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Os soldados vinham de Gaia pela via que continuava para Lisboa. Em Arrifana, seguiram pelo caminho que os conduziria até Escariz e daí marchariam em direção a Viseu.
Já não havia muito tempo de Sol e por isso era
necessário apressar o passo. Os cavalos estavam a precisar de descanso e de
alimento e os legionários suspiravam por um bom naco de carne aconchegado por
um púcaro de vinho ou de cerveja. Além disso, não queriam que a noite os
apanhasse perto do Castro da Portela. Era um lugar difícil de transpor. Os
Lusitanos que o habitavam não davam tréguas aos invasores, atacavam de
surpresa, descendo velozes como cervos das citânias.
Ao chegarem a certo lugar junto do rio Ul,
avançaram pela sua margem direita, pois sabiam que mais à frente, em Mouquim,
havia uma passagem segura.
De repente, o mais velho dos soldados levantou a
mão e impôs silêncio imediato. Todos pararam e procuraram o gládio onde
apoiaram a mão expectante, enquanto os olhos procuravam ruídos antes dos
ouvidos atentos.
Nesse momento, um deles apontou discretamente o
pequeno monte que todos facilmente avistaram a pouca distância:
- Mammula! – segredou outro, provocando o
riso contido dos companheiros.
O mais avisado, o veterano, olhou-os com dureza,
pois não era tempo para pensar naquelas frivolidades! Mas, de soslaio, reparou
melhor e concordou.
- É ali que os Lusitanos sepultam os seus mortos e
honram a sua memória – explicou.
- Mas aquela cobertura de terra e pedras sobre a
anta parece uma Mammula… - insistiu divertido um dos soldados mais
novos, desenhando com as mãos um bonito seio feminino.
Repentinamente, o decano fez sinal para que todos
se escondessem atrás da vegetação. Da mamoa saíam vários homens com lanças
afiadas e, à frente, esperava-os outro grupo mais numeroso, segurando rijamente
certeiras fundas e pequenos escudos redondos. Nada podiam contra eles os
soldados romanos. Por isso, esperaram que se afastassem da mamoa, reparando que
seguiam por carreiros que ladeavam campos de cereais. Aqueles homens viviam
numa citânia ali perto!
- Não podemos continuar – decidiu o veterano. - Espera-nos
uma emboscada mais à frente. Eles saíram da anta porque o vigia que aguardava
em cima da mamoa os avisou. Esperamos aqui pela centúria que amanhã passa
também por estas terras.
O Sol tocava já o horizonte lançando os últimos
raios que tornavam ainda mais vivo o vermelho das túnicas dos soldados que
montavam naquele momento as tendas para a pernoita. Três deles, entretanto,
saíram à caça, para terem o que cear.
De manhã, o vento suave de outono antecipou a
chegada da centúria – sentia-se a marcha compassada e pesada. O decano reparou ainda
na densa coluna de pó e nos estandartes que os anunciavam.
- Sim, é verdade. Os soldados que saíram ontem para
caçar avistaram, a pouco mais de dez estádios, numeroso exército lusitano.
- Preparam-nos uma emboscada – concordou o
centurião.
- E a nossa legião não pode apoiar-nos neste
momento? – perguntou o decano.
Por momentos, houve silêncio na tenda onde reuniam
os oito decanos e o centurião.
- Não podemos contar com mais legionários. Os que
estão acampados em Braga continuam com dificuldade em dominar os Lusitanos em
Briteiros – explicou o centurião.
- Temos de seguir para Viseu, os mantimentos que
trazemos não dão para mais de oito dias – aconselhou outro dos decanos.
- Tens razão. Não é tempo de atacar estas citânias.
Em Braga, esperam pelas armas que vamos buscar a Viseu – continuou o centurião.
– Dominados os Lusitanos em Briteiros, voltaremos a estas terras. Importa agora
passar o rio e avançar por outro caminho, pela direita daquele outeiro. O rio
leva pouca água, podemos atravessar naquele vau.
Mas o decano que primeiro ali tinha chegado lembrou
que, no regresso, as chuvas de inverno tornariam impossível a passagem.
O centurião considerou seriamente as intervenções e,
por fim, decidiu:
- Temos dois dias para construir uma ponte que
usaremos no regresso.
Perante as dúvidas visíveis no rosto dos outros
comandantes continuou:
- Usaremos as pedras daquela mamoa e da anta que
ela acolhe. Dois dias.
Rapidamente os soldados deram forma à passagem
sobre o rio e discretamente marcharam sobre ela em direção a Viseu.
As lajes que antes marcavam o fim eram agora
caminho e passagem.
Entretanto, os Lusitanos enviaram soldados à terra
da mamoa, pois estavam desconfiados devido à demora dos legionários.
Ouvida a notícia da ponte da mamoa, reuniram de
emergência.
- Não mais abandonaremos aquele lugar. Os filhos da
loba não voltarão a pisar as pedras que honraram os nossos antepassados! –
decidiu o mais velho, que afirmava ter na alma a força de Viriato.
O Inverno chegou e com ele as chuvas intensas. Das
encostas que ladeavam o rio Ul, soltou-se a terra que arrastou consigo pedras e
árvores.
A ponte não aguentou a força da água e desfez-se.
As pedras da mamoa voltaram ao seio da terra e aí
permanecem, guardando estas memórias que só a imaginação pode desvendar.