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Uma tenda no jardim!

 



A noite tinha chegado e havia espalhado pelo lugar a sua mantinha leve e brilhante. A lua parecia um candeeiro atento que resgatava do escuro as mais belas flores do jardim. O silêncio era agora o tempo dos animais: os cães uivavam notícias ao desafio, as cigarras afinavam o interminável cânone e os gatos ronronavam histórias de caça.

- A minha lanterna, mãe?

A Clara avistou-a rapidamente, antes mesmo da resposta pedida, e divertiu-se a fazer círculos brilhantes no tecto da sala.

- Clara, essa lanterna é minha! – queixou-se imediatamente o Mateus.

- Não é nada! A tua é a redonda! – contrariou.

Daí a pouco, a Teresa seguiu os irmãos, que já tinham saído para o alpendre. Um pouco atrás, testando a lanterna do telemóvel, avançou também a Inês.

- Pai, ainda demoras? – protestou o Mateus que queria chegar depressa ao jardim da casa vizinha.

Saíram.

O orvalho afagava as ervinhas do caminho. Cada gotinha deslizava pelas pétalas e pelas folhas, saciando a sede que o Sol tinha causado.

- Caminhem pelas marcas dos pneus, para não molharem os pés – aconselhou a mãe.

Avançavam como exploradores pela floresta desconhecida. Debaixo do braço, levava cada um a sua almofada. Os mais pequenos abraçavam ainda um pequeno peluche - aquele amigo destemido nas aventuras mais exigentes!  As lanternas abriam oásis claros no chão e por lá avançavam curiosos e a cada passo espantados com as dádivas da noite e da luz.

- O que é aquilo?! – assustou-se a Clara que comandava na frente aqueles argonautas da noite.

Pararam todos junto ao dedo esticado. As lanternas bailavam inquietas, varrendo o chão em todas as direções.

- Não vejo nada – reagiu o Mateus.

Era preciso ver melhor, esperar alguns segundos para que os olhos ávidos de aventura acalmassem e reconhecessem calmamente as formas que naquele momento ocupavam o caminho. Um exército de capacetes redondos e castanhos fazia a longa travessia do caminho.

Esticaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaar

Encolheeeeeeeeeeeeeeeer

Esticaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaar

Encolheeeeeeeeeer

Recolher

Esticaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaar

Encolheeeeeeeeeeeeeeeer

Esticaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaar

Encolheeeeeeeeeer

Recolher

Manter

O primeiro dos caracóis tinha sentido vibrações estranhas no caminho e de imediato ordenou que todos se refugiassem na concha.

- Olha, Mateus, são caracóis! – apontou a Teresa.

- Tantos! – assustou-se a Clara.

- Estão a mudar de casa, – arriscou o Mateus – vão passar a viver no meio destes agapantos. Não os pisem!

Por momentos ficaram em silêncio.

Esticaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaar

Encolheeeeeeeeeeeeeeeer

Esticaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaar

Encolheeeeeeeeeer

Sentir

Esticaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaar

Encolheeeeeeeeeeeeeeeer

Esticaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaar

Encolheeeeeeeeeer

O pai avançou a coluna dos caracóis e todos o seguiram em direção ao portão bordeaux. Entraram e pareceu-lhes que a noite se tinha tornado mais escura.

- É apenas uma nuvem que passa e esconde a lua – descansou-os a mãe. – Daqui a pouco volta a brilhar.

Pelo sim pelo não, continuaram encostados, muito chegadinhos, até encontrarem a tenda que nessa tarde os pais tinham montado no jardim.

- Esta é a melhor noite da minha vida! – sussurrou a Clara.

- Tenho medo! – disse a Teresa, enquanto agarrava a mão do pai.

As árvores e os arbustos esticavam as sombras conforme a brisa lhes segredava.

- A tenda está ao fundo do jardim. Venham por aqui – orientou a Inês.

- Porque é que o avô não deixou as luzes ligadas? – lamentou-se o Mateus.

- Porque tu disseste hoje à tarde que era mais interessante sem luzes, lembras-te?! - espantou-se a irmã mais velha.

Passaram ao lado do pequeno lago onde as rãs coaxavam para estranhar aqueles visitantes noturnos. Algumas mergulhavam como se fossem vigias incumbidas de avisar as outras, que permaneciam no interior do lago, aninhadas nas folhas calmas dos nenúfares.

- Ouviram?! – reagiu o Mateus.

- Devem ser as rãs a mergulhar no lago. Tem cuidado com essa raiz – avisou a mãe.

Abriram a tenda esticada entre japoneiras e áceres frondosos que deixavam no chão um tapete macio.

- Este quarto é nosso! – dividiu a Clara, agarrando a Teresa e a Inês – O quarto das raparigas!

- Então e eu?! – protestou o Mateus.

- Tu ficas com os pais – afirmaram as três em uníssono.

Unidos os sacos-cama, enfiaram-se as raparigas no super-saco-cama e o Mateus recolheu-se discretamente satisfeito pela proteção que o espaço lhe garantia.

- Meninas, desliguem as lanternas! – pediu a mãe. – Agora é para dormir.

De imediato, ouviu-se um protesto vigoroso, mas sem sucesso.

Daí a pouco, o silêncio já combinava com o sono a melhor estratégia para aquela noite na tenda. Era preciso saber quem adormecia primeiro e quem seria o último.

- Que barulho foi este? – perguntou a Teresa, que falava já entre pausas adormecidas.

- Dorme, Teresa, não foi nada – segredou-lhe a Inês.

Os sonhos foram acordando e a tenda foi adormecendo em silêncio.

Cá fora a Lucky ainda se lamentava por ter tropeçado num dos fios da tenda. Assegurando-se de que já ninguém falava no seu interior, distribuiu todos os gatos pelos lugares escolhidos ao redor daquela estranha casa e advertiu-os para que, ao mínimo sinal de perigo, miassem o código de alerta.

Aquela noite era mágica. Todos os animais do jardim baixaram a voz e evitaram movimentos desnecessários para não perturbarem aqueles inesperados inquilinos.

Aquela casa era desmedida, do tamanho da imaginação, do tamanho dos sonhos, esse mundo onde cada um recolhe os tesouros que tornam a vida mais suave e encantadora.


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