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O segredo das formigas



O Mateus desceu as escadas para anunciar com moderada preocupação:

- Andam formigas lá em cima!

Deixou a informação e dirigiu-se para a cozinha, sem dar tempo às perguntas. Ao responder-lhes ficaria implicado na solução, por isso, decidiu abandonar a sala.

 O pai levantou-se então e dirigiu-se ao local para observar a gravidade da situação.

Rapidamente encontrou e reconheceu o pelotão organizado e determinado que atravessava o corredor junto ao quarto do filho. Ao comando seguia a formiga Musculosa:

É sempre com atenção

Que saímos à procura

Da nossa alimentação,

Sempre de forma segura.

 

No carreiro, nos mantemos,

Temos sempre onde ir;

É segredo que nós temos,

Ninguém pode descobrir.

 Cada verso era um grito de união marcado pelo ritmo acertado da marcha. E o pai já os conhecia de outras visitas que a Musculosa tinha conduzido ao interior da casa. Curioso, seguiu a fila para descobrir o objetivo daquela incursão. Um pouco mais à frente, a Musculosa deu ordem para parar junto a uma folha caída, amarrotada, esquecida ao lado da secretária.

- Cercar!

E todas se alinharam à volta do objeto branco e liso, enquanto duas operárias o analisavam com as inquietas antenas. Ao sinal afirmativo, a Musculosa avançou com a ordem esperada:

- Levantar! Rodar! Marchar!

E de novo o ritmo cantado uniu as formigas em direção ao formigueiro.

 

É sempre com atenção

Que saímos à procura

Da nossa alimentação,

Sempre de forma segura.


No carreiro, nos mantemos,

Temos sempre onde ir;

É segredo que nós temos,

Ninguém pode descobrir.

 O pai não conseguia encontrar o motivo daquela escolha. Por momentos, divertiu-se com a ideia de ter um pacífico exército ao serviço da limpeza geral. Depois ficou novamente intrigado e observou a folha que as formigas orgulhosamente transportavam. Haveria ali vestígios de açúcar, uma doçura invisível aos olhos incapazes? Reparou melhor. Apenas algumas palavras bruscamente interrompidas pelas dobras descuidadas, serrana bela… na esperança de um só dia… para tão longo amor… E sorriu, deliciado com a ideia que naquele momento lhe ocorreu.

Antecipando o enorme problema que a Musculosa não conseguiria resolver, sem partir em pedaços aquele tesouro branco, abriu a porta que dava acesso ao exterior da casa e acompanhou de perto o seu regresso ao formigueiro. A Musculosa estranhou aquela facilidade, mas não perdeu tempo, sempre era melhor assim. Seria um enorme quebra-cabeças voltar a unir corretamente todos os pedaços daquela folha preciosa.

O pai observou-as ainda durante algum tempo, tentado também a marchar ao compasso das palavras.

- Então, pai? Já as encontraste? 

- Sim. Penso que está resolvido – respondeu. - Vi ali no chão, junto à tua secretária, uma folha amarrotada...

O Mateus estranhou aquela afirmação, mas acabou por confirmar:

- Sim, ontem deitei ao lixo uma folha com poemas…

- Era só para confirmar… sorte a das formigas…

O Mateus não percebeu por que razão as formigas tiveram sorte.

Novamente, o pai sorriu, imaginando que as cigarras teriam em breve companhia, palavras e música unidas num só momento! Lembrou-se de mais palavras visíveis nas ondas da folha, assi são os olhos / do meu coração.  Naquela noite, a formiga-rainha seria agraciada com as mais nobres palavras!

- Havia, com certeza, alguma coisa doce naquela folha!

- Acho que não, pai, não costumo comer no quarto.

Era preciso percorrer a folha, sondando cada milímetro, cada sílaba, cada verso, para encontrar o mais ínfimo grão de açúcar, o contentamento que nos anima e mantém no carreiro.

Ao longe ainda se ouviam as formigas, quase, quase, a entrar no formigueiro. A Musculosa ainda olhou para trás, parecia sorrir e agradecer aquele achado.

É sempre com atenção

Que saímos à procura

Da nossa alimentação,

Sempre de forma segura.

 

No carreiro, nos mantemos,

Temos sempre onde ir;

É segredo que nós temos,

Ninguém pode descobrir.


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