Mal se abriu a porta que dá para o
alpendre, o Mateus deu um grito de espanto. Saltou de medo e de alegria.
Alegria por ver um animal ali tão perto, medo porque o primeiro contacto é
sempre incerto e não sabia bem o que esperar daquele felino que lhe parecia
simpático.
- Está ali um gato! Preeeeto!
E apontava para que ninguém tivesse
dúvidas. Nesse momento, já a Clara e a Teresa corriam para o gato preto que se
esticava em cima da mesa pouco incomodado com a barafunda que se tinha criado.
Que pena! Era necessário ir para a
escola!
- Logo à tarde, podemos brincar com
o gatinho? – perguntou a Clara logo que o carro iniciou a marcha.
- Não sei se ainda estará cá.
Talvez esteja apenas de passagem – respondeu a mãe.
- Se ele ficar por ali, temos de o
levar ao veterinário – exigiu a Inês.
- Sim – apoiou o pai. – Não sabemos
em que condições se encontra.
- Podíamos ter deixado alguma coisa
para ele comer – entristeceu-se a Clara.
- Não te preocupes, estes gatos
conseguem encontrar alimento – descansou-a o Mateus. Podemos é dar-lhe um nome.
- Eu gosto do gato preto! –
interrompeu a Teresa que ainda o tentava ver pela janela do carro.
-Já sei, podemos chamar-lhe “Noir”.
É um nome giro.
O pai e a mãe trocaram um sorriso.
Este miúdo sempre tinha cada ideia… “Noir”. Onde teria ele desencantado aquela
palavra. Podiam esperar “Preto”, “Negro”, “Black”… agora “Noir”!
- Mais logo, veremos o que fazer
com o gato, se ele quiser continuar em nossa casa.
O dia passou muito devagar. Nos
intervalos, o Mateus não se cansava de falar aos amigos acerca do gato que
tinha uma ferida no queixo.
- De certeza que foi atropelado,
tenho de convencer os meus pais a levá-lo ao veterinário.
- O gato nem sequer é teu! – cortou
um dos colegas que não devia gostar de gatos.
- Não é meu, mas vai ser. A minha
mãe disse que, se ele continuar lá em casa, vamos com ele ao veterinário!
- Como é que lhe vais chamar? – perguntou
outro.
- Bem, acho que lhe vamos chamar
“Noir”.
Os rapazes riram-se e fugiram a
correr. E o Mateus lá ficou à espera de alguém que quisesse ouvi-lo falar do
encontro daquela manhã e das características daquele gato que não era selvagem,
porque, quando o viu, não fugiu e parecia até querer enroscar-se nas pernas do
pai, enquanto bailava com o rabo.
Durante o jantar, o Mateus
permaneceu calado. Estava triste. Tinha preparado durante todo o dia os truques
que queria ensinar ao “Noir” durante o fim de semana que começava: “Senta”,
“Levanta”, “Deita”. Tal e qual, com voz e gesto de comando e tudo!
Mas o “Noir” não tinha ficado no
jardim, não estava na mesa do alpendre.
- Mateus, o “Noir” voltou, está lá
fora.
Todos foram à janela.
- Mãe, vamos dar-lhe um pouco de
leite – sugeriu o Mateus.
A Clara foi buscar à caixa dos
brinquedos um prato e a Teresa foi atrás dela. A Inês foi verificando no
telemóvel a qualidade das fotos que tirava ao gato preto.
Ao ver o leite, o “Noir”
aproximou-se e lambeu-o todo. O Mateus estava encantado.
- Estava cheio de fome. Acho que
ele gosta de viver em nossa casa!
A Teresa arriscava já tocar no rabo
do bichano, gesto que a Clara prontamente impediu.
- Não, Teresa, ele pode
arranhar-te.
E assim ficaram todos a vê-lo
comer.
- Pai, eu acho que o “Noir” não é
um gato.
- Não!? – surpreendeu-se. – Achas
que é uma gata?
- Sim, repara bem, olha ali na
barriguinha.
