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Música para os nossos ouvidos!

 




- Há um concerto no Centro Cultural no próximo sábado. Podemos fazer a reserva dos bilhetes neste site.

O silêncio do ouvinte provocou outra tentativa.

- Música de câmara por solistas da Casa da Música… flauta, clarinete, trompa, fagote… Meninas, também querem ir?

- Se vocês forem, com quem é que nós ficamos? É à noite? – inquietou-se a Clara.

- Vamos todos - arriscou a mãe sem hesitar.

O pai ia reagir, mas não teve tempo. A mãe entregou-lhe o telemóvel para fazer a reserva - há sorrisos irremediáveis.  Iam ao concerto! A Teresa e a Clara abriram os olhos de espanto. Alguém queria protestar?

Era a última noite de abril. Chegava depois de um dia quente, brilhante. O jardim, exuberante, deslumbrava os sentidos! A comunhão das cores, as formas limpas e perfeitas, os perfumes intensos e puros, lugar onde os sons desalinhados encontravam o compasso certo, a sinfonia sempre desarmante, debutante.

O auditório mostrou-se acolhedor. E o silêncio era confortável, uma clareira onde as melodias esperadas teriam feliz livre-trânsito. A Clara procurou o melhor lugar ao lado dos avós. A Teresa encostou a cabeça ao ombro da mãe. Tudo seguro.

Apagaram-se as luzes. A sala era agora a câmara onde todos, felizmente, podiam entrar.

Nem uma palavra, silêncio, música! E o palco conquistou o espaço e a poesia aconteceu, agarrada aos sons que os instrumentos sabiamente articulavam.

A Teresa escutava maravilhada. Fazia aquela expressão com os olhos quando, muito abertos, ousam querer ouvir mais do que os ouvidos. E tiveram livre-trânsito aquelas melodias. Vinham de longe, diálogos que no palco se cruzavam para depois percorrer toda a câmara. Quatro vozes que contavam histórias, todas tecidas pelo sopro e pelos dedos, fios que ondeavam e se enlaçavam para dar corpo à maravilhosa peça que em todos se completava. E a Clara acompanhava, envolta numa expressão séria, talvez intrigada com a vertiginosa agilidade dos músicos.

- Gostaste, pai? – perguntou a Clara já de regresso a casa.

Sim! Sabia que a música, tal como a poesia, não se agarra apenas às biografias nem se reduz ao olhar dos outros. Era também um percurso pessoal, uma descoberta. E estava certo de que através dela chegava mais perto da beleza, do absoluto que todos buscamos. Naquela noite, a humanidade tinha mostrado mais um pedacinho da sua luz, da sua grandeza.

- Foi música para os nossos ouvidos!  - agradeceu.

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