- Pai, podes
ajudar-me? Preciso de continuar uma história sobre o Pai Natal.
O pai pediu então
para ler o texto que atormentava a imaginação da menina. Sentiu imediatamente
um delicioso aroma a canela que preparava suavemente o caminho das palavras.
Leu-as e ficou a saber que o Pai Natal tinha um filho e que este se preparava
para uma noite de trabalho. Pelos vistos, o rapaz estava nervoso - nem o GPS
que a mãe lhe oferecera o deixava mais tranquilo.
- Como é que eu
começo? – pediu a Clara.
- Consegues ver
com a imaginação? Experimenta, fixa um objeto. Alguns segundos depois abrir-se-á
uma porta por onde só o teu pensamento poderá entrar. O lápis, atento, irá
desenhando as palavras que recolherão tudo o que irás ver. Quando regressares,
terás nesta folha a mais linda história de todas.
A Clara ouviu atentamente
o conselho, mesmo sabendo que as soluções do pai nem sempre funcionavam com
ela. Ficar sossegada, olhar um objeto até deixar de o ver, para entrar no reino
da imaginação!? Impossível!! Era preferível trepar a uma árvore - uma alegria
para todos os sentidos!
- E o título?
Ainda não era
tempo. O título podia ser a fundação ou o telhado. O pai gostava que fosse
telhado, a melhor cobertura para as palavras que se levantam, uma a uma, como
quem constrói uma parede, onde há espaço para as portas e para as janelas.
- Casas, estás a
falar de casas?! O que é que o título
tem a ver com o telhado?
- Tal como o
título, o telhado é uma das partes mais visíveis da casa.
- E não! O
telhado ninguém o vê!
- Depende. Quando
sobes à montanha, ou viajas de avião, é o telhado que as casas mostram. Aquilo
que preparamos melhor nem sempre é aquilo que os outros conseguem ver. Tudo
depende da altura.
O pai notou no
rosto da filha algum desencanto. Resolveu então contar-lhe, em segredo, que já
tinha ouvido falar no filho do Pai Natal.
Na primeira noite
de trabalho, saiu de casa confiante.
- Vai, filho! As
crianças esperam pelos presentes… O teu pai nunca saiu tão tarde. Não te
enganes!
- Mãe, eu levo
GPS e sigo na minha moto voadora.
- As renas são
mais silenciosas.
- Eu sei, mas são
muito lentas. Estarei de volta antes do amanhecer.
Arrancou,
deixando nos olhos da mãe um sorriso feliz. Tocou depois no monitor para
receber as primeiras indicações: «Vire à direita e depois siga suavemente até
ao telhado mais afastado.» Pelo caminho, verificou se os sonhos estavam já
devidamente colocados junto a cada chaminé. Sonhos ou desejos, aí os deixava
cada criança ao adormecer, cercados com o mais puro brilho do olhar.
Quando chegou ao
ponto mais distante do povoado, preparou-se para regressar, deixando em cada
sonho aberto o presente tão desejado.
- Apontar… preparar…
deixar! Apontar… preparar… deixar! Bom Natal, meninos! – dizia, enquanto
distribuía os mais bonitos embrulhos que delicadamente caíam nos telhados das
casas.
Daí a pouco
voltou a casa.
- Filho?! Não é
possível!
- Entreguei todos
os brinquedos conforme me indicaram. Fui discreto e rápido. Melhor é
impossível!
- Mas trazes no
saco ainda muitos presentes…
- Também achei
estranho, talvez o pai se tenha enganado nas contas. Em todos telhados deixei
um presente.
- Em todos? –
perguntou o Pai Natal com algum esforço. A febre e a tosse obrigavam-no e
permanecer em casa.
- Quer dizer, em
muitas delas não havia sonhos brilhantes junto à chaminé, por isso, avancei
para a seguinte. Achei que aí não havia crianças…
Ficaram os pais
do rapaz bastante preocupados. Em tantos anos nunca tal erro tinha acontecido!
Resolveram sair
de novo. A mãe acompanhou o filho. Desta vez, foram no trenó puxado pelas
renas.
- Repara. Este
telhado não tem sonhos brilhantes – disse a mãe, apontando. Aproxima-te. Vês
estas marcas? Os sonhos já cá estiveram. Por algum motivo, já não estão cá.
- Talvez não
tenham tempo os meninos desta casa.
- Sim, não
tiveram tempo para sonhar.
- O que fazemos
então?
- Vamos deixar-lhes
uma linda flor. Terão de cuidar dela. O tempo que levará a crescer será o tempo
que terão para sonhar. O sonho precisa do tempo e do silêncio que cada flor tem
para ensinar.
Passaram depois
pelas outras casas onde o telhado permanecia escuro, apagado. Aí também deixaram
o tempo e o silêncio escondidos numa flor.
Por fim,
regressaram a casa, satisfeitos e confiantes.
A Clara olhava
fixamente a folha branca. O pai retirou-se silenciosamente. Ia já no corredor quando
a filha gritou:
- Já sei! Já sei!
A história vai chamar-se “O Pai Natal partiu uma telha”.
O pai sorriu. Ia
começar pelo telhado, mas tudo bem. Certamente as palavras já conheciam o
caminho. Em pouco tempo, a história ganharia forma.