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O Sapo Toquinhas aprende com o Velho Vagaroso





A Clara correu para a trotineta mal saiu do carro e depressa percorreu o espaço livre debaixo do alpendre. O Mateus sentou-se no skate e tentou apanhá-la. Como não conseguiu, logo protestou porque as rodas eram mais pequenas. E, portanto, era uma injustiça! A Teresa também queria a trotineta e por isso agarrou-a a dizer que era a sua vez! A Clara começou a chorar porque era uma injustiça! A Teresa também porque afinal não conseguia equilibrar-se sozinha.
Os pais abriram a porta de casa e entraram. A Clara, o Mateus e a Teresa permaneciam amuados.
- Gostaste de participar no espetáculo de dança? – tentou o Mateus.
- Não quero falar contigo, tu disseste que eu era batoteira – respondeu a Clara sem olhar para o irmão, enquanto cruzava os braços.
- Eu fui vestido de vermelho… Viste quando eu imitei um polícia?
A Clara não queria ceder. Fingia que não o ouvia.
- A minha roupa era especial… tinha umas meias vermelhas rotas na perna – continuou o Mateus, enquanto soltava um sorriso. A Clara não resistiu:
- Eia! Pois tinhas, era um buraco enoooooooorme! Como é que fizeste aquilo?
- Não sei, mas até ficou engraçado.
A Inês passava nesse momento.
- Vocês dançaram muito bem. Até já tenho saudades do tempo em que eu andava na dança. Os pais também gostaram. Foi um espetáculo muito bonito. Venham para dentro.
A Inês entrou seguida pela Teresa e pela Clara. O Mateus ficou mais um pouco para verificar os agapórnis. Observava-os, enquanto eles se perseguiam numa dança que só eles conheciam bem.
- O meu professor disse que a dança é poesia! – lembrou-se.

O Velho Vagaroso estava ali perto acompanhado pelo Sapo Toquinhas. Gostavam de assistir àquela dança sempre que podiam. Os agapórnis também cantavam uma melodia que percorria e preenchia todo o jardim como o aroma do jasmim que se enroscava orgulhoso no pilar de granito ali perto.
- Toquinhas, ouves esta melodia, até os meus tentáculos bailam. Que maravilha! Fecha os olhos. Vá lá, vais ouvir melhor.
O Sapo Toquinhas seguia as indicações do Velho Vagaroso e deixava que os sons se alinhassem no ouvido até se transformarem num sorriso aprovador.
Um , dois, um, dois,
Oiçam bem com atenção
Um , dois, um, dois,
A Musculosa mandou parar imediatamente todas as companheiras, quando viu o sinal de silêncio exigido pelo Vagaroso. Depressa perceberam a razão e permaneceram em silêncio a ouvir.
Silêncio.
Silêncio.
Silêncio.
As formigas estavam cansadas do trabalho. Por isso, aquele momento era único. Assim, largavam as migalhas e os pedaços de folha, enquanto a música invadia todo o seu corpo como um banho refrescante.
Depois, muito baixinho, ainda a melodia se ouvia, o Velho Vagaroso sugeriu que mantivessem os olhos fechados e que inspirassem profundamente. Todos obedeceram. Enchiam-se de ar renovador que trazia os mais estranhos perfumes do jardim. A cada inspiração um sorriso pleno de descoberta. O Sapo Toquinhas não evitou uma lágrima de satisfação.
De repente, ouviram um zumbido suave.
- É a Teimosa. Não abram os olhos. Ela vai oferecer-vos uma gotinha de mel.
Que maravilha! Que estranho! Que sabor! Tão diferente, único!
Mas não era tudo. O Velho Vagaroso queria que aquele fim de tarde ficasse marcado na memória dos seus amigos.
Convidou-os então a abrir os olhos. À frente deles estavam as mais belas camélias do jardim. Algumas tinham já deixado cair algumas pétalas. Por isso, convidou os amigos a caminhar sobre elas e esperou. O Sapo Toquinhas nem queria acreditar. Não sabia como descrever o que sentia. Era macio, aveludado, fresco! Uma explosão se sensações em cada um deles.
- Agora reparem nas pétalas, na forma, na cor. Nenhuma delas é igual. Nenhuma se repete, por isso são tão belas na diferença.

Naquele momento, o pai do Mateus veio chamá-lo.
- Vem para dentro. Começa a ficar frio.
- Pai, sabes o que é a poesia?
- Tu hoje estiveste muito bem. Movimentos mais leves… Estás a melhorar – respondeu o pai, tentando fugir à dificuldade.
- Obrigado. Mas não me respondeste.
- A poesia é muito parecida com a natureza. Para a encontrar, podemos começar por imitar a natureza.
- Como a dança dos agapornis? – perguntou enquanto entrava em casa com o pai.

Nesse momento, o Sapo Toquinhas acomodava-se debaixo do rododendro, as formigas chegavam ao formigueiro e o Velho Vagaroso recolhia-se na concha dentro do tubo do regador vermelho. Todos ainda maravilhados. Todos renovados pelo espetáculo da natureza.

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