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O Sapo Toquinhas já não tem medo da tempestade








A manhã nasceu mas o Sol continuava escondido atrás das nuvens cinzentas, tão escuras, tão escuras que pareciam estar muito zangadas. Corriam umas atrás das outras, empurradas pelo poderoso vento. Também as árvores estavam inquietas, inclinavam os ramos para trás, para a frente, num ritmo descontrolado, obedecendo à vontade do vento que passava apressado.
 Nesse momento, o Sapo Toquinhas, protegido pelas folhas do rododendro, observava as nuvens, as árvores e sentia o vento forte e desconfortável. Imediatamente, percebeu que naquele lugar não estava seguro. A chuva que se aproximava assustava-o e ele não sabia o que fazer. Pensou em abrir uma toca na terra, mas não tinha tempo.
- Que é isto?! – murmurou amedrontado.
Uma linha branca e brilhante tinha acabado de percorrer o céu, dando lugar a um estrondo, estrooooondo, estroooooooooondo, mesmo aterrador.
- Não posso ficar aqui! – disse, enquanto procurava um lugar seguro que não ficasse longe. Deu um passo à frente e observou atentamente todos os canteiros. Nenhum lhe pareceu adequado. Deu mais um passo e sentiu uma pinga aventureira a bater-lhe no nariz. Voltou rapidamente para as folhas do rododendro. O coração batia aflito

tumtumtum…
tumtumtum…
tumtumtum…

Voltou a espreitar. Reparou que as escadas de granito, que conduziam ao sótão do anexo, serviam de telhado ao abrigo onde a Lucky alimentara os gatinhos. Pareceu-lhe resistente. Não hesitou e avançou,

um…
dois…
três…

Três saltos longos e chegou às escadas. Ainda sentiu as pingas da chuva que corriam atrás dele ajudadas pelo vento frio. Só parou no degrau que dava acesso ao interior daquela casota de pedra e escura. Por momentos, sentiu medo. Não sabia o que ia encontrar lá dentro.
- Onde estarão os meus amigos? – pensou. – Que falta me fazem. De certeza que o Velho Vagaroso não tem medo da chuva e do vento. Como era bom estar com ele agora! E ouvir as suas palavras calmas.
A chuva e o vento não se entendiam. Corriam um atrás do outro percorrendo todos os espaços. O Toquinhas teve de tomar uma decisão. Entrou.


- Está alguém aqui? – arriscou. – Preciso de ficar aqui enquanto a tempestade não passar. Alguém está aqui?
Nada. Ninguém respondeu. Só a chuuuuva e o vvvvvvvvvvvvventoooooooo que ficavam cada vez mais fortes, só o vvvvvvvvvvvvventoooooooo e a chuuuuva.


