O Sol tocava as folhas dos liquidâmbares ainda
verdes que brilhavam agradecidas junto ao portão. Ao lado começava o estradão
ladeado por muros seculares, feitos de pedra tosca agora aveludada pelo musgo. Aí
se escondiam o som dos passos e as palavras ditas pelos passantes, os que iam
cantantes e vigorosos, os que vinham cantantes e cansados. Alguns metros mais à
frente, logo após uma curva acentuada, o caminho findava para dar lugar ao campo
largo e comprido.
Era aí que esperavam as canas de milho. A
bandeira que hastearam durante meses tinha sido cortada e agora permaneciam alinhadas
qual coro que aguarda o gesto melódico do maestro. Segredavam sobre as espigas
que irrompiam triunfantes da palha que as envolvia, sobre os pássaros que as
visitavam e a quem ofereciam alguns grãos em troca das histórias que traziam de
muito longe. Sobre os gatos que esperavam horas junto das raízes, para, repentinamente,
se lançaram num ziguezague impossível, alcançando pouco depois a presa que tinham
estudado silenciosamente. Também se queixavam das inquietas toupeiras que lhes perturbavam
as raízes, deixando-as indefesas perante as investidas dos ventos mais fortes.
Quando chegou à curva do estradão, já várias
pessoas percorriam os carreiros de milho. Em cada espiga uma paragem e os
mesmos movimentos repentinos e sincronizados. Juntou-se ao grupo depois de
escolher um cesto para a recolha das espigas. Foi acolhido afavelmente pelo olhar
aprovador e satisfeito que todos lhe foram oferecendo. Mas nunca as mãos pararam,
nem quando as perguntas esperavam as desejadas respostas. Falava-se da terra,
da terra que sustenta, da terra que envelhece, da terra que lamenta, da terra
que vence, da terra que rejuvenesce… Mas nunca as mãos pararam e os cestos repletos
avançavam para os sacos alinhados junto ao limite dos carreiros. Cada um no seu
carreiro. Cada um à vez no seu carreiro sempre que alguém se atrasava.
Procurou o Mateus. Chamou-o. Reparou pouco
depois que colhia espigas num lugar mais afastado.
- Tão longe, filho! – reagiu. – Não queres
trabalhar junto de nós?!
- Deixa-o estar – pediu a mãe.
O Mateus dava os primeiros passos naquele
baile manuscrito entre as canas de milho. Por isso, preferia os lugares mais
recolhidos como qualquer debutante menos ousado.
- Mãe, estou cansado! – queixou-se depois
de se ter aproximado. – Posso ir para casa?
- Não! Tu consegues! Só vamos para casa quando acabarmos!
- Mas eu estou cansado!
- Não podes desistir, apanhas as que
puderes! Verás que no final ficarás muito mais feliz com a tua vitória! – exclamou
o pai para o animar.
- Este é o milho que damos aos nossos
animais! É com este milho que faço a broa de que tanto gostas! – afirmou convictamente
o avô.
O rapaz voltou então ao carreiro e aguentou
até ao fim.
O campo ficou com uma aparência
despenteada, parecia o fim de uma festa, no cimo das canas, a palha desalinhada,
mantendo ainda a forma de cada espiga arrancada. A poucos metros do campo longo
e comprido, num espigueiro altaneiro, foram recolhidas as espigas. Agora, era a
vez do vento e do Sol.
Entretanto, o Mateus já tinha percorrido o
estradão ladeado pelos seculares muros de pedra a quem contou os segredos que
ouvira ou imaginara entre os carreiros de milho. Ao passar por aí pouco depois,
também o pai reparou que alguns pássaros aproveitavam ainda os últimos raios de
Sol e cantavam alegremente. Talvez falassem dos filhos que cresciam, dos filhos
que arriscavam a dureza dos primeiros voos. Dos filhos que depois de se
lançarem não podiam deixar de bater as asas até regressarem ou até encontrarem um
ramo seguro.
- Em que pensas, pai? – perguntou a Inês
que vinha um pouco mais atrás.
- Nada de especial, estou feliz por todos
termos colaborado!
A tarde tinha sido clara e solidária.