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O Sapo Toquinhas e o carreiro das formigas



O Mateus observava lentamente o aquapipo onde vivia a Pipoca. Naquela época, ainda permanecia no fundo, camuflada e muito quieta.
            - Pai, porque é que a Tartaruga está há tantos dias assim? Podia hibernar menos tempo.
            - Temos de respeitar o ritmo dos animais – respondeu o pai que cuidava do jardim ali perto.
            - Mas os meus amigos dizem que elas podem estar acordadas durante todo o ano, para isso basta tê-las dentro de casa.
            - É melhor assim, a tartaruga pode descansar e preparar-se para o verão.
            - Eu também gostava de hibernar por uns dias.
            - Estás assim tão cansado!?
            - Um pouco, tenho estudado todos os dias.
            - Penso que tens dormido as horas suficientes. Logo que passe este período de testes, poderás descansar mais.
            Nesse momento, passavam as formigas comandadas pela Musculosa. O Mateus seguiu-as com o olhar. Aquela organização fascinava-o.

Um, dois, um, dois
Andar, descer e subir
Um, dois, um, dois
Não há tempo a perder
Um, dois, um, dois
Todo o dia no carreiro
Um, dois, um, dois
Trabalhamos sem parar
Um, dois, um, dois
Para guardar alimentos
Um, dois, um, dois
E só depois descansar
Um, dois, um, dois

Oiçam bem com atenção
Um, dois, um, dois
As formigas aqui vão
Um, dois, um, dois
Nada nos pode vencer
Um, dois, um, dois
É forte a nossa união
Um, dois, um, dois
                O Sapo Toquinhas também observava o movimento das formigas.
            - Alto! – ordenou a Musculosa.
            As formigas interromperam a marcha e esperaram alinhadas.
            - Toquinhas, tens de começar a preparar o próximo inverno. Para ficares no abrigo, é necessário que armazenes durante os dias de Sol.
            - Tenho estado a tratar disso. Não te esqueças de que prefiro caçar durante a noite. O Sol não me faz muito bem à pele.
            - Muito bem, se precisares de alguma coisa, sabes onde nos podes encontrar. Alinhar! Maaaaaaaaaaaaaaaaaarchar!
            E seguiram em direção ao formigueiro que ficava perto do rododendro. O Toquinhas ficou a vê-las, admirado com a força e com a determinação de cada uma das formigas. No último inverno, tinha percebido o quanto era importante ter alguns alimentos armazenados para os momentos mais difíceis. Até esse momento, ainda não tinha percebido o trabalho das formigas, mas agora começava a entendê-las.
            - Em que pensas? – intrometeu-se o Velho Vagaroso que apanhava Sol nos seus tentáculos.
            - Velho Vagaroso! Não te tinha visto! Estava a observar as formigas.
            - Não vejo nada que seja diferente dos outros dias…
            - Eu também não. Mas eu estava a pensar na sua organização e no seu trabalho. Elas não descansam? Não fazem outras coisas mais agradáveis?
            - Como sabes que o que elas fazem é desagradável?
            - Imagino… Todo o dia no carreiro, apanhar folhas, migalhas.
            - Queres dizer que é uma vida aborrecida?
            - Sim.
            - Não me parece, cada folha que descobrem no caminho que percorrem é uma alegria para todas. A cada dia que passa, chegam mais longe e descobrem alimentos diferentes que levam alegremente para o formigueiro. No inverno, contam as aventuras das viagens que fizeram para ensinar as mais novas. Não vejo nada de aborrecido.
            - E se cada uma for pelo caminho que quiser e à hora que for mais do seu agrado? – sugeriu o Toquinhas.
            - Achas que seriam mais felizes?
            - Talvez.
            - Há coisas que precisas de perceber, Toquinhas. As formigas necessitam de orientação. Antes de saírem do formigueiro já outras percorreram o carreiro e deixaram pistas. Assim, as que saem depois em busca de alimento procuram-no nos melhores lugares e em segurança.
            - É verdade, tens razão. Cada uma com a sua função. As mais novas aprendem com as mais velhas.
            - Como vês, o carreiro e o trabalho que fazem todos os dias não é aborrecido.
            Nesse momento, a Musculosa passava novamente pelo carreiro.

            Oiçam bem com atenção
Um, dois, um, dois
As formigas aqui vão
Um, dois, um, dois
Nada nos pode vencer
Um, dois, um, dois
É forte a nossa união
Um, dois, um, dois



O Velho Vagaroso continuou:
            - Vês como cantam. A alegria delas está no caminho que fazem e nas descobertas que ele proporciona.
            - Percebo. Queres dizer também que há tempo para tudo. Que cada tarefa tem de ser feita no momento adequado.
            - Certo. Se alguma delas resolvesse sair do formigueiro no inverno…
            O Toquinhas percebeu que as formigas eram felizes no trabalho que faziam em conjunto. Que não era aborrecido percorrer o carreiro. E será que também descansavam na altura certa?
            - Descansam, Toquinhas. E deve ser muito divertido. Contam as histórias que viveram no carreiro. Além disso, sei que, por vezes, vivem perto dos grilos e das cigarras. Imagina a música suave, encantadora que podem ouvir. Às vezes, encosto a minha concha à terra em certos lugares do jardim para ouvir a música dos grilos.
            - Pensei que só tocavam ao Sol…
            - Enganas-te. As formigas fazem grandes festas com os grilos e com as cigarras nas casas que construíram na terra, debaixo das raízes das árvores deste jardim.
            O Toquinhas ficou a imaginar as melodias e o rosto feliz das formigas.
            A Musculosa voltava para o formigueiro à frente das amigas. Era o último carregamento daquele dia.
Um, dois, um, dois
Andar, descer e subir
Um, dois, um, dois
Não há tempo a perder
Um, dois, um, dois
Todo o dia no carreiro
Um, dois, um, dois
Trabalhamos sem parar
Um, dois, um, dois
Para guardar alimentos
Um, dois, um, dois
E só depois descansar
Um, dois, um, dois
           
            O Mateus permanecia pasmado a olhar para as formigas. O pai continuava a cuidar do jardim.
            - Pai, achas que podemos aprender alguma coisa com as formigas?
            - Não tenho dúvidas, filho. Todos os animais podem ensinar-nos alguma coisa. Porque perguntas?
- Estava aqui a olhar para as formigas… como é que se chama o caminho que elas percorrem?
- Carreiro. Porquê?
- Acho que não quero hibernar tão cedo… tenho ainda muitas coisas para aprender no carreiro.
             O pai ficou a pensar no sentido daquela afirmação. 
             O Mateus foi para dentro falar com as irmãs sobre as suas descobertas.




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