O Toquinhas encostou-se a uma pedra e sentiu-se protegido. Aos poucos, começou a distinguir algumas formas no escuro do abrigo.
-Está aqui alguém? – tentou de novo.
De repente um relâmpago iluminou aquela espécie de gruta. Nesse instante, viu apenas várias sombras quietas. Nem teve tempo para pensar. Deu um salto enorme, enoooooooorme, ao mesmo tempo que se ouvia o ribombar do trovão.
Aterrou numa superfície macia e mole. Quando abriu os olhos, percebeu que já conseguia ver melhor naquele espaço que permanecia mais escuro do que no exterior.
- Soneca!? És tu!? – perguntou espantado.
- Sim, somos nós – respondeu o Velho Vagaroso do alto de uma pedra bem junto ao tecto. Não dissemos nada antes de ter a certeza de que eras tu. Estamos todos aqui: a Teimosa, a Musculosa e as companheiras, o Soneca. Até a Pipoca se juntou ao grupo. Eles vieram ontem ao fim da tarde. Eu comecei a viagem há dois dias.
- Mas não me disseram nada!? Fiquei sozinho no canteiro do rododendro!
- Tu não estavas quando passamos – respondeu a Musculosa.
- Mas não deviam abandonar-me. É o primeiro inverno que passo sozinho!
- Nós sabíamos que depressa encontrarias um abrigo. Em três saltos, atravessas este jardim! – interveio o Soneca, enquanto esticava as patinhas.
- Eu não posso apanhar chuva nas asas, por isso, ao primeiro sinal, procuro um local seco e seguro.
- O meu aquário fica tão cheio nos dias de tempestade que fico sem espaço para secar a minha carapaça – explicou a Pipoca.
- O nosso formigueiro também fica inundado. Não temos alternativa até voltarem os dias de Sol – juntou-se a Musculosa.
- Temos aqui reserva de alimentos que fomos escondendo durante o verão e o outono. Com eles resistimos sem problemas durante os dias de tempestade – adiantou o Velho Vagaroso.
- Mas eu não juntei alimentos. Não vou poder ficar aqui!...
- Tu podias ter ficado debaixo do teu rododendro, podes viver dentro de água – criticou a abelha Teimosa.
- Teimosa, isso não interessa agora – atalhou o Velho Vagaroso.
O Sapo Toquinhas sabia que a água não era um problema para ele. Tinha nascido dentro de água, onde brincou com os irmãos durante muito tempo. Mas, agora, vivia no jardim.
- O teu problema não é a água. Tens medo da chuva, do vento, dos relâmpagos e dos troooooooovõoooooooooooooooooooões! – insistiu a Teimosa.
O Velho Vagaroso não deixou que a conversa avançasse.
- Cala-te, Teimosa! Isso não é verdade. Toquinhas, ouves o vento? Ouves a chuva? – Perante o aceno afirmativo, avançou. – Escuta com atenção. Escuta. Pensa agora que o vento quer levar a água da chuva a todos os cantinhos do jardim. E que o barulho que ouves são as palmas da terra que recebe com alegria a água que a refresca. A terra precisa da água para continuar a alimentar todas as plantas e todos os animais. Até os humanos precisam desta água! Sem ela não podem viver! O ruído que ouves é a festa da natureza que recebe a água que lhe traz a vida! São as palmas, o aplauso da terra!
- Então e os relâmpagos… e os trovões!?
- Toquinhas, são as nuvens que se juntam umas às outras para trazer mais chuva. Algumas são tão inexperientes que, levadas pelo vento, chocam umas com as outras – explicou a Musculosa.
- É verdade, por isso é que se ouvem aqueles ruídos – juntou-se o Soneca.
- E os relâmpagos? – perguntou ainda o Toquinhas.
O Velho Vagaroso não sabia muito bem como explicar aquelas linhas brancas que corriam tão rapidamente pelo céu que mal davam tempo para serem vistas.
- As nuvens sabem que fazem muito barulho quando chocam umas com as outras, por isso, enviam um sinal de luz antes do trovão. Dessa forma sabemos que ribombam, quando batem com as barrigas umas nas outras.
- Então vocês não têm medo?
- Não - respondeu o Velho Vagaroso. – Temos de ter cuidado, mais nada. Ficamos neste espaço, não andamos à chuva, nem ao vento. E aproveitamos para contar histórias. Basta esperar que a tempestade passe para voltarmos ao exterior.
- Se assim é, não preciso de ter medo.
- Não. Podes ficar connosco. Cada um tem o seu espaço. Tu podes ficar nesse monte de musgo que é mais húmido – aconselhou o Vagaroso.
- Mas eu não tenho alimentos de reserva – queixou-se o Toquinhas.
- Para a próxima pensas nisso com mais tempo. Por agora, não te preocupes. Vês aquela teia ali ao fundo? A velha Aranha já não vive aqui. A teia ficou.
O Sapo Toquinhas percebeu que podia ficar ali na boa companhia dos amigos. Aconchegou-se no musgo e preparou-se para descansar.
Lá fora, a chuva empurrada pelo vento, caía e a terra continuava a bater palmas. Muitas palmas. Continuavam também os sinais de luz e o Toquinhas imaginava as enormes barrigas das nuvens a baterem umas contra as outras. Os amigos repararam daí a pouco que tinha adormecido a sorrir.


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