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Confiança




Acabada a reunião dirigiram-se para o carro. Traziam ainda a melodia agarrada à memória. Às vezes, certos sons passeiam-se nos nossos pensamentos como uma música de fundo que tinha ficado parada durante algum tempo.
Daí a pouco, o Mateus olhava pela janela, sustentando o queixo e o pensamento com a mão. Os olhos já tinham abandonado o caminho de regresso a casa, para não interromperem as perguntas que se formavam e preparavam para chegar à costa como a onda que deseja abraçar a areia onde carinhosamente se desenrola.
- Tu tens confiança, mãe?
- Claro – respondeu prontamente.
- Tens confiança em quem?
- Em ti, nos teus irmãos, no pai, em mim. Acredito nas tuas qualidades, nos teus sonhos.
- Então confiança é o mesmo que esperança?
- Parecem-me irmãs – interveio o pai.
O Mateus fez uma careta e encolheu os ombros. Lá estava o pai com jogos de palavras!
- Então quem são os pais? – desafiou, sorrindo, a Clara.
- A confiança e a esperança estão em ti, nascem e permanecem enquanto a tua vontade quiser! – respondeu a mãe.
Por momentos, as ondas afastaram-se um pouco. A areia esperava pacientemente pelo regresso da maré plena. O silêncio percorreu o caminho que faltava até casa. Já no alpendre, a mãe tentou explicar melhor:
- Podes esperar que alguma coisa venha a realizar-se no futuro. Por exemplo, esperas vir a ser um veterinário. Para o conseguires, terás de confiar nas tuas qualidades, em nós que sempre te apoiamos e em todos os outros que contribuem para a tua formação.
- A esperança poderá ser aquela meta que queres atingir, tudo aquilo que pensas vir a conseguir no futuro, tudo aquilo que esperas – corroborou o pai. – A confiança acontece no caminho que percorres.
Saíram do carro. O Mateus não quis entrar logo em casa, ficou a jogar à bola na calçada. O banco de pedra junto à parede do anexo era a baliza ideal para os golos que festejava com euforia, através de um bailado que aprendera com os amigos da escola. Entretanto, o pai passou para recuperar um saco que ficara na mala do carro.
- Com tantas notícias más, achas que vale a pena continuar a ter esperança? Não sei se podemos confiar nas pessoas.
Aquela tinha sido uma onda gigante que varrera com violência o areal. O pai sentou-se na mala para melhor organizar a resposta.
- Sabes, a confiança não se esgota em nós nem nas pessoas que nos rodeiam.
- Queres dizer que concordas com o que disse o senhor padre na reunião.
- Claro. As palavras de Cristo são para mim motivo de confiança e de esperança. Às vezes, não chega acreditar nas pessoas. Às vezes, as pessoas já não têm esperança, já não querem ter esperança ou não sabem…
O Mateus voltou a chutar na tentativa de fazer mais um golo e festejar à frente do pai.
- Filho, – continuou - as pessoas são como os jogadores de futebol. Se não tiverem um bom treinador que os oriente, que os anime nos momentos de desânimo, correm sem sentido. Não basta o capitão dentro do campo. Também ele aguarda pela voz do treinador. Em campo, os jogadores não se bastam a eles próprios. Antes, durante e depois do jogo, o treinador é fundamental.
O Mateus ficou alguns segundos suspenso com a bola na mão. Ouvia o pai como os jogadores atentos ao capitão que transmite a esperança do treinador que os observa para lá das quatro linhas.
De novo a melodia, enquanto o Mateus rematava certeiro e cantarolava “sem medo avançarei”.


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