O Mateus desceu as escadas
para anunciar com moderada preocupação:
- Andam formigas lá em cima!
Deixou a informação e
dirigiu-se para a cozinha, sem dar tempo às perguntas. Ao responder-lhes ficaria
implicado na solução, por isso, decidiu abandonar a sala.
Rapidamente encontrou e reconheceu o pelotão organizado e determinado que atravessava o corredor junto ao quarto do filho. Ao comando seguia a formiga Musculosa:
É sempre com atenção
Que saímos à procura
Da nossa alimentação,
Sempre de forma segura.
No carreiro, nos mantemos,
Temos sempre onde ir;
É segredo que nós temos,
Ninguém pode descobrir.
- Cercar!
E todas se alinharam à
volta do objeto branco e liso, enquanto duas operárias o analisavam com as
inquietas antenas. Ao sinal afirmativo, a Musculosa avançou com a ordem
esperada:
- Levantar! Rodar! Marchar!
E de novo o ritmo cantado
uniu as formigas em direção ao formigueiro.
É sempre com atenção
Que saímos à procura
Da nossa alimentação,
Sempre de forma segura.
No carreiro, nos mantemos,
Temos sempre onde ir;
É segredo que nós temos,
Ninguém pode descobrir.
Antecipando o enorme problema
que a Musculosa não conseguiria resolver, sem partir em pedaços aquele tesouro
branco, abriu a porta que dava acesso ao exterior da casa e acompanhou de perto
o seu regresso ao formigueiro. A Musculosa estranhou aquela facilidade, mas não
perdeu tempo, sempre era melhor assim. Seria um enorme quebra-cabeças voltar a
unir corretamente todos os pedaços daquela folha preciosa.
O pai observou-as ainda
durante algum tempo, tentado também a marchar ao compasso das palavras.
- Então, pai? Já as
encontraste?
- Sim. Penso que está
resolvido – respondeu. - Vi ali no chão, junto à tua secretária, uma folha
amarrotada...
O Mateus estranhou aquela afirmação, mas acabou por confirmar:
- Sim, ontem deitei ao lixo
uma folha com poemas…
- Era só para confirmar…
sorte a das formigas…
O Mateus não percebeu por
que razão as formigas tiveram sorte.
Novamente, o pai sorriu, imaginando
que as cigarras teriam em breve companhia, palavras e música unidas num só
momento! Lembrou-se de mais palavras visíveis nas ondas da folha, assi são
os olhos / do meu coração. Naquela
noite, a formiga-rainha seria agraciada com as mais nobres palavras!
- Havia, com certeza,
alguma coisa doce naquela folha!
- Acho que não, pai, não
costumo comer no quarto.
Era preciso percorrer a
folha, sondando cada milímetro, cada sílaba, cada verso, para encontrar o mais
ínfimo grão de açúcar, o contentamento que nos anima e mantém no carreiro.
Ao longe ainda se ouviam as
formigas, quase, quase, a entrar no formigueiro. A Musculosa ainda olhou para
trás, parecia sorrir e agradecer aquele achado.
É sempre com atenção
Que saímos à procura
Da nossa alimentação,
Sempre de forma segura.
No carreiro, nos mantemos,
Temos sempre onde ir;
É segredo que nós temos,
Ninguém pode descobrir.