O rapaz estava ensimesmado no sofá,
esquecido das pernas e dos braços que mantinha em posições acrobáticas. Conservava na cabeça o capuz para criar uma fronteira com o mundo que todos os
dias descobria qual alpinista destemido. Aterrara havia pouco tempo, vindo do
reino onde sempre vivera, um círculo perfeito, luminoso, uma brancura ingénua e
feliz. Agora percorria as ruas de um outro cheio de cores e brilhos confusos,
onde o branco parecia branco. Um labirinto onde, por vezes, já não era uma vez. Sem volver
os olhos, perguntou:
- Pai, ouvi dizer que és um romântico, é
verdade?
O adulto olhou-o fixamente por momentos, em
silêncio. Percebeu que não ia encontrar os olhos do filho que acompanhava com
algum interesse o decorrer de uma série policial. Às vezes, encontramos nos
olhos o caminho da resposta que as palavras em ponto de interrogação não sabem
antecipar. Arriscou então uma graça:
- Não me digas que estás apaixonado?
O rapaz reagiu com espanto à inesperada
pergunta.
- Pai, não fujas à pergunta. Alguém me
disse que és um romântico. Só tens de me dizer se é verdade?
Verdade? Antes da resposta irromper agarrada
às palavras, o adjetivo obrigou-o a considerações que deixaram o rapaz
impaciente.
- Sim ou não?! - forçou.
Silêncio. Podia googlar, mas a resposta
seria despojada, desenraizada, sem passado, sem compasso.… Por isso, foi
aguardando, ora fixando o pai, ora acompanhando o estado da narrativa policial.
- Significa estar apaixonado? Pelo menos
era isso o que me dizias há pouco… - tentou.
O pai fixou-o novamente, deixando-o
perceber a sua concordância. Mas o silêncio que de novo se seguiu obrigou-o a
mais uma aborrecida espera. O que dizer sobre o amor àquele aprendiz? Essa
inquietude extrovertida, em tudo sempre tão contrária a si?
- Então?!
- Essa palavra desmedida não cabe na nossa
vida, filho! Não basta dizer sim ou não. Há um passado que importa revisitar…
para entender a sua força, o seu poder arrebatador!
- Pai, por favor, não podes simplificar as
coisas? – protestou.
Não podia... o romântico emergia, imagem há
muito guardava, retirando decididamente o capacete que lhe reprimia os cabelos
que naquele momento libertava, revelando a sua forma, cor e beleza. De
imediato, reviu a liberdade e a tricolor agregando multidões e o povo e os
povos. Num ápice, eis os românticos que levantaram os heróis medievos,
recuperando as suas façanhas, génese de fronteiras e nações; eis os românticos
que celebraram os homens que renasceram para as façanhas no mar e os homens que
as cantaram em verso e no palco! Os românticos que perseguem um sonho, vivem
intensamente as paixões que os definem e alcançam a beleza que começa para lá
daquilo que nos enleia e essa coisa é que é linda. Os românticos que
procuram reconstruir essa terra onde era uma vez!
- Mas ainda
não respondeste à minha pergunta... - disse, sorrindo.
Era Natal,
começava Sozinho em Casa que sempre arrancava gargalhadas contagiantes.
Mais tarde voltariam às dores de crescimento.