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Um jogo singular


O Mateus estava sentado na bancada ao lado dos amigos. Mantinha os braços apoiados nas pernas e observava com interesse os movimentos dos jogadores. Segurava nas mãos uma pequena folha branca que agitava discretamente de vez em quando.
Em campo, o objetivo era simples e comum, marcar mais golos do que o adversário. Além disso, importava ser elegante e preciso no passe. Até aqui tudo parecia estar equilibrado. A dificuldade começava quando se comparava a velocidade dos atletas: de um lado, a velocidade explosiva, voadora, imparável; do outro, a velocidade controlada, arrastada, sorridente. De um lado os mais novos, do outro os mais velhos. Estes, mais cautelosos, não arriscavam muito em território alheio, para não deixar abandonado o jogador mais recuado - aquele que usava luvas para aguentar as chicotadas da bola que chegava sempre furiosa e cheia de pressa.
Não tardaram os golos tão desejados. Mas quase todos na mesma baliza – a dos mais velhos. Na bancada, o Mateus mantinha-se quieto. Os amigos, sempre mais efusivos, aplaudiam os golos marcados. Outros mostravam uma certa deceção, a desilusão de quem apostara na equipa errada e era agora necessário reconhecer a mais forte.
O Mateus continuava sentado, concentrado. Tinha ainda a folha na mão agora mais esquecida. Movimentava apenas os olhos. Com eles fixava as cenas que recortava por momentos naquele quadro em constante mudança. Raramente acompanhava a trajetória da bola. Preferia acompanhar o jogador parado para corrigir os atacadores ou aqueles que ficavam a rebolar no chão agarrados às canelas. Esta cena divertia-o muito, pois sabia que o sofrimento acabaria tão depressa como tinha começado.
- É falta! É falta!
Nada. O árbitro ignorava aqueles queixumes a mandava seguir.
A cada minuto que passava a derrota tornava-se cada vez mais expressiva. Mas os jogadores mais velhos continuavam a lutar.
Estranho!
Um deles, o da baliza, até batia palmas quando sofria um golo. Felicitava o goleador.
Estranho!
O Mateus observava atentamente estas atitudes desusadas.
O apito final atravessou o pavilhão como um interruptor. De imediato, todos se desligaram da bola que rolou abandonada para um canto. Os jogadores aproximaram-se da bancada para agradecer o apoio.
O Mateus reparou que também o pai se aproximava. Esperou-o na mesma posição e manteve a folha na mão.
- Então, filho, gostaste do jogo? – perguntou sorridente, estranhamente vitorioso, enquanto tirava as luvas.
- Tu perdeste, pai! – lamentou-se o Mateus. – Seis, um!
E mais não disse. Os olhos ficaram inundados, quase, quase a transbordar. E deixou cair a folha que o pai apanhou sem hesitar.
- Mas conseguimos aguentar o jogo até ao fim!
Agora o Mateus já confundia os olhos com um sorriso que despontava maroto, onde o pai encontrou uma mistura de desalento e admiração.
Finalmente, olhou para a folha branca. Leu: “Força, pai!”.
Quando de novo procurou o filho na bancada para lhe agradecer, já ele seguia longe ao lado dos amigos.

O que o Mateus levava na memória seria mais importante do que o resultado do jogo. A derrota ficava ali. Os gestos durante a derrota perdurarão, como um sorriso que nos obriga a levantar.

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