O jardim
elevava-se. Parece não saber fazer outra coisa! Recebia aquela dádiva como quem
sente uma brisa de olhos fechados A chuva tocava levemente as folhas,
sussurrando-lhe sílabas que as tornava mais verdes e agradecidas.
Ele depositou
o pensamento naquela cena, procurando apenas ver. Por momentos, não queria
entender, apenas olhar tal como a chuva apenas cai. Segundos que fogem do
tempo, que o relógio não alcança, lugares vazios, praças abandonadas.
- Em que pensas?
Os ombros foram
os primeiros a responder, precipitados. O rosto permaneceu imóvel, as mãos perdidas
num ritmo qualquer contra o vidro.
O calor do
rosto que se aconchegava no ombro tornou o pedaço de jardim ainda mais
surpreendente - as cores permanecem escondidas nos nossos olhos até que um
abraço as liberte.
- Ainda não me
respondeste!
Um pássaro
regressava ao ninho que habilmente construíra entre as traves do alpendre.
- Este ano
temos mais dois ninhos!...
Ela sorriu! E
apertou ainda mais o abraço.
- Domingo é o
dia da mãe… Não sei o que possa oferecer-te. Não quero que seja mais um peixe
fora d’água…
Riram. Era
constante aquela recordação do primeiro filme que viram juntos. Horrível! E de
quem tinha sido a escolha? Riram.
- Podes
escrever…
- Não tenho
ideias.
- Olha para
mim!
Aceitou. Reparou
que os olhos têm uma linguagem única que torna as palavras redundantes. Em cada
brilho, em cada movimento, em cada lágrima, uma história. Preciso era tempo para ver, ver meigamente como quem segura uma página que liberta, palavra por
palavra, as linhas que compõem o nosso ser.
- De que te
ris agora?
- Lembras-te
daquela carteira azul que me ofereceste certo Natal?
- Mais um
peixe fora d’água!
Era melhor
escrever.
Procurou os olhos.
Quantas vezes os escutamos?
Por eles começamos a
amar, um olhar basta!
Depois perdemo-los da vista,
ficando, perigosamente,
afastados do coração.
As mães sabem
ver muito bem!
O botão fora da casa,
a cor que não se dá bem com a outra,
o
buraquinho por onde espreita o dedinho quando tiramos o sapato
e as palavras
que os olhos desmentem.
As mães não sabem subtrair
em cada gesto a multiplicação,
mesmo quando dividem.
Só as mães
sabem quando a divisão nunca é menos!
Só elas sabem
dividir assim,
a ter mais quando importa repartir.
E multiplicam
os abraços,
os beijos,
os sorrisos.
As contas de
menos nunca são exatas,
numa deriva constante e teimosa para a soma!
- Já sabes?
- O quê? –
brincou.
Ela manteve o
abraço e repararam que a chuva tinha abrandado. A terra, vaso maternal, estava
saciada e o jardim respondia ao apelo.
- Acho que já
tenho um bom título… não, não é esse.
Manteve-se o
abraço.