Percorri o corredor certo de que os olhares atentos
não me deixariam escapar.
Passei o primeiro banco. Pacífico.
Não quis olhar para o fundo do túnel à procura da famosa luz porque ainda era
cedo e, além disso, ao fundo do corredor, que naquele momento me parecia um
túnel, esperava-me meio batalhão de olhar engatilhado. Ainda observei o banco de
soslado – que me perdoe o autor das brincriações – mas nada, nem
um movimento na minha direção. As cinco meninas continuavam sentadas,
encostadas, e murmurando segredos quase de estado: tinha acabado de passar um
rapaz, por assim dizer, um pouco mais velho, talvez bom aluno… Mas com certeza
falavam das orações subordinadas, coisa bem menos complexa. Fiquei descansado.
Mais dois passos e encarei com outra
menina que aguardava paciente quem ainda não tinha chegado. Seria feliz esse
que ela esperava tal o sorriso simpático com que me saudou. Além disso,
registei que tive direito a troca de olhar, pepita nada fácil de encontrar, que
confirmou a simpatia do sorriso.
Preparava-me para chegar à esquina
das tormentas. Era ali que os rapazes se concentravam, por isso, previa correntes
contrárias, ventos fortes, rochedos que barrariam o meu caminho. O primeiro
apanhou-me logo ao dobrar a coluna:
- Bom dia! Gosto, gosto muito! A
cor verde é sublime! Fica-lhe muito bem! Foi ideia sua ou foi aconselhado?!
Toquei no ombro do rapaz e agradeci
o que não deixava de ser um elogio, certo de que só assim convertia aquele
indómito vento, qual Gama, enfrentando o horrendo Cabo que afinal apenas
precisava de contar a sua história de amor. Atrás dele juntaram-se outros
rapazes que também aprovavam a cor das minhas calças. Eram agora seis! Observei-os
mais de perto por breves segundos que permitiram sondar a temperatura daquelas
almas que ao primeiro olhar logo acalmavam a tormenta. Mal sabiam que o verde
das calças era o verde militar, o verde daquela tropa que se preparava para
marchar por veredas bem mais desafiantes.
- Deixem o stor passar! – ouvi um
deles dizer, enquanto abria os braços para forçar o caminho.
- O teu irmão já chegou? –
perguntei a um deles.
Respondeu-me, desviando apenas o
olhar para um dos bancos mais afastado.
- Hoje trazem mais borrachas para
partir aos pedacinhos? - questionei,
surpreendendo, outros dois. Naquele momento sorri de forma discreta, senti-me como
o Anjo por eles já conhecido: não se embarca brincadeira/nesta sala divinal.
Dirigi-me depois ao banco mais
afastado. No percurso, reparei que no rés-do-chão um outro petiz me acenava
vivamente, enquanto esperava pela professora de apoio. Percebi que estava bem e
continuei. Alguns passos à frente, encontrei mais seis rapazes ligados às
máquinas. Sentados lado a lado, inclinados e apoiando os braços nas pernas,
seguiam atentamente as imagens e soltavam risadas que procuravam disfarçar o
mais possível. Cómico de situação e de caráter, com certeza! Coisas triviais,
mas com imensa piada. A comédia sempre se alimentou de coisas banais! Para os
factos ímpares, supremos, guardamos a epopeia ou tragédia, que não tem de ser
uma tragédia!
Ainda ouvi uma voz conhecida:
- Stor, preciso de falar consigo!
Claro. Falaríamos daí a pouco, com
calma, tempo e espaço.
Avancei.
- Bom dia! Preciso que venhas para
a sala de aula. Vens comigo?
Primeiro olhou-me intensamente,
demoradamente, depois procurou as palavras que melhor expressassem a sua
discordância com o mundo. Disparou todas as razões e só depois resolveu pegar
na mochila. Foi sinal bastante para reacender a esperança. Ainda ouvi:
- Também gosto muito da cor das suas
calças!
Era uma clareira por onde se via
um imenso céu azul. O humor é um bom sinal.
A tropa deixou por fim a parada e
entrou na sala. Depois da chamada, verificou-se que faltavam dois. Mas logo a
sombra de um assomou à porta. Entrou, cumprimentou, elegante no trato e no
jeito de andar, dirigindo-se para o lugar. Pelo caminho, acarinhou longamente
com o olhar uma das meninas da turma. O amor é amigo da esperança!
Ainda faltava um que chegou pouco
depois, rompendo pela sala como se a rapidez o tornasse invisível.
- Bom dia!
Estavam todos! Olhei o fundo da
sala e reparei mais uma vez no insuflável e vazio esqueleto pendurado na parede
que, naquele dia, ostentava mais uma inscrição: «tropa chinela». Sorri por
saber que aquela gente se inspirava numa figura que possivelmente conhecia
algumas das suas histórias. Era uma espécie de bandeira que os unia e
inspirava.
- Tropa chinela!
- Sim!
- Sentido! Em frente, trabalhar! –
arrisquei.
- Qual sentido? O das palavras? –
ouvi um deles perguntar lá do fundo.
Inesquecível esta tropa chinela!