde, recebeu uma missiva da polícia que procurava explicar-lhe o desenvolvimento da investigação levada a cabo até àquele momento. Ficou a saber que os seus descendentes procuravam expressar-se em todos os continentes e encontraram uma linguagem comum, que todos podem entender. Aquelas fotografias não eram, portanto, um insulto, mas a forma do sorriso para cada momento da vida. Ficava arquivada a investigação e o conselho para que se atualizasse e passasse a dar-se também pelo nome Smile.
              Senhor Smile! Olhou novamente as dezenas de sorrisos e sorriu, sorriu, pensando na alegria que todos eles assinalam só comparável com o Sol que se levanta e eleva com ele toda a Natureza.

Mensagens populares deste blogue

Pai, quantas ondas tem o mar?

A Clara continuava na água. Abraçava as ondas e deixava-se levar qual capitão à proa do barco da imaginação. Atracava feliz e logo se voltava para sulcar a seguinte. O pai permanecia sentado, observava aquele vaivém e também ele navegava em cada onda que beijava inocentemente a areia. - Pai, viste o meu mergulho? – perguntou, enquanto se aproximava. O pai acenou afirmativamente, evitando as palavras e o olhar. Não queria regressar daquela viagem que a imensidão sempre proporciona. A menina, curiosa, perspicaz, feita de perguntas e saberes nunca satisfeitos, sentou-se e ficou também a olhar. - Estás a ver ou estás a pensar? - As duas coisas… – respondeu o pai, inseguro. - Posso fazer-te uma pergunta? – continuou, procurando melhor posição na areia. - Sim. - Quantas ondas tem o mar? O pai levantou os óculos escuros para ver melhor o rosto da criança e não encontrou sinais de brincadeira. Reparou, sim, na dúvida que permanecia no olhar concentrado e insatisfeito.

Mãe, emprestas-me um beijinho?

A Teresa rodava no centro da sala com os braços esticados sobre a cabeça. Era uma bailarina encantada pela música, rodopiava nos braços da melodia. - Mãe, olha para mim! Vês, já sei dançar! - Linda! Que princesa tão linda! E logo a envolveu num abraço, emprestando-lhe um beijo no rosto. A menina olhou-a de uma forma inesquecível. Nos olhos, um tempo indistinto, um tempo sem tempo que reunia ali todos os tempos. O beijo provocou-lhe uma explosão interior sentida no olhar, uma alegria que se alargava no sorriso e se apertava no abraço que reafirmou à volta do pescoço da mãe. Depois afastou-se para reencontrar-se com os amigos de peluche que aguardavam pela sua imaginação. - Vem cá, pequenino, estás com frio? Agarrou-o, envolveu-o num pequeno cobertor e ofereceu-lhe um beijo demorado. O Mateus também estava na sala. Tinha reparado com curiosidade na irmã e na mãe. - Também me davas beijos assim? Como não obteve resposta, aproximou-se e encostou a cabeça no ombro da m

A primeira aventura do Sapo Toquinhas

O Sapo Toquinhas acordou e ficou muito contente. Estava um dia lindo. O Sol estendia os seus dedos quentinhos até ao rododendro. Era aí que o Toquinhas vivia com os seus pais e a sua irmã Matocas. Avançou então por entre as folhas aos saltinhos com muito cuidado para não ser visto. À sua frente começava a calçada que conduzia até à porta principal da casa. - O que haverá lá dentro? - matutava o Toquinhas. E logo recordou o conselho do Paitocas: "Nunca te aproximes daquela porta!". Mas o Toquinhas olhava a porta grande e castanha e ficava triste porque via que outros animais lá entravam todos os dias. Entrava a mosca, o mosquito, a melga, a lagartixa. Até a formiga lá entrava! Um dia, ficou à espera, quieto como uma pedra. O coração batia apressadamente! Tum! Tum! Tumtum! Tumtum! Tum! Tum! Tumtum! Tumtum! Dali até à porta eram três saltos altos e longos... De repente, viu passar o pai de Mateus com sacos de compras. O homem abriu a porta grande e