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Cinquenta e um centímetros



                - Pai, faz-me uma pergunta sobre mim.
                - Não percebo.
                - Sobre alguma coisa que não saibas.
                - Não é fácil fazer perguntas sobre algo que desconheço.
                - Há muitas coisas sobre mim que tu não sabes.
                - Por exemplo…
                - Pai, assim é fácil!
                O Mateus queria que o pai, qual homem do leme, desvendasse os seus segredos. 
                Que enigmas guardaria um rapaz de dez anos?!
              Caminhavam os dois na marginal. Terra e mar. Dois mundos lado a lado. O Mateus admirava a indecisão do mar, o pai a insistência – as duas possíveis, faces da mesma moeda.
                O que sabe a terra sobre o mar? O que sabe o mar sobre a terra? A praia, pedaço de terra onde se encontram, um indeciso, outro insistente, guarda os segredos de ambos. Há muito que a brisa do mar procura desvendá-los.
                Caminhavam lado a lado, dois mundos unidos na praia, plena de passado onde o presente regressa, por vezes, saudoso; ávida de futuro que o presente antecipa em cada sonho inseguro e atrevido.
                - Filho, tu és como este mar, apenas conheço aquilo que me dás em cada onda que me toca.
                - Depois dizes que eu é que falo português do Brasil! Também não entendo o que dizes.
                - Quis dizer que não conheço os teus segredos. Sei apenas aquilo que me queres contar. É como a areia da praia, só conhece o sabor da água que a toca. Depois há o mar alto, o mar largo.
                A brisa marítima tocava-os suavemente e sussurrava histórias que se alongavam até ao horizonte.
                - E não estás preocupado?
                - Porquê?
                - Por não conheceres o meu alto-mar.
                Não, não estava. O alto-mar é um lugar sem caminho, onde se chega de olhos fechados. A terra, ansiosa, invasora, nem sempre sabe ficar, quer o mar igual à terra.
                - Por exemplo, podes perguntar-me com quantos centímetros nasci.
                - Pensei que querias falar de sonhos, de segredos…
                - Vês, não sabes! Já esqueceste.
                O sorriso do petiz encontrou caminho no rosto do pai que, naquele momento, não duvidava que o filho o conhecia até ao mar alto, onde ousou quebrar os seus vedados términos.
                - Cinquenta e um centímetros!
                Era esta a medida da praia onde ambos se abraçaram.

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