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O sorriso escondido espreita no olhar



Entrei e dirigi-me para a secretária disposta junto à janela. As cortinas dançavam inspiradas pelo vento, que parecia querer fugir daquele espaço. Junto ao monitor, havia um líquido transparente que disparei sobre os objetos por ali alinhados.

Era a primeira vez, nunca os tinha recebido assim: sorriso escondido, mãos presas, algemadas, negando os abraços que apagam a distância e a saudade. Restava o olhar espantado, resistente, líquido, enraizado…

Entraram e procuraram enfileirados a higiénica torre que os protegeria dos ataques inimigos. Tomaram depois posição no lugar respetivo.

Reparei que também eles mantinham o sorriso aprisionado, amordaçado. Mas não os olhos. Esses passeavam pela sala, encontrando outros a quem contavam pequenas histórias silenciosas, deliciosas, às vezes, ousadas, às vezes, envergonhadas. As gargalhadas formavam uma albufeira atrás do muro que lhes barrava o caminho. Apenas o som abafado conseguia evadir-se. Gargalhadas incompletas.

Enquanto os observava, ouvi palavras segredadas perto da janela. Aproximei-me.

- Estou tão cansado!

- Imagino. Trabalhaste novamente até muito tarde?

- Não me deixou arrefecer um segundo. Mensagens, mensagens, mensagens…

- Aproveita para descansar.

- E não queres saber quem é o sortudo?

- Desconfio… Talvez aquele rapaz alto, cabelo loiro, que não para de espreitar por aquela porta.

As vozes escondidas não se deixavam identificar. Fixei então o olhar para melhor escutar outras que ao lado também sussurravam.

- A mãe falou com ela ontem!...

- Não acredito! Deve ter sido uma dura conversa!

- Sim, descobriu que não se tem alimentado como deve ser…

- Já me tinhas falado na semana passada… voltou a perder peso?

- Sim, mas continua com aquela mania do peso a mais. Regista-o diariamente. Tenho aqui a prova, queres ver?

- E as amigas sabem disso?

Ao lado, outros dois, dispostos de costas, falavam entredentes:

- Já quase não tenho espaço! O mais grave é que continua a sujeitar-me a mais informação, a instalar aplicações que nunca usa!

- Lamentável. Também me irritam profundamente aquelas objetivas alinhadas e sempre apontadas. Não me sinto nada bem neste cubículo. Parece que sou espiado constantemente, que registam tudo o que faço… repara!

De repente, senti que alguém esperava atrás de mim.

- Bom dia, posso colocar o telemóvel na caixa?

Claro, podia. Olhei o rapaz com curiosidade e reparei no sorriso que espreitava no olhar, enquanto perguntava:

- Algum problema com os telemóveis?!

Levantei o olhar e percebi que já tinham chegado todos. Também os telemóveis, alinhados na caixinha em cima do parapeito, perto do computador. Continuavam a contar segredos, eu é que já não podia ouvi-los.

Preparei-me para começar, sem angústia e sem pressa. Era preciso voltar a subir e a impelir com fúria a desmedida agrura, com a fúria que o peito acende e a cor ao gesto muda.

Regressarei àqueles segredos que só o sorriso pode desbloquear.

 


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