- Pai! – a Clara reagia com surpresa sorridente.
Admitia que ele estava certamente a brincar. – Não é assim, enganaste-te!
O
pai continuou concentrado na conversa que mantinha com o Mateus.
-
E sabes explicar o provérbio?
-
Claro… - afirmou o Mateus, incapaz de esconder uma certa hesitação agarrada aos
gestos, pendurada no olhar descendente.
A
explicação foi surgindo do escuro como a lua em quarto crescente.
-
Pai, não é assim! – insistia a Clara que, percebendo o desencontro do pai,
continuou – o provérbio não é assim!
-
Assim?! – estranhou o pai.
-
Tu trocaste tudo!
Não
tinha reparado nas gargalhadas e nos olhares húmidos, brilhantes, que o
rodeavam. E a sua seriedade tornava o momento ainda mais hilariante.
-
Em terra de cegos, quem tem um olho é rei – disseram em coro.
-
Foi o que eu disse! – defendeu-se.
-
Não! Tu disseste: em terra de reis, quem tem um olho é cego!
O
pai sentiu-se na berlinda e sem poder desmentir o trocadilho. Mas,
paulatinamente, os comentários divertidos foram perdendo a forma, abrindo o
espaço necessário para que aquele ledo engano tomasse conta do seu pensamento. Por
momentos, lembrou-se do dia em que a mãe lhe dera um casaco de duas faces, não
tinha avesso. Podia usá-lo das duas formas: às vezes, mostrava o verde seco, outras,
o castanho claro. Sempre macio, sempre quente.
Mas
aquele provérbio não virava e revirava da mesma forma. Às direitas, parecia
inofensivo. Mas deixava algumas dúvidas – gostava o pai de encontrar essa terra
de cegos, essa terra onde todos permaneciam distraídos, indiferentes, escondidos
atrás dos seus limites. Melhor, queria muito conhecer esse rei que se
atrevera a saltar a cerca, apesar das limitações que o agarravam e afastavam o
horizonte. Às avessas, tornava-se assustador! Lembrava-lhe as
árvores cortadas para não fazerem sombra aos reis arbustos dessa terra onde
quem via não podia ver. Felizmente o luar também é para todos.
-
Em que pensas, pai? – interrompeu o Mateus.
-
No provérbio, filho!
-
Ainda?!
-
Sim… A tua explicação é ótima! Aproveitar todas oportunidades, é por aí o
sentido…
-
Sim, já sei! E as minhas capacidades nunca são uma limitação!
O
pai sorriu, acenou satisfeito, reparando ainda que a mãe ao seu lado não continha o riso.
-
O Mateus só queria saber se sabias traduzir o provérbio para francês... Mas,
enfim, primeiro temos de entender-nos em português! - explicou.
Sem
dúvida! E riram ambos com aquela divertida embrulhada.