Olhou-os a todos como as pétalas que gentilmente abraçam o Sol. Só no silêncio acontece um abraço assim!
- Hoje vamos ler?
- Sim.
A resposta satisfez a pergunta, mas vinha carregada de inquietação que logo transbordou:
- Estás bem?
Os olhos encontraram-se, no momento em que a pergunta descia da curva lá no alto, e a rapariga acenou afirmativamente, deixando fugir um ligeiríssimo sorriso. Sentia-se mais confortável: as interrogativas palavras eram como uma mantinha quente e macia onde nos encolhemos para ouvir a nossa história preferida. Sim, podia ser, a chuva e o frio sintonizam a escuta!
Daí a pouco, a narrativa escolhida e partilhada brotou do fundo dos ecrãs, O caminho para a verdade, e o seu fresco aroma invadiu a memória daqueles adolescentes que se mediam com a grandeza daquelas palavras e com a estranheza dos atos contados.
Paulatinamente, foram surgindo as palavras por onde emergiam os pensamentos até então agarrados à história do Matias e do Ricardo. O primeiro, enquanto caminhava, chutou uma pedra que quebrou o vidro de uma janela. Num ápice, fugiu, deixando o amigo nas mãos do dono da casa que, injustamente, o acusou. Mas, no final, venceu a consciência feliz do Matias que resgatou o amigo do castigo paternal. A partilha não tardou.
- Podes ler a tua reflexão, por favor? - pediu o professor.
Sim, podia. Levantou os olhos ainda uma vez antes de os agarrar às palavras escritas. Era como pedir licença para falar, abrir uma porta para deixar passar o pensamento que o atormentava:
- … enfim, fiquei espantado por não terem fugido os dois. O Ricardo foi um bocadinho parvo, devia ter fugido também! Se fosse comigo, fugia de certeza!
Bendito conto que os fazia falar assim, pensava o professor. Silêncio e escuridão - e nada mais! foram as palavras que lhe surgiram depois e vinham ameaçadoras da névoa que se apoderara da sala. O silêncio nascera no olhar dos companheiros de turma. Mas o professor, também ele, naquele momento, paladino do amor, continuou à procura, dentro daquele palácio encantado:
- Fugias?!
- Fugias?! Fazias o mesmo connosco? - exaltou-se uma das raparigas.
O rapaz circum-navegou aquelas ilhas que o fixavam, formando um arquipélago escarpado onde não podia aportar.
- Não, claro que não! - continuou, procurando uma enseada.
O silêncio permanecia acusador. Então, tal como o Matias, o rapaz repensou a sua posição:
- Pensando bem, talvez seja melhor assumirmos a responsabilidade das asneiras que fazemos! Não está certo que outros sejam castigados por nossa causa!
O silêncio continuava, mas, naquele momento, espantado com a mudança. Afinal havia luz naquele palácio!
O professor respirou fundo e revisitou as palavras do sábio épico, alinhadas em redondilha - afinal, para alguns, anda o mundo concertado.