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O Pai Natal e as renas um pouquinho aborrecidas

 



- Pai, vem cá, por favor.

O Mateus agarrou o braço do pai e conduziu-o até à janela.

- Repara! - desafiou, enquanto apontava uma constelação brilhante no firmamento.

- Não me parecem estrelas! – afirmou o pai. – Vês aquele brilho avermelhado? Assemelha-se às luzes de um carro ou de um avião...

O Mateus fixou alguns segundos a claridade estranha concentrada no céu.

- Até parece um engarrafamento!

E ficaram ambos presos àquela imagem, enquanto a noite fria crescia, espalhando o luar que a tornava suave e transparente.

De repente, o Mateus notou que o rádio fazia movimentos estranhos em cima da mesinha de cabeceira. O fio que lhe servia de antena não parava quieto. Os números vermelhos apareciam e desapareciam desesperadamente. Aproximou-se e sossegou-o, tocando num dos botões disponíveis. Nesse instante, ouviu um sussurro:

- Só as crianças poderão ouvir esta notícia. Repito, só as crianças poderão ouvir esta notícia de última hora.

O Mateus sentou-se então na beira da cama para acomodar o seu espanto.

– As crianças são capazes de sonhar dias felizes, de lutar por eles – continuou a voz inesperada. – As crianças sabem esperar, só elas sabem, verdadeiramente, fazer de conta! Por isso, esta notícia é para elas.

O Mateus reparou que o pai continuava espantado com o espetáculo de cores que invadia o céu naquela noite.

- Soubemos há pouco que o Pai Natal teve um problema: a rena mais velha, aquela que melhor conhece os caminhos, ficou encandeada pelas luzes de um avião e, por isso, não quer continuar a viagem. Para piorar a situação, outra delas quer abandonar o trenó voador. Queixa-se de vertigens, que não consegue adaptar-se às alturas e que prefere correr em terreno seguro. Também a mais nova de todas protesta, porque os chifres sintonizam as comunicações dos satélites e que, por isso, tem andado muito confusa.

O Mateus escutou atentamente a notícia e percebeu que o Pai Natal estava a ficar desesperado:

- Josefina, eu já disse que os teus óculos escuros estão quase a chegar. Sabes que, neste momento, as entregas estão um pouco atrasadas. Por favor, faz um esforço!

- Continuamos a acompanhar esta situação que se torna cada vez mais delicada.

- Serafina, as renas nunca tiveram medo de alturas! Por terra, nunca chegaremos a tempo!

- Infelizmente, não vai ter sucesso: a rena continua a tremer, apavorada com as vertigens.

- Albertina, por favor, tu nunca me falaste dos satélites! Coisa estranha! Agora ouves vozes!? Vá. Tens é de continuar a orientar-te pelas estrelas, são mais seguras do que aquelas latas avariadas!

- O Pai Natal está muito atrapalhado! É como ter três pneus furados! Uma desgraça! Uma terrível desgraça! A manter-se esta situação, terá de encontrar rapidamente uma alternativa.

O Mateus levantou os olhos e reparou que o pai tinha abandonado o quarto. Procurou no céu as luzes e reparou que lá continuavam formando círculos cintilantes. Repentinamente, viu que três delas se dirigiam para terra como estrelas cadentes. Depois, voltou a prestar atenção às palavras do rádio.

- Viva! O Pai Natal parece ter encontrado uma solução para ultrapassar a resistência das renas. Depois de um simpático diálogo, concordaram com a mudança de planos. Josefina, Serafina e Albertina deixaram já os arriscados voos e desceram em direção à terra. Vão ficar longe dos aviões, dos satélites e das alturas. Estas foram as palavras finais do Pai Natal:

- Josefina, vais com elas ao encontro do meu filho. Ele conhece todas as crianças que este ano não vão passar o Natal em casa.  Já que não querem acompanhar-me, vão ajudá-lo. Podem esperar horas, dias, semanas… A vossa missão só termina quando todas as crianças regressarem a casa. Pelo ar, só trabalhamos esta noite, por terra, trabalhamos os dias que for preciso!

- O Pai Natal segue agora mais devagar, mas a tempo de responder a todos os desejos. O trenó deixou de fazer círculos e dirige-se às casas brilhantes. Sabemos também que as três renas já aterraram e vão esperar que todas as crianças voltem a casa. Sabem que o Natal não acontece sem o brilho do sorriso, sem uma lágrima feliz, sem o abraço demorado e aveludado.

O Mateus afastou-se do rádio e abeirou-se novamente da janela. As luzes eram agora quase invisíveis e ele ficou muito feliz.

- Olha, já não há luzes no céu – disse o pai que, entretanto, voltara ao quarto. – Provavelmente, eram aviões à espera de autorização para aterrar.

O Mateus sorriu, enquanto fazia uma pequena carícia ao rádio e lhe segredava:

- As coisas que os adultos já não sabem!

Ficou feliz por saber que nenhuma criança fica sem Natal,

que o Natal não acontece sem o brilho do sorriso,

sem uma lágrima feliz,

sem o abraço demorado e aveludado.

As crianças são capazes de sonhar dias felizes,

de lutar por eles.

As crianças sabem esperar,

só elas sabem, verdadeiramente, fazer de conta!


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