Regresso à infância pelo caminho
que só as palavras percorrem. São elas o novelo que desenrolo para não me
perder. Avanço de olhos fechados. Abri-los é quase tão perigoso como olhar para
trás, quem vacila perde a memória prometida.
Suave, surge ao fundo, depois da
curva.
Tinha seis anos. Estava lá o
Hélder, o Luís e o Paulo.
Atrás da casa dos meus pais, uma oliveira,
forte e verde. O tronco guardava orgulhoso as cicatrizes que o tempo ali
gravara. O musgo, veludo verde o macio, abraçava-o. Os ramos disputavam o Sol,
para ele se levantavam firmes e decididos.
- Vamos ver quem trepa mais alto?!
O desafio estava lançado. Subimos.
Mas nem os gritos de vitória ouvi - um som abafado e um grito sufocado pela
dor geraram um silêncio inesperado.
- Ele caiu! Ele caiu! – gritou o
Hélder, gerando alarme.
-Estás bem? – perguntou o Luís, descendo
rapidamente.
O braço, o braço, não sentia o
braço!
A minha mãe chegou pouco depois,
qual sentinela discreta que reage prontamente ao mínimo sinal de perigo. Olhou-me,
sacudiu a terra das minhas calças e nada perguntou, bastavam-lhe as lágrimas
que desenhavam no meu rosto o mapa da dor.
- Luís, vai a casa e pede à tua
mãe para chamar um carro de praça.
- Onde vamos? – perguntei, entre
soluços.
- Ao hospital.
- O que me vão fazer?
Não me deu resposta. Era mais
importante ir do que ficar. Caminhei, então, ao lado da minha mãe até à estrada
mais próxima, ouvindo em cada passo o cetim da blusa, respirando o calor da mão que afagava o meu rosto, recolhendo as minhas lágrimas.
Silêncio e espera pelo carro verde
e preto.
- Alguém te empurrou? – acabou por
perguntar.
Acenei negativamente.
Daí a pouco, o senhor José abriu a
porta para entrarmos no seu táxi.
- Ó rapaz, quantos anos tens?
A minha mãe respondeu.
- E já sabes escrever o teu nome?
- Porque pergunta? – reagiu a
minha mãe.
- Era só para saber se era
canhoto. Daqui a dias, começa a escola e ele vai aprender a escrever. E, se tiver
o braço esquerdo partido, aprende com a direita.
Aconcheguei-me para suportar
aquelas palavras frias.
Sim, era canhoto e tinha razão o
senhor José, o gesso acabou por me fazer destro.
Nos meses seguintes, várias vezes
passei pela oliveira para fixar o ramo por onde tinha subido. Havia de lá
voltar para subir e vencer.
E voltei, subi e venci.
O fio tremeu, mantive por isso os
olhos fechados e voltei à curva. Não resisti ao perfume daquela mão carinhosa,
à segurança dos passos decididos, ao olhar que me acarinhava e
às palavras que me davam colo. Acomodei-os e trouxe-os comigo!
São pedacinhos que
saboreio de olhos fechados.
Fica o presente mais doce.
Vou enrolando o novelo, volto ao
labirinto.