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A enxada e a caneta




        - Desde quando há feriados ao sábado?
        O pai ouviu o protesto do filho, mas não desviou o olhar das últimas camélias que se despediam, libertando-se demoradamente dos ramos.
Enquanto o jardim permanecia introvertido, qual madrugada aguardando, as camélias tinham despontado, numa explosão de cor e forma! Tinham desafiado as negras nuvens e o vento gélido! Agora que a terra acordava e se mostrava extrovertida, libertando cores, formas, sons e aromas, espetáculo envolvente, resolvem as camélias retirar-se. Não podemos florir todos ao mesmo tempo!
Lembrou-se por instantes da história da mãe que tinha sete irmãos, quatro rapazes, quatro raparigas! Os rapazes foram à escola, as raparigas não. Malhas que o Estado tece. Aquela mulher foi camélia no inverno longo e cinzento, abraço perfumado e colorido, melodia em cada madrugada assustada. Dizia todas as palavras que nunca a deixaram desenhar!
Recordou-se ainda do pai e das armas que este lhe dedicou, uma caneta esferográfica e uma enxada velha. Esta cansada de percorrer e de rasgar a terra. Aquela pouco rompera a brancura das folhas, porque era preciso silenciar a vontade de pensar e de dizer. 
Duas armas que abrem sulcos para aí semear a vida. A terra acolhia as sementes para as abraçar e multiplicar, abrindo sorrisos satisfeitos. A brancura da folha acolhia as palavras que escondia, temendo a leitura cinzenta e acusadora. 
Em cada sulco um verso, lado a lado as sementes dispostas, palavras alinhadas, aninhadas, suportando um metro oprimido, segredado, assustado, suspirado. 
Sabia que, no tempo em que nasceu, estas armas já podiam romper sossegadamente pelos campos. As palavras tinham já despido as impermeáveis metáforas para se tornarem inteiras e limpasMas é preciso permanecer, urgentemente!
Deixou as camélias e resolveu contar estas memórias ao filho, porque o medo não escolhe o dia da semana.

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