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Conversa afiada

 

Entrou na caixa, conduzido pela mão que levantou suavemente a cobertura, e aconchegou-se no espaço livre ao lado dos colegas de ofício.

- Encosta-te a mim, deves estar um pouco tonto de tanto balançar naquela folha.

- Desfaço-me para dar cor àquelas formas!

- Eu cá prefiro os traços contínuos. Detesto que me façam andar para trás e para a frente, nunca sei para onde vou!

Assim falavam o verde escuro e o verde claro, lado a lado na mesma casa. Aí descansavam, após intermináveis viagens por desertos brancos onde sempre deixavam um rasto de beleza.

- Olha, agora vai o amarelo! Coitado! Vai diretamente para a composição! Nem sequer passa pela aguça! – espantou-se o verde claro.

- Assim rombudo enche mais depressa a forma do Sol – explicou o verde escuro.

- Eu prefiro trabalhar bem afiadinho, o meu risco é mais delicado.

- Mas sabes que perdes um pouco de ti sempre que te aparam?!

- E para que quero eu permanecer inteiro?! Os inteiros nunca serviram para nada! Nunca desenharam um sorriso, nunca sentiram o calor de um abraço, nunca acompanharam uma lágrima, nunca cheiraram uma flor, nunca guardaram um segredo, nunca preencheram um coração!...

- Pronto, pronto, pronto! - convenceu-se o verde escuro, procurando acalmar o amigo verde claro.

E ficaram calados, enquanto observavam o colega amarelo que percorria o círculo e acompanhava os raios quentinhos até ao telhado da casa. Repararam depois no suspiro de alívio que deixou escapar ao voltar a casa, colocado ao lado dos companheiros.

- Para a próxima não escapa! Tenho de passar pela aguça, já não tenho bico, calaram-me o bico! – confessou divertido e orgulhoso. E logo adormeceu.

- O vermelho disse-me há dias que todos somos importantes. Que não há cores melhores do que outras… – arriscou o verde escuro. Perante o silêncio do companheiro, insistiu – Nós, por exemplo, estamos em todos os desenhos. Não há um sem um pedaço de natureza! Dizem até que o verde dá cor à esperança!

- Parece-me bem: a natureza, quando promete abundância, veste-se de verde!

- E então?!

O verde claro resistiu com segurança aos argumentos do verde escuro. Chamou ainda o vermelho e o amarelo para se certificar de que naquela casa, onde todos tinham lugar, não havia importâncias destacadas.

- É um facto – reagiu o vermelho – até porque facilmente nos podemos unir para dar origem a uma cor nova e surpreendente.

- Reparem no lugar onde encostam o vosso bico – pediu o amarelo.

Olharam com cuidado. No topo da caixa havia marcas de todas as cores: o lugar onde cada um agora descansava já havia sido assinalado pela presença dos outros. Em cada lugar, um pedaço das outras cores!

O espanto foi suficiente para que o verde claro encerrasse a discussão, fazendo um sinal discreto ao vermelho que não entendeu.

- Diz?

O verde claro explicou:

- Agora és tu. Acho que vai pintar o telhado.

Todos sorriram.

Sabiam de cor a forma daquelas casas felizes onde o Sol tinha sempre lugar.

Na casa deles também.


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