O pai disparou uma risada, dando
“mais cinco” ao Mateus pela sua capacidade de observação.
- Vamos para dentro. Deixem o gato comer.
Amanhã veremos se ainda quer ficar na nossa casa.
- Gata, mãe – gritaram todos.
A manhã chegou cheia de Sol. O pai
levantara-se cedo para tratar do jardim. Ao fundo, o anexo permanecia aberto
depois de ter sido devidamente arrumado. Cada coisa no seu devido lugar: a
lenha para o inverno, as latas com restos de tinta, os brinquedos da praia, o
escorrega que só dali saía na primavera, as bicicletas, as ferramentas.
Daquela vez tinha companhia. A
“Noir” corria atrás das borboletas para brincar com elas, dava-lhes pancadinhas
com a patinha. Ou então fingia que uma folha era um animal feroz e rolava na
erva como se estivesse a lutar entre a vida e a morte.
Quando os filhos acordaram, já o
pai tomava café descansadamente, aproveitando o silêncio tão raro e tão bom.
- A Inês ainda está a dormir? – perguntou
ao Mateus que acenou afirmativamente. – Sabem quem é que andou comigo lá fora
no jardim? - A Clara abraçou a Teresa, o Mateus levantou a cabeça. – A gatinha
preta!
- Viva! – gritaram todos.
- Podemos ir vê-la? – levantou-se o
Mateus.
- Primeiro tomam o pequeno-almoço –
regulamentou a mãe.
Depressa se aprontaram e correram
para o exterior.
- Gatinha! Gatinha!
- Noir! Noir!
- Nada. Não havia resposta. O
Mateus verificou o prato e reparou que o leite da manhã desaparecera. Era bom
sinal. Pelo menos já não tinha fome! Mas por onde andava?
- Vá lá, não fiquem tristes –
sossegou-os a Inês que entretanto também acordara. - A “Noir” pode não querer
viver só aqui. Até pode ter dono. Mais logo ela aparece.
No dia seguinte, ao fim da tarde,
enquanto o pai regava as plantas, o Mateus voltou a examinar o prato na
esperança de encontrar uma pista. O leite que reabastecera continuava lá. A
“Noir” continuava ausente. Entretanto, a mãe, que via a tristeza do filho, começou
a chamar a gata. Percorriam os dois o jardim e a calçada rodeados pela sebe de
cedros verdes e altos. A dada altura, ouviram um miar frágil e longínquo. Silêncio,
ouvido à escuta! Voltou a chamar:
- “Noir”, “Noir”.
Mais uma vez a voz frágil do animal
respondia como que a pedir ajuda. O som vinha de um dos extremos do jardim. Foi
para lá que todos correram.
- “Noir”, “Noir”.
- Miau, miau.
Mas era difícil encontrá-la no meio
das plantas verdes. O Mateus restava intrigado.
- Então ouvimos a gata mas não a
vemos, estranho!
- Está ali, está ali! – gritou a
Clara que se tinha aproximado com o pai, enquanto apontava para uma pequena
abertura ao lado da porta do último anexo. A gata estava dentro da arrecadação!
Devia estar com muita fome e sede.
- Está aí desde ontem de manhã –
concluiu o pai. – Deve ter entrado quando eu andava a jardinar. Teve muita
sorte. Vamos dar-lhe de comer e de beber.
Todos seguiram a sortuda. E foi
nesse momento que o Mateus teve uma ideia:
- Teve mesmo muita sorte, a partir
de agora vamos chamar-lhe Lucky. Lucky é um nome bonito.
A Lucky lambia o leite e abanava o
rabo, aprovando o nome escolhido pelo Mateus.
O Sapo Toquinhas estava ali perto,
debaixo do seu rododendro. Ficou feliz por terem encontrado a gata que passava
muitas vezes pelo seu jardim. Nesse momento, lembrou-se do Velho Vagaroso e das
formigas que o salvaram. Realmente a gata teve sorte! E abriu um sorriso ao
pensar na felicidade do Mateus no momento em que souber o que ele já descobrira
sobre a Lucky.
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