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O burro que não queria cenouras e a árvore de Natal




                - Pai, tenho uma pergunta para te fazer.
                - Sim.
                - Porque é que dão cenouras aos burros?
                - Não percebo.
                Queria o pai saber a origem daquela pergunta. É que as perguntas isoladas correm o risco de ficar insatisfeitas. As perguntas trazem o caminho da resposta escondido atrás da inclinação final. É preciso desvendá-lo.
                - Vi uma fotografia num livro.
                - E então?
                - O burro estava preso a uma nora…
                - Sim, um mecanismo para tirar água de um poço…
                - E a minha pergunta é: porque lhe dão cenouras? Tu acreditas nisso?
                O rapaz achava estranho dar cenouras ao animal.
                Cercado assim por aquela estranheza espontânea, suavemente inocente, o pai viu-se obrigado a uma resposta e tratou de encontrar o melhor caminho. Estaria o problema nas infindáveis voltas que o burro dava? Na fugidia cenoura? Seria o burro animal cego que não via nem uma coisa nem outra?
                - Eu penso que ele não gosta nada daquelas voltas que dá… - adiantou-se o rapaz.
                Sim, tinha razão. E o problema nem seriam as voltas. Estar preso, não poder caminhar pelo campo florido que a água do poço alimentava era bem mais grave! Ainda se lembrou de Sísifo, mas deixava para tempo mais oportuno.
                - Não percebo o teu espanto quanto às cenouras. Pelo que sei, o animal gosta de vegetais.
                - Eu vi uma cenoura presa numa vara à frente do burro… aquilo serve para quê? Quando é que lha vão dar?
                Ainda se lembrou o pai de Tântalo, mas…
- Eu acho que o animal não quer a cenoura. Não é por causa dela que caminha.
- Não percebo.
- O burro avança no caminho porque quer conhecer as montanhas e os rios, avança porque quer ouvir o canto das aves que o cumprimentam quando passa, avança porque quer sentir o perfume das flores, saborear as ervas tenras e suculentas, sentir a brisa que lhe afaga o pelo e segreda histórias que recolhe por onde passa, trazendo-as guardadas para sempre.
O petiz ficou por momentos preso às palavras do pai.
- As coisas que o homem da cenoura desconhece!
- Talvez, tão preocupado com a cenoura e com o seu conveniente afastamento, não vê para além das pedras do caminho.
- E a teimosia do burro?
- Talvez não seja burrice. Acredito que quando para o faz por uma boa causa.
- Talvez uma flor bela e perfumada!
- Sim. Só que o homem da cenoura não percebe nada disso.
Sim, o homem da cenoura nunca percebeu nada daquilo.
- Pai, tenho um desafio para te fazer.
- Diz.
- Queria que escrevesses uma história sobre a árvore de Natal.
-Estás a desafiar-me com uma cenoura – protestou, rindo, o pai.
Sim, mas desta cenoura separava-o a distância que a imaginação podia anular. Era agora necessário merecê-la e levantá-la depois como um prémio conquistado.
- Veremos se consegues fazê-la até ao Natal.

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